A caminho do Brasil para produzir no campo de Búzios, uma das maiores plataformas do pré-sal, a P-78, carrega em sua estrutura um marco inédito para a engenharia nacional. Toda a concepção dos 22 módulos do topside foi assinada pela DBR Energies, empresa 100% brasileira que liderou o projeto integrando mais de 70 fornecedores nacionais e internacionais — do projeto executivo à modelagem 3D, com uso intensivo de tecnologias digitais em tempo real. Esse feito rendeu à companhia o Prêmio InovaInfra 2025. “A engenharia digital teve um papel central no sucesso do projeto”, afirma Cedric Romano, diretor da DBR. “Implantamos, customizamos e integramos sistemas e bancos de dados que funcionavam em tempo real, permitindo acompanhar e atualizar simultaneamente diversas frentes de trabalho e etapas de engenharia espalhadas por múltiplos sites”, acrescentou. Mobilizando cerca de 400 engenheiros e técnicos no pico da atividade, o projeto somou mais de 1 milhão de homem-horas. “Esse contrato representa muito mais do que um marco para a DBR. Ele comprova que somos plenamente capazes, que estamos preparados e que atuamos na vanguarda da engenharia”, avalia Cedric.
Como foi a atuação da empresa nesse projeto? Queria que você trouxesse alguns detalhes para explicarmos melhor para os nossos leitores.
Esse projeto começou a tomar forma para nós entre 2019 e 2020, quando iniciamos as primeiras conversas. A execução efetiva teve início entre 2021 e 2022. Desde o começo, sabíamos que seria um grande desafio — algo inédito para uma engenharia brasileira: desenvolver o topside completo de um grande FPSO.
Para dar conta dessa missão, foi necessário um alto nível de organização, tanto do ponto de vista técnico, com a participação de centenas de engenheiros e técnicos, quanto do ponto de vista digital. A engenharia digital teve um papel central no sucesso do projeto. Implantamos, customizamos e integramos sistemas e bancos de dados que funcionavam em tempo real, permitindo acompanhar e atualizar simultaneamente diversas frentes de trabalho e etapas de engenharia espalhadas por múltiplos sites.
Embora o projeto tenha sido desenvolvido no Brasil, em determinado momento passamos a contar também com apoio de construção e montagem em países como China, Índia, Coreia do Sul e Singapura, além das atividades realizadas em Angra dos Reis. Para garantir a integração de todas essas frentes, desenvolvemos um sistema digital em nuvem, que conectava a engenharia ao andamento da construção do casco.
Ao todo, operamos com mais de 140 estações gráficas em nuvem, funcionando de forma integrada e em tempo real, 24 horas por dia. Mais de 70 fornecedores nacionais e internacionais estiveram envolvidos, e todo o controle da operação ficou sob responsabilidade da DBR. Foi um grande desafio de logística, produtividade, coordenação e também uma grande conquista.
Gostaria de aprofundar a questão da engenharia digital em tempo real. Como essa estrutura contribuiu para integrar os mais de 70 fornecedores envolvidos no projeto, especialmente considerando que muitos deles estavam em diferentes países?
Nosso projeto foi desenvolvido com uma abordagem digital completa, combinando modelagem em 2D, 3D, BIM e até 4D. A engenharia digital teve um papel multifuncional: atuou como administradora de sistemas, capacitadora de equipes, integradora de informações e responsável pela automação de processos. Além disso, coordenou todo o fluxo de dados entre as diferentes frentes do projeto.
Contamos com uma infraestrutura de hardware pesada e montamos uma equipe dedicada, com mais de 20 engenheiros e técnicos focados exclusivamente na gestão desse ecossistema digital. Desenvolvemos internamente softwares de controle e acompanhamento para complementar os sistemas tradicionais e garantir uma integração eficiente.
O resultado foi um sistema robusto e altamente responsivo, com latência inferior a 50 milissegundos. Isso permitiu que tudo funcionasse em tempo real, inclusive a geração de mais de 200 tipos diferentes de relatórios, customizados para atender às necessidades específicas de cada stakeholder envolvido no projeto.
E quanto à complexidade do projeto em si? Que inovações a DBR implementou do ponto de vista da engenharia?
A própria natureza do projeto já impõe um alto grau de complexidade. Um dos principais avanços que conseguimos foi no controle e na troca de informações entre as diversas especialidades envolvidas — engenharia naval, mecânica, química, elétrica, automação, civil, de materiais e metálica. Estamos falando de milhões de dados circulando entre essas áreas. Para se ter uma ideia, foram produzidos mais de 20 mil isométricos, e o topside da plataforma tem mais de 50 mil toneladas.
O grande diferencial foi nossa capacidade interna de gerenciar esse enorme fluxo de informações de forma precisa e integrada, o que foi essencial para garantir o cumprimento dos prazos.
E quantas pessoas, ao todo, estiveram diretamente envolvidas na execução desse trabalho?
No pico do projeto, mobilizamos cerca de 400 engenheiros e técnicos. Somando tudo, foram mais de 1 milhão de homem-horas dedicadas. É um volume realmente expressivo.
Em termos de escala e complexidade, esse projeto pode ser considerado um dos maiores já realizados no setor?
Sem dúvida. Ele está no mesmo nível dos grandes projetos nacionais e internacionais. Até onde sabemos, somos a única empresa brasileira que realizou, de ponta a ponta, a entrega de um topside completo — desde o início do projeto até a entrega final.
Esse contrato representa muito mais do que um marco para a DBR. Ele comprova que somos plenamente capazes, que estamos preparados e que atuamos na vanguarda da engenharia. Hoje, não há desafio tecnológico ou técnico em projetos offshore que não estejamos aptos a enfrentar. Esse projeto é a prova concreta da nossa capacidade de desenvolver soluções complexas, com excelência, representando o Brasil com competência no cenário global.
A engenharia brasileira passou por um período difícil na década passada, mas agora parece dar sinais de recuperação. Como você avalia o momento atual do setor?
O cenário atual é promissor. Há muitas oportunidades surgindo, impulsionadas por investimentos da Petrobras e também por operadoras estrangeiras. Mas é importante lembrar que a engenharia sofreu bastante nos últimos anos, e isso teve reflexos importantes, inclusive na formação de novos profissionais.
Houve uma queda no interesse dos jovens pela carreira, o que afetou o volume de engenheiros disponíveis no mercado. Hoje, o Brasil possui, proporcionalmente, apenas entre 20% e 25% da quantidade de engenheiros que vemos em países desenvolvidos.
A engenharia é peça-chave para o desenvolvimento do país. Para avançarmos, precisamos de mais regularidade na oferta de projetos e de estímulos para atrair novas gerações à área. O Brasil precisa estar preparado para atravessar essa transição tecnológica que já está em curso. Isso passa, necessariamente, por valorizar e fortalecer a engenharia nacional.
Em relação à tecnologia, há investimentos ou iniciativas em andamento que vocês possam compartilhar?
Um dos nossos focos atuais é a transferência de conhecimento do offshore para o onshore. Ao longo dos anos, desenvolvemos soluções específicas para ambientes offshore, como estratégias de modularização voltadas para otimização de espaço e redução de peso — aspectos críticos nesse tipo de operação.
Ao levarmos esse know-how para o onshore, conseguimos otimizar projetos terrestres com mais eficiência. Isso tem ampliado nossa atuação nesse mercado, onde hoje já temos grandes contratos em andamento. É uma forma de aplicar a experiência acumulada em duas décadas no offshore para gerar valor também em outras frentes.
A política de conteúdo local sempre gera debates, especialmente no setor de engenharia offshore. Como você avalia sua importância e o que poderia ser aprimorado nesse aspecto?
O conteúdo local é absolutamente fundamental para as empresas brasileiras, principalmente quando falamos de projetos offshore. Nessa área, os grandes EPCistas geralmente já atuam no Brasil e contam com capital próprio, o que naturalmente favorece a contratação de empresas de engenharia nacionais.
No entanto, em projetos com maior intensidade de capital, geralmente liderados por grandes companhias estrangeiras, é comum que essas empresas optem por trabalhar com parceiros de seus próprios países ou regiões de origem. É aí que o conteúdo local se torna ainda mais importante: ele cria uma porta de entrada para que empresas brasileiras possam participar desses empreendimentos, desenvolver seus quadros técnicos e reinvestir na própria engenharia.
Vale lembrar que o conteúdo local não é uma particularidade do Brasil — ele existe na maioria dos países e, de modo geral, é bem aceito como uma política de estímulo ao desenvolvimento interno.
Um ponto que poderia ser aprimorado é a forma de contabilização do conteúdo local. Em muitos casos, os percentuais são atingidos com a aquisição de equipamentos — que têm alto valor agregado — mas isso não necessariamente implica na contratação de engenharia nacional. Seria importante segmentar o conteúdo local de forma mais clara, garantindo que parte dele envolva obrigatoriamente a participação de empresas de engenharia de projetos. Isso contribuiria para fortalecer ainda mais o setor no país.
Para encerrar, quais são os próximos passos e planos da DBR Engenharia?
Nosso foco continua sendo a engenharia de projetos offshore, que é o core business da empresa. Estamos atualmente envolvidos ou acompanhando de perto diversos projetos relevantes no mercado, como Seap 1, Seap 2, Albacora e P-86, entre outros. Também temos ampliado nossa presença internacional. Um exemplo disso é a atuação no revamp de uma plataforma na África, o que mostra nosso interesse em levar a expertise brasileira para fora do país.
Além disso, estamos atentos à abertura do mercado na Margem Equatorial, que deve ganhar relevância nos próximos anos. Acreditamos que esse novo polo será fundamental para o Brasil manter suas reservas enquanto a transição energética avança. É importante entender que essa transição é transgeracional — ela está em andamento, mas não acontecerá de forma imediata. Precisamos estar preparados para garantir a segurança energética do país durante esse processo, e a engenharia tem um papel central nesse contexto.