Transição geracional na indústria: continuidade, evolução e novos caminhos de liderança

Transição geracional na indústria: continuidade, evolução e novos caminhos de liderança
15 de outubro de 2025

Por Isis Borge, Diretora Executiva na Talenses e Sócia do Talenses Group

Nos últimos anos, um dos temas mais recorrentes nas conversas com executivos da indústria de base – incluindo papel e celulose – tem sido a transição geracional. Não se trata apenas de uma questão etária, mas de como as empresas estão se preparando (ou deixando de se preparar) para a saída de líderes que acumularam décadas de experiência. Fazer isso enquanto precisam formar sucessores capazes de lidar com um mundo muito diferente daquele em que seus antecessores construíram suas carreiras.

É inegável que boa parte da liderança atual do setor começou a trajetória em um contexto de expansão fabril, foco em eficiência operacional e crescimento acelerado. Muitos vieram do chão de fábrica, acompanharam viradas de ciclo de commodities e consolidaram conhecimento técnico raro. Agora, esse grupo de profissionais começa a se aproximar da aposentadoria. E, junto com a saída deles, existe o risco de perda de um patrimônio valioso de memória organizacional.

Por outro lado, os novos líderes são chamados a equilibrar desafios ainda mais complexos: lidar com pressões globais por sustentabilidade, conduzir a digitalização dos processos produtivos e implementar práticas de ESG que vão muito além do discurso. Também precisam atrair profissionais jovens para regiões, muitas vezes, distantes dos grandes centros. É uma equação que exige tanto respeito pela herança recebida quanto coragem para transformar.

O ponto central, a meu ver, está na preparação para essa transição. Em muitas empresas, ainda encontramos um modelo reativo, em que só se discute sucessão diante de uma saída iminente. Isso gera lacunas de liderança, insegurança entre equipes e até perda de competitividade. A transição geracional, quando tratada de forma estruturada, precisa estar conectada ao planejamento estratégico, envolvendo conselhos, presidentes e áreas de gente e gestão.

Algumas práticas podem fazer diferença. A primeira é mapear talentos internos com antecedência, não apenas avaliando desempenho técnico, mas também capacidade de liderar em contextos de mudança. Um bônus dessa prática é o impacto positivo na retenção: em um mercado bastante aquecido, quando um profissional percebe que está sendo observado e reconhecido como potencial sucessor, tende a pensar duas vezes antes de aceitar uma oferta externa.

Esse senso de valorização e perspectiva de crescimento dentro da organização fortalece o vínculo do talento com a empresa. E a iniciativa pode ser complementada com a criação de programas de job rotation. Outra ação eficiente é a mentoria reversa, que promove uma troca entre gerações. Os mais jovens evoluem com a experiência dos mais seniores, enquanto compartilham com eles suas visões sobre digitalização, diversidade e novos modelos de trabalho.

O que vejo, no entanto, é que, muitas vezes, os planos de sucessão são engessados. Eles delimitam trajetórias em grandes blocos estanques: profissionais da área florestal circulam apenas entre viveiro, silvicultura, colheita e manejo; aqueles do industrial seguem apenas em

funções de operação e manutenção; e os da área comercial transitam dentro de posições ligadas a vendas e mercado. Essa dinâmica cria líderes muito especializados, mas pouco expostos a desafios distintos, como se a organização fosse composta por empresas independentes.

A questão é que, na verdade, trata-se de um único negócio integrado, que depende da interação entre todas essas áreas para entregar resultados. Expor profissionais a vivências fora do seu “bloco natural” poderia ampliar repertório, estimular uma visão sistêmica e formar executivos mais preparados para pensar o negócio como um todo, e não apenas a partir do seu pedaço.

Outra frente importante é considerar, de forma pragmática, a atração de profissionais de outros setores. Pensar naqueles que já lidaram com temas como transição energética, economia circular ou automação avançada. É uma forma interessante de trazer novos repertórios para dentro do setor de celulose. Essa diversidade de experiências pode enriquecer a cultura organizacional e acelerar a curva de transformação.

Há também um componente cultural delicado. Muitas vezes, os líderes mais experientes se sentem inseguros diante do processo de sucessão. É como se, para eles, preparar a nova geração significasse abrir mão da própria relevância. O desafio das empresas é transformar essa narrativa: sucessão não é substituição pura e simples, mas continuidade com evolução. E quem participa desse processo deixa um legado de impacto muito maior do que aquele registrado em números de produção ou balanços financeiros.

Também vale destacar o impacto dessa transição sobre as regiões em que o setor atua. Boa parte das fábricas está localizada em cidades médias, onde o emprego industrial tem forte peso. A chegada de uma nova geração de líderes pode influenciar não só a cultura da empresa, mas também a relação com comunidades locais, fornecedores e governos. Com profissionais que dialogam bem com esse ecossistema e entende o papel social da indústria, as empresas ganham vantagem competitiva.

No fundo, a transição geracional é um movimento inevitável. O que vai diferenciar empresas mais preparadas das demais é a capacidade de enxergar esse momento como evolução. Afinal, é a oportunidade de preservar o conhecimento acumulado, enquanto se questionam as práticas estabelecidas. Uma possibilidade de formar líderes capazes de navegar em ambientes complexos, de atrair novos perfis para o setor e de consolidar a indústria brasileira de celulose como protagonista em inovação e sustentabilidade no cenário global.

Falar de sucessão nunca é simples. Exige planejamento, diálogo e coragem para enfrentar o futuro com clareza. Mas é justamente essa preparação que define se a passagem de bastão será turbulenta ou se abrirá espaço para uma nova etapa de crescimento. E, nesse ponto, não estamos falando apenas de cargos de diretoria ou presidência, mas de toda uma cadeia de liderança que sustenta a operação. É essa visão sistêmica que permitirá que as empresas atravessem o momento atual não apenas preservando sua competitividade, mas construindo um legado duradouro para as próximas gerações.

Fonte: Portal Celulose.
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