Por Ana Claudia Franco
A conclusão da tramitação do Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021, conhecido como a “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, que atualmente aguarda a sanção presidencial, tem sido acompanhada com grande expectativa por diversos setores da economia – em especial, o de saneamento.
O setor, historicamente afetado pela lentidão, sobreposição de exigências e insegurança jurídica nos processos de licenciamento, vê na proposta uma possibilidade concreta de destravar investimentos essenciais ao atingimento das metas de universalização.
Mas junto com as promessas de celeridade e segurança jurídica. O texto traz pontos que exigem atenção redobrada por parte de empresas, investidores e gestores públicos.
Um dos dispositivos mais relevantes nesse contexto é o artigo 10, que prevê a adoção de procedimentos simplificados e prioridade de análises para o licenciamento de empreendimentos de saneamento.
Além disso, enquanto não forem alcançadas as metas de universalização estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 11.445/2007), estações de tratamento de água e esgoto poderão ser implantadas sem a necessidade de licenciamento ambiental, bastando a obtenção da outorga para o uso dos recursos hídricos para o lançamento dos efluentes tratados.
Licenciamento Ambiental Saneamento
Em um primeiro olhar, a medida representa um avanço necessário, sobretudo em regiões carentes de infraestrutura, onde a burocracia costuma travar investimentos urgentes.
No entanto, é preciso cautela. A dispensa do licenciamento ambiental não elimina a necessidade de atender a outras exigências legais, como autorizações para supressão de vegetação, cumprimento de padrões de qualidade ambiental, obtenção de outorgas de uso de recursos hídricos e, em muitos casos, o respeito às exigências municipais e estaduais que podem trazer requisitos adicionais aos projetos.
Além disso, a experiência adquirida nos últimos anos demonstra que, mesmo em projetos formalmente dispensados de licenciamento ambiental, a ausência de gestão adequada dos aspectos socioambientais pode gerar questionamentos por parte de órgãos de controle, do Ministério Público e da sociedade civil.
Projetos
Outro aspecto relevante nesse contexto é o impacto social dos empreendimentos. Mesmo quando legalmente dispensados do licenciamento, projetos de saneamento precisam ser conduzidos com transparência, planejamento e comunicação eficiente junto às comunidades afetadas.
A “licença social” continua sendo um fator determinante para o sucesso e a continuidade das obras. Especialmente em áreas urbanas onde a população cobra participação, informações claras e garantias ambientais. Vale lembrar que, conforme o próprio texto do PL, atingidas as metas de universalização, os projetos de saneamento voltarão a se submeter ao licenciamento simplificado e, em situações excepcionais, poderá ser exigido o Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Outro tema importante encontra-se mencionado no artigo 11, que autoriza o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para ampliações e intervenções em instalações de saneamento já existentes. Embora o mecanismo possa trazer ganhos de eficiência, ele demanda planejamento rigoroso, análise técnica consistente e o cumprimento prévio de requisitos técnicos e ambientais. Sem esse cuidado, a LAC, que deveria facilitar o processo, pode se tornar foco de questionamentos, judicialização e até paralisação, frustrando as expectativas de celeridade.
Setor de Saneamento
Por fim, é fundamental que o setor de saneamento compreenda que o licenciamento ambiental vai além de um mero rito burocrático. Ele é, na essência, um importantíssimo instrumento de gestão de riscos e de qualificação dos empreendimentos. Capaz de agregar valor e aumentar a previsibilidade dos investimentos. Desprezar ou minimizar essa função, ainda que amparado por dispositivos legais que flexibilizem procedimentos, pode gerar prejuízos reputacionais, atrasos e até inviabilizar projetos.
Em síntese, o setor de saneamento deve, sim, ver com bons olhos as inovações trazidas pelo PL, mas sem subestimar os riscos associados a uma interpretação simplista da “desburocratização”. A gestão eficiente de riscos e a transparência seguirão sendo diferenciais competitivos, independentemente da flexibilização dos procedimentos. O desafio não está apenas em acelerar projetos, mas em garantir que a agilidade caminhe pari passo com a responsabilidade socioambiental. Sob pena de a simplificação legislativa, mal compreendida ou mal aplicada, se transformar em fonte de novos conflitos.
Fonte: Valor.