O avanço da indústria de celulose e papel no Brasil está agravando um problema antigo do setor: a falta de mão de obra especializada. Os novos projetos de Arauco, CMPC e Bracell, que somam quase R$ 100 bilhões em investimentos até 2028, preveem 38 mil postos de trabalho no pico da construção e 13 mil vagas fixas durante a operação.
Esse desafio exige esforços na formação de pessoal, e não é exclusivo das empresas em expansão. “É uma preocupação crescente, que vem evoluindo em velocidade alarmante”, afirma Tina Barcellos, diretora de gente e serviços corporativos da Klabin.
Atualmente, há de 12 mil a 18 mil vagas abertas no setor florestal no país, segundo estimativa da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (Apre Florestas). Desse total, calcula-se que de 2 mil a 3 mil sejam postos permanentes e de 10 mil a 15 mil, temporários. A maior parte das vagas é para a indústria, seguida de atividades de colheita e logística. “Essas proporções ocorrem por conta do ciclo de construções das fábricas. Em um período de maior ‘normalidade’, esses percentuais tenderiam a mudar, com maior inclinação para as operações de campo”, afirma Fabio Brun, presidente da Apre.
Nos últimos anos, o país recebeu investimentos massivos da indústria de celulose e papel, concentrados sobretudo em Mato Grosso do Sul, que se consolida como o “Vale da Celulose” brasileiro. Em 2023, os municípios de Três Lagoas, Água Clara e Ribas do Rio Pardo registraram, juntos, mais de 9 mil novas contratações, segundo o governo do Estado.
Diagnóstico realizado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (Ipef), em parceria com a Reflore-MS, estima uma demanda de 9.350 trabalhadores para atender às operações florestais já em andamento ou previstas para o curto e médio prazo em MS. “Esse é um desafio que exige uma resposta articulada entre o setor produtivo, o poder público e as instituições e entidades de modo geral”, diz Dito Mario Lazaro, diretor-executivo da Reflore, associação sul-mato-grossense de produtores e consumidores de florestas plantadas.
A chilena Arauco está avançando na construção do Projeto Sucuriú, em Inocência (MS) – investimento de até R$ 25 bilhões. Com entrega prevista para 2027, a unidade deve gerar 14 mil postos de trabalho no pico da obra e, na operação, empregará cerca de 6 mil pessoas. Mas a população de Inocência era de 8,4 mil habitantes em 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que vai exigir a chegada de muita gente de fora.
Para suprir a demanda, a companhia está estruturando um sistema de capacitação e de desenvolvimento das pessoas da cidade, incluindo um Senai. Também por meio do aporte dado pela Arauco, o Sebrae-MS capacita empreendedores locais para atender às demandas da fábrica.
A construção modular tem sido uma alternativa para abrigar os funcionários durante as obras. No caso da Arauco, a construtora Opus está fornecendo um tipo de contêiner que funciona como um apartamento. Serão usados 4,4 mil módulos, que comportam até 8 mil funcionários.
Outra gigante em expansão no Estado é a Bracell, do grupo asiático Royal Golden Eagle (RGE). A companhia está em processo de licenciamento ambiental para instalar uma fábrica de cerca de R$ 23 bilhões na região de Bataguassu. Embora ainda não haja data para o início das obras, a empresa estima mobilizar até 12 mil trabalhadores na construção e gerar cerca de 2 mil empregos diretos e indiretos na operação.
O desafio de mão de obra, porém, se estende às demais operações da Bracell no país, em São Paulo e na Bahia. “A maior defasagem está concentrada em áreas técnicas especializadas, especialmente nas regiões onde a empresa tem ampliado sua atuação florestal e industrial”, diz Marcela Fagundes, gerente sênior de recursos humanos. Mais do que a escassez de profissionais, essa lacuna diz respeito à necessidade de competências relacionadas às tecnologias avançadas, afirma.
Além de programas de estágio e trainee, a companhia coordena um instituto que oferece aprendizado para as áreas envolvidas na produção. A empresa também fortaleceu presença em feiras universitárias e mantém parcerias com instituições acadêmicas.
O tema tem mobilizado até eventos voltados ao setor. Na edição deste ano da Show Florestal, foi incluída pela primeira vez uma sessão para envio de currículos. “A última feira tinha sido em 2022. Nessa época, não havia essa escassez [de mão de obra] como agora”, afirma Ricardo Malinovski, engenheiro florestal e fundador da Malinovski, empresa de eventos voltados para o setor de florestas plantadas.
Segundo Malinovski, a visitação nas feiras tem batido recordes, mas o interesse das novas gerações é menor. “Tentamos trazer muita tecnologia, fazer demonstrações dinâmicas e ‘gamificar’ a feira para sensibilizar esse público”, diz. Ele também aponta a queda na formação de novos profissionais. “A adesão para entrar [em Engenharia Florestal] está diminuindo”, diz.
Com operações relevantes no Paraná, em Santa Catarina e em São Paulo, incluindo fábricas e florestas, a Klabin nota uma dificuldade cada vez maior para encontrar trabalhadores para atuar em áreas florestais, devido ao desgaste físico. “Não é algo novo, mas tem se agravado rapidamente”, afirma Tina Barcellos.
Os novos projetos também acentuam a competição por mão de obra. Na Klabin, a decisão foi não entrar em uma “guerra de quem paga mais”. “Isso vira uma bola de neve. Além de gerar inflação, causa desequilíbrio interno”, diz Barcellos. “Em vez disso, decidimos formar profissionais, interna e externamente”.
Além de parcerias com Sesi, Senai e prefeituras locais, a empresa possui um centro técnico em Telêmaco Borba (PR) e um Centro de Educação Profissional Florestal e Agrícola em Ortigueira (PR). Segundo a executiva, no Projeto Figueira, fábrica de embalagens de papelão inaugurada este ano em Piracicaba (SP), 42% dos profissionais já eram da Klabin.
No Rio Grande do Sul, a chilena CMPC está construindo uma fábrica de R$ 27 bilhões em Barra do Ribeiro. Durante as obras, estima-se que serão gerados 12 mil postos de trabalho e, após o início, a unidade deve agregar 5 mil empregos fixos.
Ciente da demanda, a empresa desenhou um plano das competências necessárias para os próximos quatro anos. “Mapeamos quando e em quais especialidades precisaremos de engenheiros, além do tempo necessário para formá-los e capacitá-los. O mesmo foi feito para operadores de caldeira”, conta Antonio Lacerda, diretor-geral de celulose da CMPC no Brasil.
Para Lacerda, um ponto positivo da operação gaúcha é a proximidade com cidades estruturadas, o que deve reduzir a rotatividade. A nova unidade ficará a 20 quilômetros de Guaíba, onde a CMPC já tem fábrica, e a 60 quilômetros de Porto Alegre. “Em fábricas mais remotas, para preencher 12 mil postos de trabalho, foram necessários até 45 mil CPFs, devido ao alto ‘turnover’. Estimamos que, no nosso caso, esse número fique entre 20 mil e 22 mil CPFs”, diz.
Finalizada a obra, a oferta de moradia definitiva é determinante para manter os profissionais na região, abrindo oportunidades para o setor imobiliário. A incorporadora e construtora Pacaembu, que constrói loteamentos e casas populares, estuda investir em cidades que estão recebendo novas plantas de papel e celulose, conta o presidente do conselho de administração, Victor Almeida.
Segundo ele, a moradia é tão crucial que as empresas podem até pagar parte do terreno onde será feito o loteamento ou dar subsídios para que seus funcionários comprem as unidades, a exemplo de projetos que a Pacaembu fez no Paraná, com cooperativas agroindustriais. Uma parceria com o poder público local também ajuda a entender quais investimentos devem ser feitos e onde. “É um trabalho a seis mãos”, afirma.
Sem esse trabalho, o crescimento rápido de cidades pequenas gera escassez de imóveis, o que tende a aumentar o custo de vida e piorar as condições de habitação. “Se você não tem o desenvolvimento correto, a mão de obra pode ir para lá, mas, depois de três ou quatro meses, vai se desestimulando”, diz Almeida. “As famílias decidem voltar para as regiões de origem”.