Fertilizantes com forte dependência das importações
FONTE: Valor Econômico
O Brasil compra cerca de 85% de adubos no exterior, e o quadro só mudará com a redução nos preços do gás natural e a produção de hidrogênio verde
Diante das crescentes pressões mundiais sobre a preservação ambiental, o agronegócio que faz do Brasil uma potência na produção de alimentos tem na indústria de fertilizantes uma grande aliada. Com ela, aumenta a produtividade, evitando expansões de área plantada. No entanto, há grandes gargalos a serem superados. Especialistas do setor químico e do agroindustrial apontam o custo dos insumos, especialmente o gás natural, e as dificuldades logísticas para recebê-lo, como entraves para o aumento da capacidade produtiva de adubos e fertilizantes no Brasil. Este cenário obriga o país a importar, hoje, cerca de 85% das suas necessidades.
“Fertilizantes, para serem competitivos, precisam de matéria-prima competitiva. No Brasil, o gás natural custa três vezes mais do que nos Estados Unidos e um pouco mais do que na Europa”, diz a diretora de economia e estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Giovanna Coviello Ferreira. “A matéria-prima representa cerca de 80% dos custos dos fertilizantes, especialmente os nitrogenados.”
Para ela, a indústria de fertilizantes necessita que o custo do gás natural caia, confirmando a expectativa trazida pelo novo marco legal, e que avance o compartilhamento da infraestrutura de transporte do insumo por parte da Petrobras, conforme acertado pela estatal com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Ela lembra também que as iniciativas para produzir fertilizantes a partir de hidrogênio verde devem dinamizar o setor daqui a alguns anos. O hidrogênio verde é obtido de fontes renováveis e pode ser utilizado na mesma cadeia de produtos à base de gás natural, como a amônia, matéria-prima para fertilizantes nitrogenados.
Dados da Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda) mostram que, em 2020, foram entregues no mercado 40,6 milhões de fertilizantes, 11,9% acima de 2019. Já a fabricação nacional teve queda de 10% e fechou em 6,4 milhões de toneladas. Cerca de 584 mil toneladas foram exportadas, 109,6% acima de 2019. Para suprir as necessidades da demanda interna, o Brasil importou 32,8 milhões de toneladas. Cerca de 584 mil toneladas foram exportadas, 109,6% acima de 2019. Para suprir as necessidades da demanda interna, o Brasil importou 32,8 milhões de toneladas de intermediários de fertilizantes, 11% a mais do que em 2019.
A Anda não faz projeções futuras. No primeiro semestre deste ano, foram entregues 9 milhões de toneladas de fertilizantes, 20,3% acima de igual período de 2020. A produção nacional caiu 11%, ficando em 1,5 milhão de toneladas. Para abastecer o país, as importações cresceram 23,4%, para 7 milhões de toneladas. As exportações aumentaram mais, 33,9%, para 119 mil toneladas. “A demanda global hoje é superior à oferta de fertilizantes. É uma preocupação do mundo todo”, diz Ricardo Tortorella, diretor-executivo da Anda.
Segundo ele, a situação brasileira, com importações crescentes ano a ano, deveria ser mais equilibrada. Para alcançar esse equilíbrio, é preciso uma política pública para enfrentar a questão. Tortorella diz que analistas e consultores do agronegócio estimam que as entregas de fertilizantes em 2021 podem crescer dois dígitos sobre 2020.
Os constantes aumentos da demanda são puxados por algumas frentes. Segundo a pesquisadora do FGV Agro, Talita Pinto, as culturas de soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e café – demandaram 82% dos fertilizantes consumidos em 2020 – estão usando mais o produto nos últimos 15 anos: enquanto em 2006 eram cerca de 0,37 tonelada de fertilizante por hectare, em 2020 foram cerca de 0,50 tonelada por hectare.
O resultado pode ser visto na produtividade de grãos. Soja, milho, algodão e outros cresceram 110% em volume e só de 38% na área plantada. Talita Pinto aponta aumento de 93% na entrega de fertilizantes ao mercado brasileiro nos últimos 15 anos, passando de 21 milhões de toneladas em 2006 para as 40,6 milhões em 2020. “As estimativas mostram que cerca de 44% do total foram para soja, milho (17%), cana-de-açúcar (12%), algodão (5%) e café (5%)”, detalha Talita.
Enquanto o preço do gás não cai para níveis mais competitivos com a nova regulamentação, produtoras de fertilizantes no Brasil tentam aumentar a oferta. A Yara, que fabrica produtos fosfatados e nitrogenados, além de NPK (mistura de nitrogênio, fósforo e potássio) no Brasil, conclui até o fim deste ano a ampliação do Complexo de Rio Grande (RS), composto por seis unidades misturadoras, além de instalações de granulação e acidulação. Feito em etapas e iniciado em 2016, o investimento de R$ 2 bilhões fará o volume de produção aumentar até a capacidade máxima: 1,2 milhão de toneladas anuais para a granulação e de 2,5 milhões de toneladas por ano de distribuição, mistura e ensaque.
“Essa produção ajudará a suprir, pelos próximos 25 anos, a demanda dos produtores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e parte dos Estados do Mato Grosso do Sul e Maranhão, além do Paraguai”, observa Maicon Cossa, vice-presidente comercial da Yara Brasil. Segundo ele, até o fim do primeiro semestre foram comercializados cerca de 75% do volume demandado ao longo do ano, por conta do cenário positivo de preços para as principais commodities agrícolas. “O mercado brasileiro deverá ter um crescimento acima de 5% em relação a 2020, ultrapassando a marca de 42 milhões de toneladas entregues ao agricultor.”
Como a maioria das empresas do setor, a Yara importa insumos. Cossa, no entanto, não revelou volumes e valores envolvidos nas importações. Segundo ele, a empresa está voltada para o desenvolvimento de fertilizantes verdes em larga escala, investindo em projetos novos, entre eles um para a produção de amônia verde.
Outra empresa que está apostando no futuro verde é a Unigel, que arrendou, em meados de 2020, as fábricas de fertilizantes nitrogenados da Petrobras (Fafens) na Bahia e em Sergipe. Investiu R$ 500 milhões para que a produção fosse retomada. A empresa vai converter a primeira fábrica original de amônia de 1970, localizada em Camaçari (BA) e atualmente fechada, para utilizar novas tecnologias e produzir amônia verde. Isso será feito a partir da obtenção de hidrogênio da água e nitrogênio do ar, por meio de energia renovável, sem nenhuma participação de combustíveis fósseis, reduzindo a dependência do setor de fertilizantes nitrogenados do uso de gás natural.
A previsão é de que o início da produção ocorra até o fim de 2022. Já em Sergipe, a unidade já está produzindo, desde maio, amônia e ureia, produtos básicos do setor. A capacidade é de 650 mil toneladas de ureia, 450 mil toneladas de amônia e 320 mil toneladas de sulfato de amônio por ano. Com a entrada em operação das duas unidades, a capacidade será de até 1,15 milhão de toneladas de ureia e de 925 mil toneladas de amônia por ano, ajudando a reduzir as importações.
Segundo Fátima Ferreira, da Abiquim, mesmo com a retomada das operações das Fafens à plena carga, o Brasil continuará com deficiência na oferta doméstica de fertilizantes. “Antes do retorno dessas unidades, importávamos cerca de 95% de ureia. A volta das atividades das Fafens vai baixar esse percentual para 75%.” Ela afirma que o país tem espaço para mais três unidades de fertilizantes, mas, para conquistar investimentos, é preciso equalizar o preço do gás no mercado brasileiro. Pelas suas estimativas, com mais três fábricas de fertilizantes, a dependência nacional do produto importado poderia cair para 30%.
‘‘Reduziríamos a dependência por ureia e fosfatados”, diz a executiva. Já no caso do potássio, outro ingrediente fundamental da base dos fertilizantes, o Brasil continuaria 100% dependente do exterior. Neste caso, o gargalo está na dificuldade em obter o insumo em solo nacional, que apresenta reservas importantes na Amazônia.
Diante de tantas variáveis, o cenário dos fertilizantes pode ser descrito desta forma: a curto prazo, a oferta nacional vai crescer com as Fafens voltando a produzir e, no médio prazo, a partir dos efeitos concretos da nova Lei do Gás sobre o custo do insumo. Somada à maior disponibilidade de infraestrutura de transporte, além da entrada de novos players na importação de GNL (gás natural liquefeito), ofertando alternativas, a competitividade tende a melhorar. No longo prazo, acrescenta Fátima Ferreira, o hidrogênio verde pode dar mais dinamismo aos produtos nitrogenados. “O gás ainda tem um papel fundamental como transição, mas, no futuro, o hidrogênio será uma saída importante para o Brasil”, destaca.
Para o sócio de Transaction Advisory Services da HLB Brasil, André Bueno, as várias joint ventures entre players globais que vem ocorrendo devem fazer do Brasil um mercado de fertilizantes de base tecnológica. Um exemplo é a operação, concluída em julho, de aquisição da divisão agrícola da Compass Minerals América do Sul pela Israel Chemicals (ICL). Em 2020, a ICL já havia comprado a Fertiláqua.
“A ICL tinha operações no Brasil e, com as unidades da Compass Minerals, antiga Produquímica, poderá oferecer uma gama maior de produtos”, diz Bueno, que vê perspectiva de a transação agregar valor e tecnologia ao mercado brasileiro, tendo em vista a expertise técnica israelense no setor agrícola. Mas a dependência externa continuará. Segundo ele, estimativas apontam uma alta no volume de importação de fertilizantes no Brasil de cerca de 7,5% neste ano, chegando a 35,3 milhões de toneladas, contra os 32,8 milhões reportados em 2020. Em dólares, serão cerca US$ 9,7 bilhões, comparados a US$ 7,2 bilhões em 2020. A desproporção entre elevação de volume e preço é reflexo da subida da cotação média dos fertilizantes.
“Os preços dos fertilizantes em dólar por tonelada têm subido nos últimos meses. Esse movimento está ocorrendo mundialmente, englobando nitrogenados, fosfatados e potássio.” Segundo Bueno, a expectativa é de que o mercado global de fertilizantes registre uma taxa média anual de crescimento de 2,1% entre 2021 e 2026. No Brasil, o percentual salta para 4,4%.
Eduardo Monteiro, vice-presidente comercial da Mosaic Fertilizantes, diz que a demanda de fertilizantes em 2020 superou as previsões mais otimistas. “Para 2021, o otimismo continua forte, puxado pela valorização das principais commodities no mercado internacional e pelo real desvalorizado.” A empresa vem lançando produtos voltados para o aumento da produtividade de várias culturas, como soja, milho, trigo, café, entre outras.
Para a soja, por exemplo, uma pesquisa feita em mais de 80 localidades do país nos últimos três anos, mostrou que a nova linha trouxe incrementos médios de 5,2 sacas por hectare em relação a adubações convencionais. Um mercado com grande potencial a ser explorado, o de nutrição para pastagens, mereceu a atenção da Mosaic com um novo lançamento.
“Os animais criados em pastagens adequadamente adubadas podem alcançar ganhos superiores a 250 gramas por cabeça por dia em relação a animais criados em pastagens não adubadas”, afirma Monteiro. Isso representa um adicional de 50% em carne e carcaça por hectare, em função do aumento do número de animais por área e ganhos diários adicionais.
Investimentos em novas tecnologias visando mais eficiência operacional é um dos caminhos para o setor químico começar a melhorar sua competitividade no Brasil, uma vez que é fortemente afetada por custos logísticos e de insumos, avalia o sócio-líder de energia e recursos naturais da KPMG, Anderson Dutra. Ele vê no novo marco regulatório do gás um dos pontos positivos para o futuro próximo.