Leilão da Cedae arrecada mais de R$ 22 bilhões pelos blocos 1, 2 e 4; bloco 3 não recebe oferta

FONTE: G1

Em disputa acirrada, valor supera expectativa de arrecadação inicial, que era de R$ 10,6 bilhões, em 114%. Sem lances, bloco que reúne 22 bairros da Zona Oeste do Rio e 6 municípios deve ter nova licitação.

Em uma disputa acirrada entre concorrentes, o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) arrecadou R$ 22,6 bilhões, com a concessão de três dos quatro blocos ofertados, nesta sexta-feira (30) na Bolsa de Valores de São Paulo (B3).

O valor superou a expectativa de arrecadação inicial, que era de R$ 10,6 bilhões, em 114% (entenda os principais pontos da privatização da Cedae mais abaixo na reportagem).

Resultado final:

  • Bloco 1 – arrematado pelo Consórcio Aegea por R$ 8,2 bilhões – ágio de 103,13%
  • Bloco 2 – arrematado pelo Consórcio Iguá por R$ 7,286 bilhões – ágio de 129,68%
  • Bloco 4 – arrematado pelo Consórcio Aegea por R$ 7,203 bilhões – ágio de 187,75%
  • Bloco 3 – sem vencedor – a única proposta havia sido apresentada pelo Aegea, que optou por retirá-la antes que fosse aberta, o que lhe foi permitido já que havia arrematado o bloco leiloado antes dele, o 4.

Em aproximadamente uma hora de leilão, os três blocos mais valiosos da companhia já tinham sido arrematados com ágio (valor adicional ao mínimo que era exigido no edital) superior a 100% do valor inicial.

O presidente Jair Bolsonaro acompanhou o leilão ao lado governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), e dos ministros da Economia, Paulo Guedes, do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho e da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.

Autoridades comemoram resultado

Logo após o encerramento do leilão, o governador em exercício do estado disse que o leilão foi “um importante recado para quem deseja investir no Rio de Janeiro”.

Castro destacou que o certame foi realizado na data prevista, se referindo às diversas tentativas judiciais e legislativas para suspender a disputa. “Isso é segurança jurídica”, enfatizou.

“Esse leilão é um marco para o estado do Rio de Janeiro e nos dá esperança para um futuro melhor para o nosso povo”, disse Cláudio Castro, que tomará posse.

“Confiança no Brasil é o resultado [do leilão]”. Foi assim que o ministro da Economia, Paulo Guedesabriu o seu discurso após o leilão, no qual se concentrou em agradecer a todos os agentes envolvidos.

Ele encerrou sua fala afirmando que “o Brasil vai retomar o crescimento e nós vamos atravessar as duas ondas, a pandemia que está aí e a retomada do crescimento”.

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, enfatizou que “quem está ganhando aqui hoje [com o leilão] são as pessoas mais pobres e mais humildes” que moram em áreas sem acesso ao saneamento básico.

“A maior tragédia do Brasil é a falta de saneamento básico, a falta de esgoto tratado, a falta de água tratada”, afirmou.

Blocos leiloados separadamente

Os blocos foram leiloados separadamente. Cada um teve um valor mínimo de outorga.

O vencedor do Bloco 1, o mais caro entre os quatro e que contempla 18 bairros da Zona Sul da capital e 18 municípios, foi o Consórcio Aegea, representado pela corretora Ativa, que ofereceu o valor de R$ 8,2 bilhões, um ágio ( valor acima da outorga mínima) de 103,13%.

O bloco recebeu quatro ofertas formuladas por quatro consórcios empresariais distintos (Iguá, representado pelo grupo BTG, Aegea, representado pela corretora Ativa, Redentor, representado pela XP e o Rio Mais Saneamento, representado pelo grupo Itaú).

Na abertura dos envelopes, os consórcios fizeram as seguintes propostas: Iguá ofereceu R$ 7,2 bilhões; o consórcio Rio Mais Saneamento ofereceu R$ 4,156 bilhões ; o consórcio Aegea ofereceu lance de R$ 5,974 bilhões e o consórcio Redentor R$ 6.434 bilhões.

Pelas regras do leilão, se houvesse mais de duas ofertas válidas e uma não superasse a outra em 20%, poderia ser aberta a disputa em viva voz, lance a lance. O Rio Mais Saneamento, que apresentou a menor oferta, não pode se classificar para essa etapa.

Na disputa em viva voz, cada concorrente tinha que apresentar lance de, no mínimo, R$ 100 milhões a mais que a oferta anterior. A disputa foi acirrada entre os três consórcios.

O Bloco 2, o segundo mais valioso que engloba 20 bairros da Zona Oeste da capital e dois municípios, foi arrematado pelo Consórcio Iguá, que ofereceu o maior lance por ele, de R$ 7,286 bilhões – um ágio de 129,68% sobre a outorga mínima exigida.

Para este bloco não foi aberta disputa em viva voz porque a proposta do Iguá já havia superado em 20% o valor mínimo.

O Bloco 4, que conta com 106 bairros do Centro e Zona Norte da capital e sete municípios, recebeu ofertas de 3 consórcios: Aegea, Redentor e Rio Mais Saneamento. A Aegea levou o bloco oferecendo R$ 7, 2 bilhões, um ágio de 187, 75%. O lance inicial era de R$ 2,5 bilhões.

Assim como aconteceu com o Bloco 1, foi aberta disputa em viva voz entre os consórcios Aegea e Redentor.

Na disputa, os concorrentes têm que aumentar, a cada lance, em pelo menos R$ 100 milhões ao maior valor ofertado anteriormente. O maior lance inicial havia sido do consórcio Aegea: R$ 5,402 bilhões.

O Bloco 3, o mais barato entre os quatro em oferta, que tem outros 22 bairros da Zona Oeste da capital e seis municípios, não recebeu oferta. Apenas o consórcio Aegea apresentou proposta por ele, mas retirou. O consórcio Aegea já tinha vencido o Bloco 1, o mais valioso e o Bloco 4.

Consórcios vencedores

AEGEA – Formado em 2010, o consórcio é um dos maiores grupos de saneamento do país, com atuação em 126 municípios de todas as regiões brasileiras. Pouco antes do leilão da Cedae, a holding Itaúsa, unidade de investimentos de sócios do Itaú Unibanco, comprou uma fatia de 10,2% do consórcio. Ainda no quadro acionário, o fundo soberano GIC, de Singapura, tem parcela de 19% ao lado do majoritário grupo Equipav (70,7%), de infraestrutura.

IGUÁ – O consórcio Iguá Saneamento foi inaugurado em 2017, com sede em Santa Catarina. Ele já gerenciava 14 concessões e quatro parcerias público-privadas (PPPs) no ramo de saneamento e tem atuação em 37 cidades dos estados de São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Alagoas. Com a fatia da Cedae, ele ingressa agora também no Rio de Janeiro. Além de fundos de participação, a composição acionária do Iguá tem participação de 10,8% do BNDESPar, fundo de investimentos do banco de fomento nacional.

Bloco 3: governo diz que terá nova licitação

Em coletiva de imprensa realizada logo após o leilão, o secretário da Casa Civil do governo do Rio de Janeiro, Nicola Miccione, afirmou que o governo do estado vê “como oportunidade” o Bloco 3 ter ficado sem vencedor.

Segundo ele, será realizada “uma nova licitação em um curto espaço de tempo” que abrirá caminho, inclusive, para que 28 municípios que não aderiram ao projeto de concessão participem do novo processo.

Miccione enfatizou, ainda, que a expectativa é “levar este bloco ao mercado ainda este ano”.

Já o diretor de Infraestrutura do BNDES, Fábio Almeida Abrahão, disse que o Bloco 3 “é um em que o saneamento já está comissionado e seria basicamente focado em abastecimento de água”.

Firjan celebra

Em nota, a Federação das Indústrias do Rio (Firjan) disse que a concessão é uma vitória para o estado.

“A concessão da Cedae é uma grande vitória para o estado do Rio. O ágio de 114% é prova da confiança dos investidores e do potencial do Rio de Janeiro. E é um passo fundamental para que, finalmente, o acesso aos serviços de saneamento básico se torne realidade para todos os fluminenses. Atualmente, no estado, 5,6 milhões de pessoas vivem no esgoto. Uma situação inaceitável.

Além disso, mais de um milhão ainda não têm acesso a abastecimento de água e mais de 60% do esgoto produzido em nosso território não é tratado. No ritmo atual de investimentos, seriam necessários, no mínimo, 140 anos para a universalização do saneamento básico. Com a concessão o horizonte cai para 15 anos.

A concessão dos serviços de coleta e tratamento de esgotos e de distribuição de água para a iniciativa privada vai acelerar o desenvolvimento socioeconômico do Rio. O estado e municípios receberão mais de 50 bilhões de reais, entre outorga paga pelos consórcios vencedores do leilão e investimentos que deverão ser realizados. É benefício direto para toda a sociedade, que ganha em saúde e qualidade de vida.”

Hoje o Rio de Janeiro avança para pagar essa enorme dívida social com a parcela mais pobre de sua população.

5 pontos que explicam o leilão da Cedae:

  1. Foi o primeiro megaprojeto de concessão após regulamentação do novo marco regulatório do saneamento;
  2. Envolveu cifras bilionárias;
  3. Teve um modelo inovador no país, ao dividir um mesmo município em concessões distintas (veja detalhes do projeto abaixo);
  4. Pôs fim a quatro anos de batalhas políticas e jurídicas desde que o estado ingressou no Regime de Recuperação Fiscal da União (a venda da Cedae era condição do programa);
  5. Aconteceu após mais de um ano em que parte da população fluminense é abastecida com água de má qualidade, em uma das piores crises hídricas da história do estado.
  6. A Cedae atende atualmente 64 dos 92 municípios do Rio. Os demais 28 ou já tinham concedido individualmente o saneamento à iniciativa privada — exemplo de Niterói na Região Metropolitana — ou já faziam parte de um consórcio, caso da Região dos Lagos.

    Já as 30 prefeituras da área de atuação da Cedae que estão fora projeto de concessão não manifestaram interesse em aderir ao plano do BNDES. Elas terão de arcar, por conta própria, com a distribuição da água potável e a coleta e tratamento de esgoto.

A Cedae atende atualmente 64 dos 92 municípios do Rio. Os demais 28 ou já tinham concedido individualmente o saneamento à iniciativa privada — exemplo de Niterói na Região Metropolitana — ou já faziam parte de um consórcio, caso da Região dos Lagos.

Já as 30 prefeituras da área de atuação da Cedae que estão fora projeto de concessão não manifestaram interesse em aderir ao plano do BNDES. Elas terão de arcar, por conta própria, com a distribuição da água potável e a coleta e tratamento de esgoto.

A concessão da Cedae em 10 pontos

  1. A Cedae não será totalmente privatizada. Uma parte dela continuará estatal e responsável pela captação e tratamento da água – as concessionárias vão comprar a água do estado para distribuir à população.
  2. Apenas os serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário serão concedidos, pelo prazo de 35 anos, à iniciativa privada.
  3. As áreas geográficas de atuação da Cedae foram divididas em quatro blocos, que serão leiloados separadamente. Cada um abrange uma região da capital e um conjunto de municípios, no modelo “filé e osso”.
  4. Ao todo, 35 municípios, incluída a capital, terão os serviços de distribuição de água e coleta de esgoto concedidos à iniciativa privada.
  5. Parte do dinheiro arrecadado no leilão terá, obrigatoriamente, que ser investido pelo estado em projetos de despoluição: R$ 2,6 bilhões na Baía de Guanabara, R$ 2,9 bilhões na Bacia do Guandu e R$ 250 milhões no complexo lagunar da Barra da Tijuca.
  6. As empresas que vencerem o leilão terão como principal meta universalizar os serviços até 2033. Para isso, terão que investir cerca de R$ 30 bilhões em infraestrutura de água e esgoto, sendo R$ 12 bilhões nos cinco primeiros anos.
  7. Também será obrigatório o investimento mínimo de R$ 1,86 bilhão na infraestrutura de favelas.
  8. Metas intermediárias rígidas e periódicas terão que ser cumprida pelas concessionárias sob pena de diversas sanções, que incluem multa e até a perda do contrato.
  9. O contrato veta aumento real das tarifas cobradas dos consumidores – só será permitido o reajuste anual da inflação, cujo índice será definido pela agência reguladora.
  10. O contrato também prevê que tarifa social terá que ser ampliada de 0,57% para, no mínimo, 5% da população.

Ao todo, 12 empresas, nacionais e estrangeiras, demonstraram interesse pelo projeto. Mas para a disputa final foram formados quatro consórcios empresariais, cada um liderado por grandes investidores.

A Cedae, última grande estatal do Rio de Janeiro, não será extinta com o leilão. Uma parte dela será mantida sob a governança do estado, que continuará responsável pela gestão e produção da água.

Juntos, o poder público e os futuros concessionários terão um imenso desafio a superar para garantir a universalização dos serviços até 2033, principal meta do projeto.

Os obstáculos (veja as principais deles ao final da reportagem) vão desde questões ambientais, intrínsecas ao setor, à segurança pública, que é um dos principais entraves para o desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro — só na capital, mais da metade da população vive em áreas sob o comando do crime organizado e há presença de milícias em pelo menos 11 municípios da Região Metropolitana.

Relevância e magnitude

O plano de concessão da Cedae à iniciativa privada levou quase dois anos para ficar pronto. Ele foi elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que o apresenta como o maior e mais importante projeto de infraestrutura do país nos últimos tempos.

Especialistas ouvidos pelo G1 confirmam a magnitude e relevância do projeto.

É um dos leilões mais importantes da história do país, a começar pela relevância da região, já que estamos falando do Rio de Janeiro, por envolver investimentos bilionários e por reunir esforços para eliminar um dos maiores problemas do Brasil, que é a falta de saneamento. Por tudo isso esse leilão é tão emblemático”, apontou o economista Gesner Oliveira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

Para o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, além da representatividade do Rio de Janeiro por sua relevância histórica e econômica, a “situação ambiental muito grave” do estado torna o leilão da Cedae um “ícone desse novo momento que o saneamento básico está vivendo e está sendo muito aguardado por alguns governadores, ansiosos para saber como fazer para, também, conceder estes serviços à iniciativa privada”.

O “novo momento” ao qual Carlos se referiu teve início formal em dezembro de 2020, quando foi regulamentado o novo marco regulatório do saneamento no Brasil. A nova legislação foi formulada, justamente, para ampliar a presença do setor privado na área.

“Esse projeto da Cedae tem a vantagem de servir de bom exemplo para o resto do país. Será a comprovação do que a gente vem dizendo aqui no banco há muito tempo, que tem muito dinheiro para se investir em saneamento, muito recurso em um ambiente que agora tem a casa arrumada do ponto de vista regulatório”, enfatizou Guilherme Albuquerque, do BNDES.

O BNDES ficou responsável pela modelagem do projeto de concessão da Cedae tão logo o Rio de Janeiro ingressou, em 2017, no Regime de Recuperação Fiscal proposto pela União. Desestatizar a empresa era uma condição para o estado entrar no programa.

A venda completa da empresa, no entanto, foi substituída pelo modelo de concessão. Nele, a iniciativa privada se compromete a fazer os investimentos necessários e assume os riscos da exploração da atividade concedida — não há contrapartida do governo — e, ao fim do contrato, os ativos concedidos voltam ao poder do estado, que pode voltar a administrá-los ou concedê-los novamente.

O projeto final entregue pelo banco manteve parte da Cedae sob o comando do estado e dividiu as áreas geográficas em que a empresa atua em quatro blocos distintos. Cada bloco tem uma região da capital e um conjunto de municípios da Região Metropolitana e do interior. Assim, o estado poderá ter até quatro empresas, ou consórcios, gerindo os serviços de distribuição de água e coleta de esgoto.

A produção da água — gestão, captação e tratamento — continuará sendo feita pela Cedae. Ou seja, o governo vai vender a água para as concessionárias distribuí-la à população. O modelo é semelhante ao existente em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, onde a empresa privada responsável pelo esgotamento sanitário e abastecimento de água compra a água do município.

De acordo com o BNDES, o edital não prevê aumento real no preço final da água das tarifas cobradas dos consumidores. Será permitido apenas a reposição da inflação que incide sobre os custos do setor, cujo percentual será definido pela agência reguladora.

Modelo ‘filé e osso’: entenda como é o projeto de concessão da Cedae

Segundo o BNDES, um dos principais critérios para a divisão das áreas da Cedae foi garantir que todas as cidades envolvidas no projeto de concessão sejam efetivamente beneficiadas. Cada um dos quatro blocos contêm tanto o “filé” quanto o “osso” do saneamento do estado.

Dos 92 municípios do Rio de Janeiro, 35 serão afetados pelo leilão da Cedae. Entre eles, há grandes diferenças sociais, econômicas e ambientais que tornam alguns muito atrativos à iniciativa privada, dado o potencial de arrecadação financeira, e outros pouco atrativos, tendo em vista a necessidade de maiores investimentos e menor retorno econômico.

“Com o investimento privado, se consegue oferecer saneamento para quem, sozinho, não teria condições de ter o serviço. Então, a nossa principal preocupação era não deixar ninguém para trás”, afirmou Guilherme Albuquerque, do BNDES.