Estagnado, setor petroquímico está sob pressão
Ciclo de baixa, importação e custo do gás podem acelerar fechamento de mais fábricas no país
FONTE: Valor Econômico.
O ciclo de baixa atípico enfrentado pela indústria petroquímica global elevou os riscos de fechamento de fábricas no Brasil. Pressionado por importações crescentes, que já respondem por 45% do consumo aparente nacional, o setor tem assistido ao maior distanciamento, em termos de competitividade, entre o produto brasileiro e o importado, diante do custo mais alto de matérias-primas e energia no mercado local.
Tendência sobretudo na Europa – gigantes como Shell e Petroineos anunciaram que vão fechar refinarias na Alemanha e na Escócia em 2025, respectivamente -, a suspensão ou encerramento de operações industriais, em meio à sobreoferta desencadeada por China e Estados Unidos, também têm sido adotados por produtores no país, como Unigel e Rhodia (Solvay), e são analisados por outras companhias aqui instaladas, incluindo a Braskem.
“A indústria química brasileira está pressionada, com seu déficit aumentando, a petroquímica perdendo o produtor de polietileno e participação de mercado no Brasil. Pior do que isso, são os investimentos e o uso da capacidade instalada cada vez menores”, afirma João Luiz Zuñeda, sócio-fundador da consultoria MaxiQuim.
Enfrentando a mais grave crise financeira de sua história, a Unigel suspendeu há mais de um ano as atividades nas duas fábricas de fertilizantes que arrendou da Petrobras – com breve retorno em uma das plantas -, depois que os preços da ureia caíram no mercado internacional. Considerando os valores cobrados pelo gás natural, usado como matéria-prima e entregue pela própria estatal, as operações se tornaram deficitárias.
A companhia, que está a caminho de executar um plano de recuperação extrajudicial que dá aos credores 50% de seu capital, paralisou ainda, temporariamente, as operações de acrilonitrila e de metilmetacrilato, usados na produção de plásticos e fibras e em tintas e resinas, respectivamente, devido ao excesso de capacidade global que pressiona preços. Procurada, a companhia não comentou o assunto.
A Solvay, dona da Rhodia, também reviu operações no Brasil e decidiu encerrar as atividades na linha de bisfenol, usado na fabricação de determinados tipos de plástico e resinas epóxi, no complexo industrial de Paulínia (SP). A decisão coincide com o início de operação de uma megafábrica do insumo na China, que estabeleceu, em seu plano estratégico de longo prazo, se tornar autossuficiente em uma ampla cesta de produtos químicos e petroquímicos.
Procurada, a companhia confirmou a decisão de interromper a produção e as operações comerciais de bisfenol em Paulínia. “Essa decisão faz parte de uma revisão estratégica do portfólio da empresa, alinhada ao seu compromisso de crescimento sustentável no segmento de produtos químicos essenciais”, informou, em comunicado.
“A companhia opta por direcionar seus investimentos futuros para outras linhas de produtos que atendam às demandas dos seus clientes. A Rhodia também reforça que nenhuma posição de trabalho será afetada na fábrica, havendo apenas remanejamentos internos”, acrescentou.
Única fabricante na América Latina de HPMC (hidróxipropilmetilcelulose), usada para aumentar a viscosidade de uma série de produtos, inclusive alimentos e medicamentos, a Fortal Química informou em junho a paralisação de suas atividades por tempo indeterminado em Candeias, na Bahia.
Em nota, a empresa, que pertence ao grupo Formitex, que atua ainda nos mercados de papéis, infraestrutura logística e portuária e combustíveis, entre outros, informa que, “apesar de posicionada estrategicamente no mercado nacional […] não foi capaz de ser competitiva com produtos importados que entram no mercado nacional a preços abaixo dos custos, prejudicando as atividades, a continuidade da produção e manutenção de empregos”.
“Grandes mercados, como EUA e União Europeia, adotaram medidas protetivas deste cenário predatório, de modo que economias abertas como os países da América Latina, sobretudo o Brasil, tornaram-se destino certo para excedentes de produção de países asiáticos, abalando diferentes segmentos da economia nacional”, afirmou, em nota.
Na Braskem, ainda não há decisão tomada sobre fechamento ou suspensão de operações, mas essa é uma possibilidade em avaliação. A grande dificuldade, no caso da petroquímica, é que sua produção é integrada, em particular no Brasil e no México, o que torna mais complexa uma decisão nesse sentido.
Ainda assim, o novo presidente da Braskem, Roberto Ramos, disse ao Valor que a alternativa vai ser analisada, entre outras medidas de plano de ação considerado urgente, diante da nova dinâmica da indústria petroquímica global – com ciclos de baixa mais longos e de alta, mais curtos, em meio ao encarecimento da energia na Europa e a maior oferta por parte da China.
“Não tem nenhuma planta industrial no mundo que tenha direito divino à existência. As plantas, no mundo inteiro, que não forem energeticamente eficientes ou mudam o seu consumo de energia ou têm de ser substituídas por outras eficientes”, afirmou. Procurada, a Braskem informou que segue focada nas operações que gerem valor, mas ainda não tomou “nenhuma decisão em relação à descontinuidade operacional de alguma de suas unidades”.
A indústria química brasileira como um todo não ficou ilesa às pressões vindas do exterior. O ciclo de baixa deve perdurar, segundo consultorias, até 2027. A adição de novas fábricas principalmente na China, junto aos custos elevados de energia e matéria-prima na Europa, são alguns dos fatores que devem seguir pressionando o setor.
A crise no mercado petroquímico mundial resultou de uma sobrecapacidade de produção em relação à demanda, com um adicional de capacidade de 20% no ciclo atual que gerou uma pressão de baixa de preços, explica André Passos Cordeiro, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).
O conflito entre Rússia e Ucrânia, que interferiu nos preços do gás natural e do etano, especialmente na Europa, contribuiu para o momento difícil da indústria. Segundo relatório da Abiquim, o déficit comercial voltou a crescer e deve encerrar 2024 em US$ 50,1 bilhões, resultado de importações estimadas em US$ 65,1 bilhões e exportações de US$ 15 bilhões. O saldo negativo, se confirmado, terá evoluído 7,5% frente a 2023 em valor e 16,3% em volume.
Conforme Cordeiro, nos próximos anos, espera-se que o setor tenha um recuo ainda maior de produção, mesmo com a manutenção do Regime Especial da Indústria Química (Reiq) e a recente elevação temporária da alíquota do Imposto de Importação, do intervalo de 7,6% a 12,6% para 20%, válido para uma cesta de 30 produtos.
Considerando os químicos de uso industrial, o crescimento estimado para a produção em 2024 é de 1,1%, insuficiente para elevar a taxa média de utilização nas fábricas químicas, que permanece em 64% – logo, com ociosidade de 36% – níveis mais baixos da história.
“A perspectiva é que o ciclo iniciado em 2020 se estenda até 2027 ou 2029. Então, teremos quase dez anos de ciclo de baixa na indústria, por conta dessa lógica de um dos ‘players’, a China, de colocar nova capacidade independente do mercado suportar”, afirma o dirigente.
No Brasil, segundo Cordeiro, o governo já teria se dado conta dessa pressão, mas, mesmo com a manutenção do Reiq e a elevação da alíquota do Imposto de Importação, medidas antidumping também são necessárias. Em sua leitura, da mesma forma que a China decidiu ser um grande “player” no mercado de equipamentos para geração de energia eólica e solar, o país asiático pretende se tornar um formador de preços de produtos químicos.
Conforme Zuñeda, da MaxiQuim, a indústria instalada no país está sofrendo com a importação de produtos que ela consegue produzir e medidas de curto prazo não serão suficientes.
“Esse curto prazo vai acabar deixando escuro o pensamento a longo prazo. Essa competição com ‘players’ internacionais é grande e acaba influenciando o investimento, emprego, produção, tanto no plástico quanto no setor químico”, afirma.
Fatores internos, como a elevação de um ponto percentual na taxa Selic, de 11,25% para 12,25%, no começo de dezembro, também colocam pressão por afetarem a força de consumo, segundo Zuñeda. A sinalização de que as próximas duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central podem resultar em aumento de mais um ponto percentual também interferem nas perspectivas para 2025.