Análise: voltar a construir gasodutos estruturantes e tarifas; os gargalos para chegada do gás argentino

Parceria Brasil-Argentina, celebrada no G20, passa por uma agenda de curto prazo, para destravar primeiras importações de gás argentino; e outra de longo prazo, sobre alternativas de rotas

FONTE: Eixos.com.

RIO – Ao se comprometerem nesta segunda (18/11) a viabilizar o envio de gás natural da Argentina ao Brasil ao “menor tempo e com o menor custo possível”, os governos de ambos os países terão que se debruçar sobre duas agendas: uma de curto prazo, para destravar os primeiros negócios no verão de 2025, via Bolívia; e uma segunda, de médio/longo prazos, que passa por estudos de viabilidade de alternativas de rotas de importação.

Para a chegada do gás no curto prazo, a Bolívia é a única rota viável – e candidata natural a intermediária do gás argentino também a longo prazo.

Sem concorrência à vista (até agora), a tarifa cobrada pela YPFB pelo serviço de trânsito internacional (de US$ 1,4 e US$ 2 o milhão de BTU) veio acima das expectativas do mercado (mais detalhes nos próximos blocos).

E coloca outras opções na mesa:

  • a interligação via Uruguaiana (RS), na fronteira com a Argentina;
  • uma nova rota pelo Chaco Paraguaio;
  • uma nova rota pelo Uruguai até o Rio Grande do Sul;
  • e a importação por navios de gás natural liquefeito (GNL);

Todas as opções previstas no escopo dos estudos a serem conduzidos pelos governos de Argentina e Brasil.

Investir em infraestrutura para trazer o gás argentino ao Brasil, aliás, é uma necessidade que independerá da rota, se o comércio entre os dois países evoluir estruturalmente para volumes maiores e firmes – e mesmo que a Bolívia se consolide como o caminho escolhido.

Pragmatismo

Argentina será superavitária na produção de gás e precisa capturar mercados para ancorar o desenvolvimento pleno de suas reservas de gás não-convencional em Vaca Muerta, na Patagônia.

Os governos antagônicos de Lula (PT) e Javier Milei assinaram nesta segunda (18/11) um memorando de entendimentos que cria um grupo de trabalho bilateral para identificar as medidas para viabilizar a integração gasífera Brasil-Argentina.

A celebração da parceria coube aos ministros de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira (PSD), e da Economia da Argentina, Luis Caputo, em reunião durante a cúpula do G20, no Rio.

O GT, segundo o documento, estudará a construção de infraestruturas necessárias para interconectar os gasodutos existentes de cada país. Seja qual for o trajeto, grandes injeções de capital serão necessárias.

E a tendência é que a construção de novos projetos demande contratos de suprimento de longo prazo – um desafio por si só, num momento de transição energética.

Alexandre Silveira afirma que a demanda brasileira será suficiente para viabilizar os investimentos. Fica em aberto um eventual papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Nacional (BNDES) no desenvolvimento dessa infraestrutura.

Sob Aloizio Mercadante, o banco demonstra apetite para ampliar o financiamento a projetos do tipo, mas faltam projetos na área de gás natural.

O entusiasmo com o financiamento de obras na Argentina, antes vocal, cessou desde que o aliado de Lula, Alberto Fernández, deixou o poder na derrota para Milei.

Os produtores argentinos miram no Brasil um mercado estratégico e que pode ser rentável. Caso os contratos de importação avancem no futuro para a modalidade firme, o gás argentino terá que se provar competitivo em relação às diferentes fontes de suprimento do Brasil – gás nacional, Bolívia, GNL – para conseguir deslocar os concorrentes.

Principalmente a Petrobras, agente dominante e formadora de preços e que tem uma oferta crescente nos próximos anos. A estatal, aliás, vem reduzindo os seus preços.

Não tem mágica: o gás argentino vai buscar o preço Petrobras e a Petrobras vai buscar o gás argentino. Em setembro, a estatal brasileira assinou um memorando de entendimento com a YPF, para analisar negócios conjuntos em exploração e produção. As duas companhias são sócias em áreas na Bacia de Neuquén, no país vizinho.


Cinco rotas, quase todas concorrentes

Dentro da Argentina, os investimentos na expansão da malha de gasodutos nos últimos anos permitem ao país exportar, via Bolívia, volumes limitados e sazonais (a YPFB fala em 4 milhões de m3/dia, numa primeira janela de oportunidades, no verão).

Para que os argentinos tenham capacidade de exportar volumes mais estruturantes e firmes ao longo de todo o ano, será necessário construir o 2º trecho do gasoduto Néstor Kirchner (rebatizado de Gasoduto Perito Francisco Pascasio Moreno pelo governo Milei).

O projeto daria mais flexibilidade ao sistema, permitindo o envio de volumes maiores de gás de Vaca Muerta ao Brasil, seja qual for a rota.

É o projeto que Lula defendeu financiar com apoio do BNDES.

A concorrência entre as rotas se reflete nos estados brasileiros, que querem a molécula entrando pelas suas fronteiras: Ratinho Júnior (PSD), no Paraná, Eduardo Riedel (PSDB), no Mato Grosso do Sul, e Eduardo Leite (PSDB), no Rio Grande do Sul.

Bolívia é a solução de curto prazo

vantagem da Bolívia é a infraestrutura já existente. Mas o país andino é também o percurso mais longo para levar o gás de Vaca Muerta a São Paulo, de acordo com a Rystad. Os menores são via Uruguai e Uruguaiana – embora, nesses casos, sejam necessários investimentos maiores para conectar a Argentina ao trecho sul do Gasbol.

Do ponto de vista estratégico, apostar em rotas alternativas pode ser também uma forma de reduzir a dependência da Bolívia – e de sua instabilidade político-econômica.

Na política, por exemplo, Evo Morales acusa seu herdeiro Luis Arce de simular um autogolpe. É de Arce a promessa da reforma econômica após as eleições de 2025. Tenta impedir Morales de concorrer.

Se a Bolívia não reduzir sua tarifa de trânsito internacional, a construção de rotas alternativas pode fazer sentido, na visão do vice-preside de Mercado de Gás da Rystad Energy Brasil, Vinicius Romano.

“Há outros caminhos que poderiam ter uma rota de menos quilômetros e poderiam ter uma vantagem econômica – a depender, principalmente, da tarifa que a YPFB colocar. Isso é chave para essa modelagem (…) Se for cobrado um preço de gasoduto novo, é possível afirmar que esse não é mais o melhor caminho”, disse, em entrevista à agência eixos.

Uruguaiana na gaveta há três décadas

É uma rota em estudo há décadas. O projeto original, do fim dos anos 1990, previa a construção de um gasoduto de 615 km de extensão, ligando Porto Alegre (RS) a Uruguaiana (RS), na fronteira com a Argentina e onde existe uma termelétrica.

O empreendimento, da Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB), foi dividido em três trechos, mas apenas os dois extremos, que somam cerca de 50 km, saíram do papel: o trecho que conecta o Polo Petroquímico de Triunfo (RS) à Porto Alegre, onde termina o Gasbol; e o trecho entre Uruguaiana e a malha da transportadora TGM, na Argentina.

Seria preciso, portanto, construir o trecho restante, de mais de 500 km de extensão, para ligar Uruguaiana (e o gás argentino) ao Gasbol.