Abiquim comemora propostas do gás para empregar, mas aponta para outras medidas necessárias para salvar indústrias químicas do país
FONTE: Petronotícias.
Os vários ramos da indústria brasileira ainda repercutem os desdobramentos do decreto que instituiu o programa Gás para Empregar, que foi assinado no início desta semana em Brasília. Uma das entidades que celebrou as propostas apresentadas no texto foi a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), que está completando 60 anos em 2024. Para o presidente da instituição, André Passos, as medidas do Gás para Empregar podem contribuir para que a indústria química tenha acesso ao insumo em maiores quantidades e a preços menores. Em entrevista ao Petronotícias, ele ressalta os avanços alcançados, mas também aponta para os grandes desafios que o setor precisa enfrentar. Com um cenário internacional adverso, China e Estados Unidos estão praticando preços muito abaixo do mercado, em uma guerra comercial voraz. E isso tem afetado muito a indústria química brasileira, inundando o mercado nacional com produtos importados. Os reflexos disso podem ser observados em números: “Em meados de 2022, o nível de utilização de capacidade da indústria, que indica o volume de produção, estava próximo de 80%. Hoje, caiu para 63%, resultando em uma ociosidade de quase 40%. Isso é alarmante, pois significa que várias empresas começam a considerar a descontinuação de suas operações”, alerta. O entrevistado avalia que muitas unidades fabris podem fechar as portas se o governo não continuar atuando para equilibrar o mercado. Passos aponta para alguns fatores que merecem atenção, tais como a reavaliação das condições técnicas e econômicas da reinjeção do gás em campos de petróleo e a revisão dos preços de infraestruturas de escoamento, tratamento e transporte do gás. O presidente da Abiquim cita ainda que a associação apresentou um pleito ao governo para aumentar o imposto de importação de 65 produtos, bem como propôs um programa de estímulo para a indústria.
Os dados do último relatório de acompanhamento da Abiquim apresentam um cenário que já é bastante conhecido no setor químico há muito tempo: exportação em queda e importação em alta. Portanto, para começar nossa entrevista, poderia compartilhar com nossos leitores uma avaliação sobre esse déficit e seus impactos?
Este já é o segundo ano em que registramos uma queda significativa nos indicadores de produção e vendas da indústria química, enquanto o nível de importações continua a subir. O déficit na balança comercial brasileira é um problema de longa data, mas, a partir de 2016, ele começou a afetar o volume de produção nacional. Antes, conseguíamos manter um volume razoável de produção e o crescimento de mercado estava sendo deslocado para a importação. Contudo, desde 2016, estamos vendo um deslocamento da produção nacional.
Nos últimos dois anos e meio, esse movimento se intensificou. Em meados de 2022, o nível de utilização de capacidade da indústria, que indica o volume de produção, estava próximo de 80%. Hoje, caiu para 63%, resultando em uma ociosidade de quase 40%. Isso é alarmante, pois significa que várias empresas começam a considerar a descontinuação de suas operações. Recentemente, o CEO da Braskem mencionou que a empresa está avaliando a descontinuação de linhas inteiras de produção devido à falta de demanda e vendas insuficientes. Alertamos o governo que muitas empresas já estão avaliando a descontinuidade de suas operações.
Qual o papel do governo para tentar reverter esse cenário?
Setores que demandam insumos químicos estão cada vez mais optando por importar de países como Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Arábia Saudita. Embora muitos vejam isso como uma dinâmica de mercado, é importante destacar que o jogo está desequilibrado. Os preços caíram drasticamente nos últimos dois anos e seguem mergulhando devido à guerra comercial entre China e Estados Unidos.
A China tem uma capacidade ociosa elevadíssima, muito além do que a demanda mundial pode comportar. Os chineses mergulharam o preço para conseguir ocupar essa capacidade. Enquanto isso, os Estados Unidos, a Índia e a Rússia fizeram o mesmo para competir pelos mercados. Esses países só conseguiram fazer isso porque possuem matérias-primas baratíssimas.
Por isso, levamos essa questão ao governo. Precisamos bloquear esse movimento anormal nos preços dos produtos importados, pois a indústria química brasileira não conseguirá competir. Esses preços artificiais têm como objetivo tomar mercado, e a sobrevivência da indústria química nacional está em risco se esse ciclo continuar.
Quanto tempo a indústria suportaria esse cenário até quebrar?
Esse processo já começou. Sinais indicam que as empresas estão considerando fechar plantas ainda este ano. Muitas já estão fechando unidades que não deveriam ser desativadas, pois não conseguem competir com os preços baixos das importações. Uma vez fechadas, essas plantas não retornam, pois o custo para reabri-las é muito elevado.
Quais foram os principais pleitos apresentados pela Abiquim ao governo?
A Abiquim apresentou um pleito para aumentar o imposto de importação de 65 produtos, abrangendo todo o sistema de produção industrial químico. O objetivo é elevar os impostos para o teto permitido pela Organização Mundial do Comércio, com aumentos entre 20% e 30%. Em média, isso representa uma elevação de 10,5 pontos percentuais. No entanto, ainda não há uma perspectiva clara de quando haverá uma decisão sobre esse pleito, embora uma reunião dos comitês governamentais que avaliarão o assunto esteja prevista para o final de agosto.
Além disso, a Abiquim apresentou ao governo um programa de estímulo para a indústria, mais robusto do que o Regime Especial da Indústria Química (REIQ). Embora o REIQ tenha sido retomado no início deste ano, ele está em bases muitos rebaixadas. Anteriormente, o PIS/COFINS dentro desse regime era reduzido para 1%, mas agora o imposto é reduzido para 8,5%. Na prática, isso significa que a indústria está pagando tributos mais altos em comparação com o período em que o REIQ foi concebido, sem que o cenário econômico da indústria tenha mudado significativamente.
Além disso, pedimos ao governo e ao principal fornecedor de gás natural do país que reduzam os preços do gás natural para a indústria química brasileira.
Foi interessante o senhor mencionar a questão do gás natural, pois gostaria de aprofundar a discussão sobre esse tema. Na visão da Abiquim, como o país pode ampliar a oferta desse insumo para a indústria brasileira?
Para ampliar a oferta de gás natural, a principal medida é reduzir a reinjeção desse insumo nas plataformas de produção de petróleo. É essencial reavaliar as condições técnicas e econômicas da reinjeção do gás. Aumentando a oferta, o preço do gás natural tende a diminuir. No início desta semana, participei do evento de assinatura do decreto do programa Gás para Empregar. Com as resoluções aprovadas, é possível ainda elevar o escoamento do gás atualmente produzido, além de tratar adequadamente o gás que será disponibilizado aos consumidores, com o intuito do aproveitamento total de todas as frações contidas no gás, garantindo a maior agregação de valor.
A indústria química é a principal consumidora de gás natural, usando cerca de 25 a 30% do total. Com essas medidas, esperamos aumentar a oferta de gás natural e obter preços que melhorem a competitividade da produção nacional de insumos químicos.
Quais outras medidas seriam importantes para ampliar a oferta do insumo?
Nossa expectativa é que se reavalie também a precificação das estruturas de escoamento, tratamento, transporte e distribuição de gás natural, reduzindo os custos que a indústria paga pelo uso dessas infraestruturas. Muitas desses ativos estão depreciados, mas o valor cobrado pelo seu uso, seja na forma de tarifa ou incluído no preço da molécula de gás, ainda reflete a premissa de uma infraestrutura não integralmente depreciada.
O gás é a principal fonte energética para a produção industrial e, na indústria química, é a principal matéria-prima. Por exemplo, a molécula mais utilizada na produção química é o eteno, produzido a partir do etano. A competitividade da indústria é medida por esse custo: a produção de uma tonelada de eteno. Globalmente, 55% do insumo utilizado em centrais petroquímicas é gás natural – etano, propano e butano. No Brasil, esse índice é de apenas 16%. Precisamos nos aproximar da média mundial para sermos competitivos. Atualmente, 25% do custo de produção da indústria química é atribuído ao gás natural, então precisamos reduzir esse preço para diminuir o custo de produção.
Por fim, queria um comentário final sobre os 60 anos da Abiquim e os desafios futuros da entidade.
A Abiquim tem sido fundamental na história da indústria química, influenciando várias políticas públicas ao longo de 60 anos. Atualmente, estamos discutindo no Congresso o Marco Regulatório de Gestão Segura de Substâncias Químicas, que avançou da câmara para o Senado e promete colocar o Brasil entre os líderes mundiais nessa área. Também estamos trabalhando em um projeto para modernizar a matriz de insumos da indústria, promovendo uma produção mais verde.
Embora o Brasil tenha avançado na construção de um estado democrático de direito, ainda enfrentamos desafios econômicos significativos, com alta desigualdade. A indústria química é crucial nesse sentido, pois adiciona muito valor ao PIB, é a terceira maior indústria de transformação e oferece altos salários. No entanto, o setor enfrenta uma concorrência desleal, com a importação de produtos de países que querem dominar nosso mercado. Mudar essa realidade é uma tarefa histórica da nossa geração, e a Abiquim está comprometida em fazer sua parte nessa missão.