O que falta para a cabotagem acelerar o crescimento na matriz de transportes?

FONTE: Portos e Navios

Que a cabotagem é uma opção de transporte mais sustentável, mais econômico e mais seguro, todos sabemos. Mas então, se o potencial teórico de crescimento é tremendo, e atualmente os navios possuem espaço disponível, por que sua participação não avança mais rapidamente na matriz de transportes?

Trabalhando por muitos anos com a visão do armador, tivemos recentemente a oportunidade curta, porém proveitosa, de enxergar o negócio pela ótica do embarcador, cabendo aqui enaltecer pelo menos dois aspectos que, por razões não bem compreendidas, carecem de uma abordagem pública mais insistente.

Um deles diz respeito ao AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante). Em se tratando de cabotagem de contêineres, a incidência é de 8% sobre o valor do frete, observando as isenções vigentes para cargas com origem ou destino nas Regiões Norte e Nordeste. Na prática, só estão sujeitas ao AFRMM as cargas de cabotagem do Sul para o Sudeste, e vice-versa.

Ocorre que esta é também a rota das menores distâncias navegadas, onde a cabotagem é menos competitiva, e a vantagem financeira sobre o principal concorrente da cabotagem, o transporte rodoviário, é consequentemente menor.

A estimativa é que o transporte de cabotagem seja de 10% a 25% mais econômico do que o transporte rodoviário, sendo esta vantagem diretamente proporcional à distancia navegada, e à proximidade do local de origem e destino com o porto.

Como na cabotagem Sul – Sudeste o trecho navegado é mais curto, a vantagem financeira em relação ao modal rodoviário é também menor. Com otimismo, podemos falar em algo em torno de 10% a 15%. Se adicionarmos 8% de AFRMM ao frete marítimo, chegamos a um resultado financeiro que não estimula a mudança e utilização do modal aquaviário. Por esta razão, o volume de cargas transportadas em contêineres pela cabotagem entre o Sul e Sudeste é praticamente nulo.

E quanto à arrecadação do AFRMM no transporte de contêineres nesta rota? Não é difícil concluir que 8% de quase nada é coisa nenhuma, e efetivamente não há arrecadação.

Uma medida inteligente a se tomar seria então incentivar o transporte de cabotagem entre as regiões Sul e Sudeste, zerando-se, a exemplo do que já ocorre no Norte e Nordeste, a alíquota do AFRMM na cabotagem de contêineres entre essas regiões, especialmente agora com as enchentes no Sul bloqueando rodovias e dificultando o transporte.

Outro ponto também a observar diz respeito a exigências aduaneiras para a cabotagem, a que o modal rodoviário não está sujeito.

Por exigência do processo de alfandegamento dos terminais portuários, a carga de cabotagem deve obrigatoriamente ser mantida segregada das cargas de longo curso (importação e exportação). Causa estranheza, no entanto, a determinação de autoridade aduaneira de alguns portos do Sul, obrigando a inspeção não invasiva (através de scanners) de todas as cargas que entram no porto, citando especificamente também as cargas de cabotagem.

Ora, estamos falando de uma carga nacional, sendo transportada dentro do território brasileiro, e que fica segregada das demais cargas de comercio exterior. Qual a razão então de acrescentar custos e dificuldades logísticas, exigindo-se a inspeção não invasiva destas cargas?

Estimando o impacto, um frete hipotético no valor de R$ 10.000,00 para movimentar cargas entre o Sul e o Sudeste pela cabotagem estaria sujeito a R$ 800,00 de AFRMM e cerca de R$ 400,00 de inspeção não invasiva, totalizando algo em torno de 12% de despesa adicional, praticamente consumindo qualquer vantagem financeira da cabotagem sobre o transporte rodoviário no trecho.

Muito se poderia avançar numa solução comprovadamente sustentável somente com estas duas mudanças, muito claras para o embarcador, que sempre vai levar em conta o fator custo para comparar a opção multimodal porta a porta (utilizando a cabotagem) com o transporte puramente rodoviário.

Valter Branco é engenheiro, com MBA em Comercio Exterior e Finanças Internacionais, tendo mais de 30 anos de experiência em navegação, sendo 25 deles diretamente ligados à cabotagem.