Lixo vai ser motor do biometano, antes do esterco e da cana, diz CEO de aterros sanitários
FONTE: Portal Saneamento Básico
Preparada para investir mais de R$ 1 bilhão em estruturas de produção de biometano, a empresa de tratamento e destinação de resíduos Orizon, que transforma aterros sanitários em grandes complexos com captação de biogás e geração de energia, prevê que o lixo vá ultrapassar a cana-de-açúcar e o esterco da agropecuária como principal propulsor do combustível nos próximos anos.
Orizon prevê mais de R$ 1 bi em complexos para extrair energia de aterros
Milton Pilão, CEO da Orizon, defende que a geração de biometano nos aterros é mais propícia a curto prazo porque não tem as restrições de sazonalidade da cana, já que o lixo é gerado diariamente pela população, e os aterros estão mais bem posicionados do que as fazendas para escoar o combustível na rede de distribuição do gás.
“Logo, sobra o biometano dos aterros. Não temos sazonalidade porque o lixo é gerado todo dia. E não tem desafio tecnológico. É só uma questão de colocar as unidades para operar. Então, nos próximos cinco anos, acho que os aterros serão o grande ramp-up [evolução da produção] do biometano”, diz.
A empresa tem hoje 16 complexos, chamados de ecoparques, onde também abriga tecnologias de triagem para reaproveitamento de material reciclado, compostagem para fertilizantes e combustível derivado de resíduo.
Pilão diz que a meta da empresa é continuar comprando aterros, tanto prontos quanto em fase final de licenciamento, e demonstra otimismo ao falar das dificuldades que o Brasil enfrenta para o fechamento total dos lixões.
“A consciência ambiental da população mudou. Além disso, a regulação ficou mais forte depois do marco do saneamento. Apesar de não termos conseguido fechar todos os lixões de 2021 a 2024, teve uma forte atuação dos órgãos reguladores”, diz.
A Orizon vai comprar mais aterros para instalar projetos de biometano? Em quanto tempo e qual o investimento?
Temos hoje 16 ecoparques em 11 estados. O aterro é um negócio muito regional, porque o lixo não viaja. Tem uma barreira logística. O lixo que está sendo gerado aqui dificilmente consegue viajar mais do que cem quilômetros porque fica muito caro.
O Brasil gera 80 milhões de toneladas por ano, sendo que 40% ainda vão para lixão, e 60%, para aterros. A Orizon hoje recebe 10 milhões de toneladas dos 50 milhões que vão para aterros. É 20% do resíduo gerado pela população. A missão é continuar comprando aterros e aumentando a participação no volume de resíduo recebido.
A gente sempre começa adquirindo um aterro, seja pronto, seja em final de licenciamento, para depois transformar num ecoparque instalando indústrias [de energia, biometano, reciclagem e fertilizantes]. Não fazemos coleta, só destino e tratamento de resíduos.
Hoje, temos uma instalação de biometano operando no ecoparque de Paulínia. O planejamento é de R$ 1,2 bilhão para a construção de unidades de biometano em 11 dos nossos ecoparques nos próximos anos. A cada nova aquisição se retroalimenta o plano de investimento de biometano.
Por que o Brasil não consegue cumprir a meta de fechar os lixões?
O Brasil tem um histórico de pouca atenção e gasto para o destino e o tratamento do seu resíduo. No mundo todo, tem sistema de gerador pagador. Todo o mundo paga sua conta de água, luz, internet e a sua conta de destinação de resíduo. Somos um dos poucos países que não têm essa cobrança direto do gerador. Aqui, o responsável é a prefeitura, que é um ente público que tem problema de caixa.
As prefeituras priorizavam o gasto com asfalto, que aparece e dá ganho político. Antigamente, você não exigia muito do seu prefeito e do gestor local que fizesse a gestão do lixo de maneira correta. Mas a consciência ambiental da população mudou.
Além disso, a regulação ficou mais forte depois do marco do saneamento. Apesar de não termos conseguido fechar todos os lixões de 2021 a 2024, teve uma forte atuação dos órgãos reguladores.
A Orizon pode comprar aterro pronto e transformá-lo em ecoparque ou comprar um aterro que está quase em final de licenciamento, mas ainda não abriu as portas. Quando um aterro abre as portas, o Ministério Público é informado, vai às prefeituras e fala: agora tem aterro na região. Então, as prefeituras vão aos poucos migrando, fechando seus lixões, porque elas não têm mais a bengala de dizer que estão fazendo irregularidade de manter o lixão aberto porque não têm para onde mandar o lixo.
No marco do saneamento, eu falei que ele ia demorar mais do que 2024, mas acho que tem todas as condições agora, pode ser em dois ou seis anos, de fechar todos os lixões que restam no país.
Era uma bandeira do governo passado, do ex-ministro Ricardo Salles, que fez o programa Lixão Zero, mas não avançou, não?
Não avançou. A pauta do atual governo também está forte nisso. O secretário [de meio ambiente urbano] Adalberto [Maluf] colocou claramente que a ministra Marina Silva deu a ele uma pauta. Aliás, ele está pedindo às associações do setor que mandem estudos sobre quantos aterros são necessários para fechar os cerca de 2.000 lixões.
O jeito de resolver é um pouco de tudo o que eu falei aqui, mas precisa ter aterro nas regiões. Se não tiver um aterro, não adianta ter a fonte pagadora, a intenção do gestor e o regulador apertando. E aterro não é algo que brota em um mês.
É quase como o processo de licenciamento de hidrelétrica, porque passa por Iphan, avaliação do ar, do solo, do impacto viário. E isso não é algo da burocracia brasileira. Nos Estados Unidos, para licenciar um aterro, também demora.
Quanto tempo dura um aterro?
A licença ambiental não é por prazo. É por volume. O projeto apresentado no processo de licenciamento mostra como o aterro vai avançar na volumetria. A vida útil dele é calculada conforme o tempo em que ele vai atingir sua capacidade.
Hoje, os nossos 16 aterros têm entre 25 e 30 anos de vida útil para a frente. Eu brinco que a gente não vai atingir esse final de vida útil nunca porque ao longo dos próximos anos eu vou diminuir o volume aterrado [ao investir em processos como reciclagem]. Dentro de dez anos, eu acho que os nossos aterros vão ser hubs de recebimento de resíduo, não mais de aterramento. Vai aterrar só o rejeito ou só um percentual muito pequeno do resíduo recebido lá.
O que acontece quando um aterro atinge a capacidade?
Quando não tem o resíduo novo entrando, o gás que vai sair daquele morro é só um histórico. Ele fica gerando por cinco anos e depois cai a um nível muito baixo. Tem alternativas para continuar gerando valor naquela terra, como colocar uma unidade solar.
A geração solar vai muito bem com aterro sanitário finalizado, porque é uma área grande, não tem gente entrando ali e a terra não se movimenta mais. Você aproveita também a estrutura de energia que tem no aterro, que já está conectado no grid [rede] porque está gerando biogás e vendendo energia ali. Para os próximos anos, a gente avalia já colocar unidade de energia solar em algumas células dos ecoparques.
Se o lixo é tão valioso e um dos gargalos é a falta de recurso público para remunerar as empresas que fazem o tratamento, não se cogita reduzir essa cobrança sobre o ente público? Empresas como a sua comprariam o lixo, como acontece com outros recicláveis, como latinha e plástico?
Para gerar todo esse valor dentro do lixo, eu preciso de um investimento gigante. Essa é uma diferença de percepção quando a gente fala na valorização do resíduo e acaba dando pouco peso ao tamanho do esforço financeiro.
Na Europa e nos EUA tem uma tarifa crescente se você quiser escalar a tecnologia. O jeito mais barato de você destinar o seu resíduo é num aterro que não tenha valorização, um aterro que seja só uma operação muito simples. Esta operação necessita de um pagamento de tarifa para fazer o encapsulamento, não vai gerar biogás para energia nem nada, mas você tem que tratar o chorume e queimar o gás no flare. Tem um custo. Essa é a tarifa mais barata e mais básica, que é a tarifa do aterro.
O Brasil hoje tem uma tarifa média para aterro, só destinação, da ordem de R$ 80 por tonelada. Nos EUA, são US$ 120. E para aqueles operadores europeus e americanos que colocam uma instalação de reciclagem? Paga US$ 160. Se colocar uma unidade de geração de energia, vai para US$ 200. E se colocar “waste-to-energy”, uma planta de queima total, como estamos construindo em Barueri? Vai para R$ 300.
O gerador tem que pagar mais para que o lixo dele seja valorizado a ponto de voltar para a cadeia porque aquele operador tem que gastar um dinheiro a mais do que gastaria para dar a destinação correta. Então, a dinâmica em que o lixo tem valor é o contrário porque, infelizmente, ele não se transforma em valor sem investimento atrelado.
O projeto de lei do combustível do futuro gerou conflito entre consumidores de gás natural [que reclamam do aumento de custos com a proposta de adição dos percentuais obrigatórios de biometano]. Como vai se resolver isso?
Essa é uma equação que não vou chamar de fácil, mas tem um endereçamento natural para sua solução. Hoje, nos momentos de pico, o consumo de gás natural chega a 100 milhões de metros cúbicos por dia, mas em média gira em torno de 75 milhões a 80 milhões.
Tem o gás natural fóssil e o renovável, que é o biometano. Qual é hoje a oferta de gás natural renovável dentro desses 80 milhões que são consumidos? Menos de 1 milhão, cerca de 1%.
É óbvio que uma parte da indústria que hoje consome o gás natural fóssil com impacto relevante na sua matriz de custo dificilmente vai migrar para o biometano se não tiver um programa de descarbonização, porque o biometano, como vem de fonte renovável, tem um valor adicional em relação ao gás natural fóssil. Isso é pago por quem? Por algumas indústrias.
A PepsiCo, por exemplo, divulgou que vai mudar suas operações no Brasil para biometano. É o tipo de empresa que se encaixa no que acabei de falar: tem metas de descarbonização mundial, está na vanguarda de transição energética, e o gás natural não tem impacto relevante na matriz de custo dela. Então, pode pagar pelo biometano porque vai ter o benefício da descarbonização e vai trocar a matriz.
Do outro lado, na indústria siderúrgica, o gás natural é um custo muito relevante. Lá na frente, ela pode se ver com problemas de restrição ao fornecimento do aço brasileiro na Europa, quando entrarem as novas regras de descarbonização, mas neste momento não é um foco deles.
Acho que a discussão acaba sendo mais fácil de ser resolvida, primeiro, porque os volumes que estão sendo colocados de biometano naquela cronologia [do projeto] são pequenos.
Mas vai para 10%, não?
Depois de 2030. Pode chegar a 8 milhões de metros cúbicos por dia, dentro dos 80 milhões. Na Orizon, temos fechado contratos de dez anos de venda do biometano com preço prêmio atrelado a IPCA. Esse perfil de cliente é aquele que faz a conta e fala: nos próximos dez anos, o custo que eu vou ter na minha indústria para me adequar às regras de descarbonização serão muito maiores do que eu pagar xis por cento a mais num gás aqui nesse período.
Isso começou a ter aderência nos nossos clientes porque a Guerra da Ucrânia impactou muitos negócios. O combustível gás era atrelado ao câmbio e ao petróleo. A gente traz previsibilidade à indústria brasileira ao fazer contrato linkado ao IPCA, porque os custos e o preço dele estão em IPCA. Então tem outros benefícios no biometano.
Hoje, há três grandes fontes de produção do biometano: aterros, cana-de-açúcar e agropecuária. A agropecuária tem uma complexidade muito maior porque normalmente está nas fazendas, depende do esterco do gado, e o escoamento desse tipo de gás é difícil. Embora as avaliações mostrem que o volume possível da agropecuária é maior do que o de aterros e cana, aquilo não vai chegar ao grid para a indústria, porque o Brasil tem um sério problema de distribuição de gás, a rede é pequena.
Então, você não pode contar com esse. Pode contar com o da cana e dos aterros. A cana produz o biometano através de uma tecnologia recente, mas ainda não está maduro. Tanto que você não vê centenas de instalações de biometano de cana, de vinhaça, porque é uma tecnologia em desenvolvimento.
Logo, sobra o biometano dos aterros. E não tem desafio tecnológico. É só uma questão de colocar as unidades para operar. Então, nos próximos cinco anos, acho que os aterros serão o grande ramp-up [evolução da produção] do biometano..
ENTENDA O BIOGÁS
O ponto de partida da produção de biogás é dar uma destinação para restos orgânicos que elevam a contaminação ambiental quando não têm um tratamento adequado. Ao mesmo tempo, busca contribuir com a geração de energia alternativa a fontes fósseis.
Ao ser purificado, o biogás se transforma em biometano, que tem as mesmas características do gás natural extraído pela indústria do petróleo. Pode ser utilizado como substituto para abastecimento de veículos, residências e geração de energia elétrica a partir de térmicas.
Os dois são quimicamente idênticos e podem, inclusive, ser misturados nos gasodutos, mas têm uma grande diferença no que se refere a emissões. Considerando toda a cadeia de produção, o mesmo volume de biogás emite 90% menos que o gás natural.
Fonte: Folha.