Importados de China e EUA entram a preço de ‘outlet’ e indústria química pode parar mais fábricas
Para evitar medidas drásticas, companhias têm operado com estoques mais elevados do que o normal, carregando seus custos. Mas há limite para essa estratégia
FONTE: Valor Econômico
Mesmo após alcançarem participação recorde de 47% na demanda doméstica em 2023, produtos químicos e petroquímicos importados, sobretudo da China e dos Estados Unidos, seguem entrando no Brasil em volumes crescentes e a preços de “outlet”, nas palavras de participantes do mercado. Conforme a indústria local, essas condições podem levar à paralisação de novas unidades produtivas nas próximas semanas.
Lutando contra uma grave crise financeira, a Unigel suspendeu, em março, a produção de fertilizantes nas duas fábricas que arrendou da Petrobras. A justificativa é que o elevado custo da matéria-prima, o gás natural comprado no país, relativamente ao baixo preço internacional da amônia e da ureia, inviabiliza a operação.
Na semana passada, a Braskem, maior produtora de resinas das Américas, informou que a menor taxa de operação nas centrais petroquímicas brasileiras, no quarto trimestre, se deveu também à “adequação da produção frente a menor demanda global”. Agora, outra grande empresa instalada no país pode parar a produção em uma planta petroquímica, a partir da segunda metade de abril.
No caso dessa petroquímica, que ainda não pode ser identificada, o produto importado chinês tem sido oferecido a US$ 2 o quilo no mercado brasileiro, bem abaixo do custo do americano, de US$ 6 o quilo, que já era mais barato do que o custo de produção local.
Para evitar medidas drásticas, outras companhias têm operado com estoques mais elevados do que o normal, carregando seus custos. Mas há limite para essa estratégia. “Ha risco real de parada de unidades químicas”, diz André Passos Cordeiro, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Hoje, a taxa de ociosidade no setor gira em torno de 40% e os investimentos, salvo uma ou outra exceção, se restringem à manutenção das operações existentes.
O déficit comercial da indústria já se tornou um velho conhecido e houve aceleração substancial nas duas últimas décadas, chegando ao recorde de US$ 63 bilhões em 2022. O saldo negativo foi menor em 2023, de US$ 46,6 bilhões, contudo a má notícia para a indústria local é que os volumes importados cresceram — o que “esvaziou” os valores no ano passado foi a queda generalizada dos preços internacionais.
Além do chamado “custo Brasil”, que afeta à indústria como um todo, o setor químico tem sido penalizado pela competição com produtores de países onde a matéria-prima ou a energia, notadamente o gás, são mais baratos. Caso dos Estados Unidos, cuja indústria petroquímica renasceu com o início da exploração do gás de xisto.
A oferta adicional de resinas e petroquímicos básicos pelos americanos é um dos fatores de pressão sobre os chamados spreads — a diferença entre custo da matéria-prima e preço de venda do químico ou resina obtidos a partir dela. Hoje, contra US$ 2 por milhão de BTU de gás usado pelos Estados Unidos para produção de eteno, a molécula sai a US$ 14 o milhão de BTU no Brasil.
A guerra entre Ucrânia e Rússia agravou essa situação. A petroquímica asiática, uma das mais poderosas do mundo em termos de escala, passou a ter acesso ao gás russo a preços descontados, isso em um momento de adição de capacidade instalada na China. Diante do desaquecimento do consumo chinês, o excedente foi deslocado para o mercado internacional.
Praticamente todo o mundo sofreu a pressão desse movimento, mas a América Latina, menos protegida que outros mercados como Estados Unidos e Europa, que nos últimos anos adotaram políticas protecionistas, acabou se tornando destino preferencial.
Nesse ambiente, a indústria química brasileira, via Abiquim, indicou no ano passado a necessidade de algum tipo de proteção comercial temporária, para uma lista de pouco mais de 70 produtos. A lista foi levada mais recentemente à Câmara de Comércio Exterior (Camex) e está em consulta pública até 25 de abril.
Conforme a entidade, dois fatores foram levados em consideração na proposição da lista: o chamado “surto de importação”, com aumento de mais de 30% nas compras externas em volume, e preços até 30% menores do que a média histórica. “Queremos resolver o preço do gás e outros problemas estruturais. Mas antes disso, é preciso algum tipo de proteção temporária para 70 de uma lista de 1,4 mil produtos”, defende o presidente da Abiquim. Há investigações por prática de dumping em curso, mas a indústria alega que não pode esperar tanto tempo.
Obviamente, setores que consomem os produtos e matérias-primas se insurgiram contra o pleito. É o caso da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) e de indústrias como a da construção civil e a de alimentos. A queixa é justa, uma vez que haveria perdas para esse elo da cadeia de valor.
O ponto é que o alerta não tão novo da indústria química, que é concentrada no país, sobretudo no segmento petroquímico, desta vez é acompanhado do apelo de outras indústrias, caso das siderúrgicas, das papeleiras, dos fabricantes de pneus, entre outros segmentos. Ao que parece, há de fato uma nova ordem no comércio mundial, que seja temporária, orientada pela China, que está jogando contra os planos de reindustrialização do país.