“É disputa entre manter emprego na China e manter no Brasil”
Presidente da companhia vê na defesa da indústria “uma luta que vale a pena”
FONTE: Estado de Minas
Benny Cohen e Bruno Nogueira
O CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, foi o convidado do ‘EM Minas’ de ontem, programa da TV Alterosa, em parceria com o jornal Estado de Minas e Portal UAI. O empresário conversou com o jornalista Benny Cohen sobre os recém completados 123 anos da empresa líder no setor siderúrgico, revelando uma preocupação com o que ele chamou de competição desleal do aço chinês no Brasil.
Segundo Werneck, as empresas asiáticas estão vendendo o metal a um preço menor que o de custo, emitindo mais poluentes que as empresas brasileiras. “No fundo é uma disputa entre manter emprego na China e manter emprego no Brasil”, disse o empresário, que também ressaltou que a Gerdau, frente aos problemas enfrentados com a competição, tem se esforçado para não fechar unidades.
O empresário também ressaltou que a Gerdau pretende manter os investimentos anunciados em Minas Gerais, frisando que o estado tem a operação mais relevante da siderúrgica. “A questão do Brasil a gente está analisando com mais detalhe, mas no estado de Minas Gerais a gente não tem nenhum plano de reduzir investimentos porque nós temos criado aqui uma plataforma realmente muito diferenciada de produção de aço de altíssimo valor agregado, mineração sustentável sem uso de barragem”, disse.
Gustavo Werneck ainda falou sobre a expectativa de estabilidade com a competição chinesa, o otimismo com a economia brasileira nos próximos anos, os investimentos da Gerdau em tecnologia e esporte, além das perspectivas da empresa para os próximos anos. Leia a seguir os principais pontos do ‘EM Minas’.
Hoje, qual é a dimensão da Gerdau?
Recentemente, nós completamos 123 anos de história, poucas empresas conseguem ser tão longevas. Estamos espalhados pelas Américas, somos 35 mil colaboradores, com um faturamento na ordem de R$ 80 bilhões. Então somos provavelmente a maior empresa industrial do Brasil.
Apesar dos números gigantes, nós temos acompanhado a sua ‘via crúcis’ por Brasília, tentando sensibilizar o governo federal com relação ao enfrentamento da concorrência que o senhor classifica como desleal do aço chinês. O que está acontecendo?
Esse périplo, essas andanças, não são somente para defender os interesses da Gerdau, são para defender o interesse de todo o empresariado nacional. Empresariar no Brasil não é uma tarefa simples, a gente está o tempo todo nesse jogo global, correndo uma maratona que está cada vez mais relevante, mas é como se a gente tivesse correndo essa maratona com uma bola de ferro de 10kg. Então, empresariar no Brasil não tem sido fácil em um momento igual a este, pelo qual o mundo está passando por uma profunda transformação e desglobalizando.
A China, especificamente, está passando por uma transição muito relevante na forma como impulsionou a sua economia nos últimos anos. Ela tem colocado uma capacidade de exportação que eu chamo de “desleal” porque não atende às regras da Organização Mundial do Comércio. No fundo, é uma disputa entre manter emprego na China e manter emprego no Brasil. Então, quando eu faço essa defesa estou defendendo todo o empresário brasileiro, toda indústria brasileira. É uma luta que eu tenho bastante convicção que vale a pena.
De que maneira os chineses estão prejudicando o Brasil?
Nos últimos 30 anos, o único indicador econômico que realmente fez a diferença na China foi o crescimento, qualquer outro indicador chinês não fez tanta diferença. E nos últimos 30 anos, o crescimento chinês foi baseado em três grandes pilares: o primeiro foi a infraestrutura. A China investiu muito em infraestrutura nos últimos anos, 50% do crescimento econômico veio da infraestrutura. Se você vai em Xangai, por exemplo, são quatro aeroportos absolutamente modernos. O segundo pilar foi a construção civil. É estimado que na ordem de 30% do crescimento econômico da China veio daí. O terceiro grande pilar foi o da exportação, que sustentou a economia chinesa nos últimos 30 anos. Só que esses pilares estão se desintegrando e três novos estão aparecendo agora na China, que vão sustentar os próximos anos de crescimento. O primeiro é o incentivo ao consumo interno. O segundo grande pilar é o que se chama de manufatura digital, muita tecnologia produtos de alto valor agregado. E o terceiro é que se chama de economia verde, os carros elétricos, energia renovável. Só que existe uma transição dos pilares antigos para os novos, isso vai demorar um tempo. À medida que o mundo for colocando mais taxação na emissão de carbono, essa transição vai acelerar. Até lá, pra China manter esse crescimento econômico, manter emprego, ela tem exportado muito produto de todas as naturezas, só que essa exportação ela não vem seguindo aquilo que é uma competição justa que siga os pilares da Organização Mundial do Comércio. Esses produtos chegam no Brasil e em outros países com o preço menor do que o custo. Claramente tem uma proteção do governo, que está destruindo a indústria nacional, não só a indústria do aço. Vários países, vendo esse movimento, têm colocado tarifas adicionais para criar condições de competição isonômica. Eu lembro que os Estados Unidos fizeram isso, o México fez, os 27 países da União Europeia também implantaram medidas de competição mais justa, e mais recentemente a Turquia. Então, o Brasil tem que implantar para, no mínimo, criar uma competição que seja justa, porque aí a gente consegue competir de igual para igual com qualquer outro produtor de aço do mundo.
O senhor já esteve quantas vezes em Brasília por conta desse assunto?
Várias dezenas de vezes. O governo tem sido muito aberto a entender o que está acontecendo. A própria decisão recente da Nova Indústria Brasil mostra a preocupação que o governo tem tido com a indústria. Eu acredito que ao longo dos próximos meses a gente vai conseguir mostrar o que isso está ocasionando do ponto de vista de redução de investimentos, redução de postos de trabalho. O governo tem sido muito aberto a escutar, mas eu sigo otimista que em algum momento ele vai atender esses pleitos que não são só do setor de aço.
A Gerdau suspendeu as atividades de usinas no Nordeste do Brasil. Há perspectiva de retomada?
A gente suspendeu não só no Nordeste, mas em outros estados. Com essa penetração nunca vista de aço chinês no Brasil, a gente não tem tido condição de manter a nossa capacidade. Seguimos buscando alternativas, porque o problema só tem crescido. Nós queremos preservar esses empregos, porque são pessoas com muitos anos de Gerdau. Mas a dificuldade do governo federal de tomar medidas que possam combater essa entrada de aço tem ocasionado essas demissões, essas paralisações de produção pelo Brasil. Foram por volta de 700 demissões no ano passado, e agora 100 nos últimos meses. Nessas últimas semanas, anunciamos mais um fechamento de produção no nosso negócio de aço para veículos. Infelizmente, a gente não tem tido a condição de manter esses ativos operando.
O que encarece o aço no Brasil?
Essa tem sido a nossa luta, eu diria, nos últimos 100 anos, porque como eu comentei, empresariar no Brasil não é simples. Hoje, temos uma operação no Brasil que é do mesmo tamanho da operação nos Estados Unidos. E, diga-se de passagem, pela primeira vez em 123 anos a nossa operação nos Estados Unidos tem ficado maior do que no Brasil em função do fechamento dessas capacidades. Mas só na área tributária no Brasil, a gente tem 123 pessoas. Em uma operação do mesmo tamanho nos Estados Unidos nós temos três pessoas. São 123 pessoas criativas que poderiam estar nos ajudando e buscar mais competitividade, a resolver outros problemas, mas estão envolvidas nessa burocracia de tributos no Brasil. Embora muitas pessoas estejam otimistas com a reforma tributária, que eu acho que vai resolver ou melhorar as coisas ao longo prazo, é uma longa transição. Outro exemplo é a logística. Quando a gente compara a nossa competitividade dentro dos muros das nossas plantas, competimos de igual para igual com qualquer produtor mundial. Mas quando o aço sai dos nossos portões, a falta de competitividade que tem no Brasil nos faz não ter condições de competir com produtores como os chineses.
Você falou da reforma tributária. Gostou do resultado?
No geral nós gostamos, porque é um avanço. Os sinais que o governo tem dado sobre a reforma tributária, que acredito que vai ter aprovação final em breve, e essa questão da Nova Indústria Brasil, são sinais positivos que o governo está dando de solucionar no longo prazo esses problemas de competitividade. Mas a questão nossa é como se resolve no curto prazo? Empresas como a nossa sempre foram a favor de uma economia mais aberta, o Brasil sempre recebeu aço importado, então a gente não tem problema nenhum com relação a um país mais aberto. A questão é quando vem essa competição desleal.
Como estão os investimentos em Minas Gerais?
Seguimos investindo totalmente em nosso plano anunciado. Nós temos investimentos que hoje superam R$ 6 bilhões em Minas Gerais na nossa mineração, na usina de Ouro Branco, na planta de Barão de Cocais, em Divinópolis, nos 250 mil hectares de florestas que nós temos, especialmente na região de Três Marias. Minas Gerais para a Gerdau é um estado muito relevante e a gente vai continuar investindo aqui, porque como a gente diz no nosso slogan: ‘Somos uma empresa brasileira, mas mineira de coração’.
A Gerdau se prepara para a transição energética?
Essa transição energética começou há muitos anos, porque o modelo de negócio que escolhemos para produzir aço depende menos do minério do carvão. Cerca de 75% da nossa capacidade vem da reutilização da sucata. A bicicleta que não se usa mais, o fogão que é descartado, a gente recolhe, recicla, funde e produz o aço. Essa bicicleta que não é utilizada pode se tornar um vergalhão para construção civil, pode estar em um trem de pouso de uma aeronave. A reciclagem da sucata nos traz uma competitividade no que diz respeito à baixa emissão de CO2 muito relevante.
Essa descarbonização faz com que o aço fique mais caro? Ou durante esse processo ele se torna mais competitivo em relação a outros países?
De forma geral, é um aço competitivo quando se compara com outros meios produtivos, mas o grande benefício é produzir com baixa emissão de CO2. Quando entra um aço da China ou da Ásia, ele entra aqui emitindo o dobro de CO2 do que se a gente tivesse produzido no Brasil. Fora as questões econômicas que comentei, acho quase uma tragédia trazer um aço que emitiu o dobro de CO2 que a gente poderia estar produzindo no Brasil, mantendo emprego com a metade da emissão de poluentes. Quando se olha do ponto de vista ambiental, também é inconcebível que não se coloque medidas no curto prazo para resolver um problema como esse.
Em 2021 a Gerdau anunciou um plano de investimento de quase 12 bilhões até 2026 em Minas Gerais. Esse plano de investimento está mantido?
Nós temos feito todos os esforços para que o plano seja mantido. Nesse momento, esse investimento anunciado em 2021, e outros que foram anunciados posteriormente, continuam totalmente mantidos. Inclusive, estamos procurando alternativas para acelerar. São investimentos muito relevantes para nós, porque Minas é hoje o estado mais importante para a Gerdau no Brasil. Grande parte da nossa capacidade produtiva está em Minas. Estar aqui, para nós, não é somente produzir e fazer negócios, para nós é de fato ser parte da vida dos mineiros e das mineiras. Ao longo da nossa história, aprendemos o papel do empresário de devolver para a sociedade aquilo que a sociedade nos empresta, então por isso temos feito investimentos em geração de emprego, em capacidade produtiva. Investimentos muito significativos aqui em Minas em parceria com o poder público e instituições privadas para a gente contribuir na solução de problemas sociais que existem no estado.
Em nível nacional, como está essa previsão de investimentos?
A gente segue mantendo os investimentos, mas temos estudado com detalhes o que poderia, eventualmente, paralisar caso esse problema não seja resolvido. A questão do Brasil a gente está analisando com mais detalhe, mas em Minas não temos nenhum plano de reduzir investimentos porque temos aqui uma plataforma muito diferenciada de produção de aço de altíssimo valor agregado, mineração sustentável sem uso de barragem. No futuro, Minas Gerais vai ter uma relevância muito grande para nós, mesmo em face desses problemas de curto prazo que a gente tem enfrentado.
A Gerdau investe muito em patrocínio de equipes de esportes. Como é definida essa questão?
A gente quer estar, de fato, junto da sociedade. Quando a gente faz um patrocínio de um time, nosso objetivo não é vender mais aço. O objetivo é usar a forma de gestão que essas equipes têm para, juntos, fomentar o esporte entre os jovens. Esses patrocínios nos ajudam muito, porque as instituições em Minas têm uma metodologia de formação de jovens atletas reconhecida e poderosa. É juntar a capacidade que a Gerdau tem de patrocinar as equipes de Minas com a capacidade delas de gestão e formação. Sempre que a sociedade vê o nome da Gerdau em uma camisa, pode saber que por trás tem um grande projeto social sendo executado.
A Gerdau já teve foco muito grande em start-ups, iniciativas tecnológicas. Isso se mantém?
Isso é quase uma questão de sobrevivência. Continuamos usando todo o ecossistema de inovação para melhorar a competitividade do nosso negócio e para melhorar os nossos indicadores, que não são somente os econômicos, mas os indicadores de meio ambiente, segurança do trabalho e outros que do ponto de vista social são muito relevante. Esse ecossistema de inovação nos possibilitou, por exemplo, a criação de um braço de novos negócios chamado GerdauNet, que tem crescido e contribuído para entregarmos um nível de serviço, parceria e solução que no passado a gente não tinha.