Ventos contrários atingem as eólicas offshore
Inflação e alta dos custos de equipamentos abrem primeira grande crise em um setor crítico para a descarbonização global
FONTE: Capital Reset
A regulamentação da energia eólica offshore deve ser votada este mês na Câmara dos Deputados, o primeiro passo para que se inicie a era da energia limpa gerada em alto-mar no litoral brasileiro.
Em setembro, a Petrobras anunciou o pedido de licenciamento ambiental de projetos que somam 23 GW – mais que o dobro de toda a capacidade instalada de parques solares no país.
Ainda faltam alguns anos para que as primeiras fazendas de vento comecem a ser instaladas na costa do Brasil. Mas, no resto do mundo, a promessa da energia eólica offshore tem se chocado com a realidade econômica.
Os juros mais altos no pós-pandemia encarecem o financiamento para viabilização dos projetos, e os preços de energia não acompanham o aumento de custos dos componentes das turbinas gigantes.
A dinamarquesa Orsted, maior desenvolvedora mundial de eólicas no mar, desistiu na semana passada de dois projetos nos Estados Unidos. A companhia vai assumir um prejuízo de US$ 5,6 bilhões, e suas ações perderam quase 60% do valor neste ano.
A S&P colocou a empresa em observação, um passo antes do rebaixamento do rating de crédito. Mads Nipper, o CEO, descreveu como “tempestade perfeita” o momento que vive a indústria.
As petroleiras europeias Equinor, BP e Shell, que apostam nas eólicas offshore como parte de suas estratégias para um mundo pós-carbono, também tentaram cancelar ou renegociar contratos no país.
A situação não é muito diferente na Europa. Apresentada ao mundo mais de 30 anos atrás, na costa da Dinamarca, a tecnologia é considerada uma chaves para que o mundo possa chegar ao net zero em 2050.
Mas isso vai depender de uma expansão que, pelo menos por enquanto, está em xeque. As eólicas hoje representam menos de 1% da eletricidade produzida globalmente, ou cerca de 70GW.
Para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, a capacidade instalada teria de saltar para 2.000 GW em 2050, estimam a Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) e Agência Internacional de Energia (AIE).
A crise atual é “o primeiro obstáculo significativo para a energia eólica offshore”, disse um porta-voz da norueguesa Equinor ao Financial Times. “Mudar os sistemas energéticos exige muito.”
Ventos contrários
Parte dos problemas tem relação com o timing. Acordos de venda da eletricidade foram feitos em um cenário macroeconômico, mas, quando se concluíram os licenciamentos ambientais, as condições estavam muito diferentes.
De uma lista de projetos totalizando 53GW que haviam fechado contratos ou receberam garantias de preço, cerca de 18GW estavam enfrentando algum tipo de incerteza econômica, de acordo com um levantamento do banco de investimentos Bernstein.
Em julho, a sueca Vatenfall abandonou um projeto na costa britânica, alegando que seus custos tinham aumentado 40% por causa da inflação e dos altos custos dos equipamentos.
Um leilão de novos projetos offshore no Reino Unido não recebeu nenhuma oferta. As desenvolvedoras afirmaram que os preços oferecidos não garantiriam a viabilidade econômica dos empreendimentos.
Especialistas afirmam que, se não houver uma revisão dos modelos financeiros, o país não vai cumprir sua meta de triplicar a oferta de energia eólica offshore até 2030 – uma das espinhas dorsais do plano net zero do país.
A política
Representantes da indústria afirmam que as adversidades são circunstanciais e que não se pode perder de vista o objetivo maior: substituir fontes energéticas que queimam combustíveis fósseis.
“Não podemos deixar essa questão de curto prazo se tornar uma crise de longo prazo”, disse ao FT Jonathan Cole, presidente da associação Global Wind Energy Council. “Precisamos da coragem das nossas convicções e temos de fazer todo o possível para reduzir os riscos dos projetos.”
Isso vai exigir habilidade financeira e também política, pois parte do custo vai inevitavelmente ser cobrado dos consumidores, seja em aumento nas contas ou em mais subsídios.
Na semana passada, a Siemens Energy anunciou que estava negociando com o governo alemão um pacote de salvamento de €15 bilhões por causa de problemas em sua unidade de fabricação de turbinas eólicas Siemens Gamesa.