Empresas ampliam acordo na integração do Cone Sul

Especialistas alertam para desafios de investimentos em infraestrutura, regulamentações e superação de riscos políticos

FONTE: Valor Econômico

Um acordo entre Brasil e Bolívia para elevar a produção de energia na usina de Jirau, próxima à fronteira entre os países, e exportar o excedente de eletricidade para o país vizinho deve ocorrer já em abril e ampliar mais a integração energética entre os países.

Na semana passada, os ministros de Minas e Energia do Brasil e Bolívia se reuniram para tratar do assunto e defenderam que as regiões isoladas da Bolívia poderão ser conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) do Brasil para auxiliar no processo de descarbonização. Jirau tem capacidade instalada de 3,75 gigawatts (GW) e fica há 120 km de Porto Velho, em Rondônia. A usina é responsável por suprir 2,6% do consumo do país com energia renovável.

Ao Valor, o presidente da companhia, Edson Silva, explica que com a integração, há a possibilidade de a hidrelétrica operar com um nível de água constante, na cota 90 metros, o que agregará mais energia aos países. Essa operação possibilitaria um aumento médio anual da produção de Jirau em 330 megawatts-médios.

“A Bolívia supre toda aquela região Norte dela com diesel, que é muito caro, poluente e com logística extremamente complexa para o suprimento do combustível. A ideia de um acordo é que parte desta energia fosse entregue para eles para suprirem o próprio território boliviano”, diz Silva.

Jirau ficará responsável pelo investimento em uma linha de transmissão de pequeno porte (138 kV) até a Bolívia.

“Atualmente Jirau segue uma curva de geração em que água que chega é turbinada ou vertida [uma forma técnica de dizer que a hidrelétrica libera água sem gerar energia]. A ideia é no período seco acumular um pouco de água, para erguer a cota, e fazer com que as turbinas tenham maior produtividade. Com isso produziremos mais energia com o mesmo volume de água”, acrescenta.

A Bolívia supre a região Norte dela com diesel, que é cara e poluente” — Edson Silva

Isso trará receita para Jirau, controlada pela francesa Engie e que tem como sócios a Chesf e a Eletrosul (subsidiárias da Eletrobras), e o conglomerado japonês Mitsui.

Maurício Bähr, presidente do conselho de administração das Engie, destaca que o Brasil desempenha um papel regional crucial no intercâmbio energético. Além disso, as negociações avançadas indicam que este ano a usina aumentará sua produção, fortalecendo mais a integração energética entre os dois países.

“Estamos na reta final para alinhar as regras comerciais de ambos os países e estudos ambientais (…). Já vamos fazer a geração adicional em 2024 e para que seja um acordo de longo prazo, vamos depender do resultado”, diz.

O assunto reacendeu o tema sobre as oportunidades e desafios da integração energética regional na América do Sul. Em 2023, a exportação de energia para Argentina e Uruguai trouxe ao Brasil mais de R$ 886 milhões, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), quando o país enviou energia excedente das hidrelétricas. Em alguns momentos, o Brasil chegou a abastecer cerca de 30% do consumo de energia elétrica do Uruguai com energia renovável.

Walfrido Avila, CEO da Tradener, empresa que possui o contrato de comercialização com a Cammesa e UTE, estatais da Argentina e Uruguai, respectivamente, destaca que um mercado regional de energia no Cone Sul pode aprimorar a segurança energética da região. Entretanto, o Brasil precisa avançar mais nesse sentido.

“Eles [os argentinos] promovem a comercialização de energia com Brasil, Uruguai, Chile e Paraguai. No aspecto de um mercado internacional de energia, estão muito mais desenvolvidos do que o nós”, ressalta.

A cooperação entre países para a criação de um mercado único de energia é vista com bons olhos por especialistas, mas exige investimentos em infraestrutura. Eles alertam que há limitações dos sistemas elétricos dos países envolvidos, bem como os desafios decorrentes das relações com regimes autoritários e populistas. Exemplo disso, foi quando a Bolívia reestatizou uma refinaria da Petrobras em 2006. Em relação à Itaipu, o Paraguai travou o orçamento da usina para pressionar o Brasil a elevar a tarifa da hidrelétrica. E o fornecimento de energia com a Venezuela para Roraima foi marcado por uma série de apagões por falta de manutenção nas máquinas.

O diretor da Dominium Consultoria Política, Leandro Gabiati, enfatiza que os riscos políticos e a insegurança jurídica são inevitáveis, especialmente na América Latina, onde governos populistas predominam. No entanto, ele destaca que a integração regional é uma decisão acertada, pois representa uma política de estado de longo prazo, na qual os benefícios superam os riscos.

A retomada do processo de importação de energia da Venezuela pela Âmbar, empresa do grupo J&F, é vista pelo governo como benéfica aos consumidores. O Valor publicou uma reportagem em que o preço da energia venezuelana é da ordem de R$ 900 por megawatt-hora (MWh), abaixo do custo médio de geração das térmicas a diesel no Estado, em torno de R$ 1.700 por MWh. Além disso, a energia renovável do complexo hidrelétrico de Guri-Macágua com a cidade de Boa Vista.

Membro associado da Comissão de Integração Energética Regional (Cier), Celso Torino lembra que o Brasil tem excedente de energia renovável que pode ajudar a descarbonizar parte da América Latina a preços competitivos. Ele frisa que a busca por soluções eficazes para esses desafios passa pela elaboração de contratos robustos e estratégicos.

“É necessário fazer contratos especiais que protejam os comercializadores dos dois lados das fronteiras. Face à complementaridade dos recursos naturais renováveis, da disponibilidade de mercado e de crédito, há oportunidades extraordinárias entre o Brasil e a Bolívia, por exemplo. A integração é necessária, evita desperdício, viabiliza preços menores e ajuda no combate ao aquecimento global”.