Chineses desafiam produção nacional de equipamento solar
Os dois únicos fabricantes no Brasil se queixam de concorrência desleal; Absolar tem posição divergente das empresas
FONTE: Valor Econômico
A energia solar continuará a desempenhar um papel crucial no crescimento da matriz elétrica brasileira. No entanto, enfrenta desafios significativos devido à sua dependência de fabricantes asiáticos para atender à demanda do mercado nacional. Mesmo com políticas estatais robustas que incentivam as energias renováveis, apenas duas empresas, BYD e Sengi, possuem capacidade de produção interna.
Essa limitação levanta questionamentos sobre o desenvolvimento da cadeia produtiva nacional e as condições oferecidas aos consumidores. Recentemente as redes globais de suprimento ligadas ao setor solar, assim como em outros segmentos, sofreram em função do crescimento da demanda, da alta do frete e da inflação, reflexos da pandemia. Isso tudo somados à variação cambial atingiu o setor, trazendo encarecimento e atrasos de projetos.
O Brasil é o 8º colocado no ranking mundial de energia solar e ultrapassou a marca de 35 gigawatts (GW) de capacidade instalada. Atualmente a indústria nacional tem capacidade de produzir 1 gigawatt (GW), oferta muito aquém da demanda nacional, que só em 2022 importou 17,4 GW, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
A chinesa BYD produz no Brasil desde 2017 e tem capacidade para 500 megawatt de equipamentos por ano. Ela avalia que o Brasil deveria ter uma política nacional que facilite a produção e a expansão das fabricantes no país.
O diretor institucional da empresa, Marcello Von Schneider, alerta para a importância de uma política industrial para que o setor no Brasil possa atender o mercado. “Hoje o governo zera o imposto de importação. Então, ninguém quer assumir o custo de investir em uma fábrica para gerar emprego e inovação. Outras empresas fecharam as portas porque a competição é desleal.”
O diretor de Pesquisa & Desenvolvimento da Sengi Solar, Murilo Bonetto, acrescenta que o primeiro desafio é estabelecer políticas industriais e mecanismos para garantir a isonomia e nivelar as condições de competição entre a indústria nacional e os produtos importados que, segundo ele, são pesadamente subsidiados.
“Antes de se discutir uma expansão da cadeia produtiva, é necessário ao menos demandar a capacidade de cadeia produtiva existente. As duas fábricas [BYD e Sengi] são extremamente modernas e produtivas, juntas possuem a capacidade de produzir mais de 2 milhões de módulos de alta eficiência por ano. Porém, devido às condições desleais de competição somada à política de ex-tarifários, ambas estão com menos de 20% da capacidade utilizada, inviabilizando sua operação”, afirma.
A alternativa que as empresas encontrara é pedir ao governo a revogação de ex-tarifários, mecanismo de redução no imposto de importação para produtos sem fabricação no país, como medida para proteger a indústria nacional. Segundo Bonetto, a revogação passa longe de ser considerada uma medida protecionista, pois sua função é a viabilização de investimentos em bens de capital e de informática e telecomunicação que não possuam produção equivalente no Brasil.
Procurado, o Mdic disse que, em relação aos ex-tarifários de módulos e painéis solares, a pasta prepara uma proposta que deve ser encaminhada ao Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex) no mês que vem.
O presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Rodrigo Sauaia, tem uma posição divergente das fabricantes. Para ele, criar barreiras comerciais só atrapalha o setor e encarece a energia solar ao consumidor.
Sauaia defende políticas públicas que priorizem equipamentos nacionais, como compras públicas, incentivo para empresas se instalarem no Brasil, linhas de financiamento com condições mais vantajosas para equipamentos nacionais, entre outras coisas.
Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Para 2024, estão previstos 10,8 GW de potência para entrar em operação. Desse total, 6,1 GW têm origem na fonte solar. Neste contexto, a expectativa é que no curto prazo a dependência brasileira de produtos chineses continue. Um estudo da consultoria WoodMackenzie mostrou que a China deterá mais de 80% da capacidade mundial de fabricação de polissilício, pastilha, célula e módulo solar de 2023 a 2026.
Intitulado “Como a expansão da China afetará as cadeias de fornecimento globais de módulos solares?”, o relatório aponta que mais de 1 terawatt (TW) de capacidade de pastilha, célula e módulo estão previstos para entrar em operação até 2024, o que significa que a capacidade da China é suficiente para atender à demanda global anual até 2032.
O sócio diretor da consultoria Roland Berger, George Almeida, diz que esta dependência acentuada é um fator de preocupação legítima. Segundo ele, o aumento da demanda da fonte solar não é apenas esperado no Brasil, mas também a nível global. O acréscimo anual de capacidade de geração solar a nível mundial foi de 151 GW em 2021. Em 2030, vai ser 630 MW.
“A escala e os custos são fundamentais para atender a esta demanda em crescimento exponencial. A China já tem um alto nível de concentração das atividades de fabricação dos equipamentos: 97% dos wafers, que é o principal insumo de uma célula fotovoltaica. Aliás, 14% da produção mundial deste componente sai de uma única fábrica do país”, afirma.