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Fabricantes do setor eólico enfrentam cenários distintos no Brasil e no mundo

Demanda global está aquecida, enquanto no mercado interno há queda de novos contratos

FONTE: Valor Econômico

As cadeias produtivas do setor eólico parecem estar enfrentando menos pressão, à medida que os custos diminuíram e a inflação dá lugar a um contexto mais estável. No entanto, novos desafios surgem. Há uma alta demanda global por equipamentos e preocupações sobre o possível aumento dos preços das commodities. Já no mercado doméstico a preocupação reside no baixo número de novos contratos e nas taxas de juros ainda consideravelmente elevadas.

É consenso entre as empresas fabricantes do setor que o Brasil necessita de uma política industrial verde a fim de evitar ciclos de encomendas. Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), destaca que a incerteza que afeta o setor no Brasil está relacionada à demanda, uma vez que o momento de preços baixos de energia (conhecidos como PLD, na sigla do setor) tornam difícil a rentabilização dos investimentos e, em alguns casos, o custo marginal impede a expansão do setor.

“A maior parte dos nossos contratos são realizados no mercado livre de energia e quem contrata são empresas que estão em processo de descarbonização, mas com o PLD baixo não há disposição dos compradores para assinarem contratos neste momento”, afirma a dirigente.

Dado o reduzido número de novos contratos para fornecimento de aerogeradores assinados no Brasil até o momento em 2023, o diretor-presidente do grupo Nordex no Brasil, Felipe Ramalho, expressa preocupação com a possibilidade de a cadeia de suprimentos local enfrentar baixa procura por equipamentos e serviços nos anos de 2024 e 2025. No entanto, a perspectiva de longo prazo do setor segue positiva, devido às indicações do governo em relação a uma política industrial. Alinhado a isso, se o hidrogênio verde se tornar realidade deve gerar maior demanda por energia renovável nos próximos anos.

No âmbito internacional, os pacotes verdes implementados pela Europa, China e Estados Unidos enviaram um sinal de compromisso de longo prazo ao setor, já que visam atrair investimentos para a agenda climática e impulsionam a indústria de energia limpa. A outra face da moeda indica que há preocupações quanto uma possível escassez de equipamentos para energia eólica em 2025 e 2026, conforme indicado em um relatório do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC, na sigla em inglês).”

“A pressão sobre os custos da cadeia internacional de suprimentos está relativamente estável se comparada ao período da pandemia, mas ainda há volatilidade no custo de certas matérias-primas, dependendo do volume de demanda global. A cadeia de suprimentos no Brasil ainda convive com as dificuldades de picos de alta e baixa demanda”, diz Ramalho.

As empresas destacam que o mercado ainda enfrenta consideráveis desafios no Brasil, incluindo a elevada taxa de juros – embora a taxa Selic no Brasil tenha começado a cair -, a escassa disponibilidade de interconexão no Nordeste e os preços baixos de energia, fatores que têm gerado uma certa aversão ao risco por parte dos investidores.

Sobre este último ponto, o vice-presidente de marketing e vendas da Hitachi Energy, Glauco de Freitas, ressalta que existe um desafio significativo no setor de transmissão para escoar a produção de energia renovável do Nordeste ao mesmo tempo em que há uma crescente demanda global por equipamentos deste segmento. Segundo ele, o Brasil tem condições de suprir essa necessidade com fabricantes locais, mas precisa de mais planejamento.

Rodrigo Ugarte, vice-presidente de Compras e Cadeia de Suprimentos da Vestas na América Latina, destaca que, para que o mundo alcance as metas do Acordo de Paris sobre o clima, o setor precisa quadruplicar o número de instalações. Sob esta ótica, isso sinaliza um futuro promissor, apesar das atuais adversidades que requerem resiliência por parte da indústria.

“Estamos saindo de um momento inflacionário. Como resultado da pandemia e da guerra da Rússia-Ucrânia, chegamos a um platô da inflação. Algumas commodities, como o aço, tiveram uma leve redução nos preços, e também houve uma diminuição nos custos de frete internacional e nos preços dos contêineres. Por outro lado, a situação ainda não está tranquila. O barril do petróleo está com tendência de alta (no médio prazo). Podemos ver uma nova pressão da cadeia petroquímica e, quando a economia da China retomar, o preço dos minérios subirão também”, contextualiza o executivo.

Ugarte lembra que algumas outras commodities independem do crescimento do PIB global, pois são necessárias na construção da infraestrutura de descarbonização da economia que segue em expansão, e com isso continuarão com tendência sustentada de alta.

No contexto descrito, o Brasil desempenha um papel crucial, pois ocupa a sexta posição global em capacidade de geração de energia, com 26 GW de potência instalada, e busca alcançar suas metas na transição energética. Se por um lado, o mercado brasileiro dobrou de tamanho nos últimos anos; por outro, há poucos fabricantes com produção local para dar continuidade a isso.

Ao observar a história, o êxito do setor eólico se deve, entre outras coisas, a uma forte política estatal de incentivos. Mesmo assim, Ugarte critica os subsídios excessivos concedidos ao setor de geração distribuída por considerar danoso tais distorções no setor elétrico.

O segmento eólico busca ainda a regulamentação das atividades de energia eólica em alto-mar e um projeto de lei para o uso de hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis. Além disso, o recente anúncio de parceria entre a Petrobras e a WEG, para apoiar a cadeia produtiva da energia eólica, trouxe ânimo ao setor.