.
Bracell põe R$ 20 bi no Brasil e planeja mais
Fábrica em Lençóis Paulista é a mais moderna do mundo e consolida presença da RGE no país
FONTE: Valor Econômico
Os 144 metros da chaminé e os 102 metros da caldeira de recuperação do Projeto Star, que concebeu a mais moderna fábrica de celulose do mundo, não passam despercebidos a quem chega a Lençóis Paulista (SP), município a cerca de 250 quilômetros da capital. Inaugurada em setembro de 2021, a unidade, que é também a mais “verde” da indústria, consolidou a presença do gigante asiático Royal Golden Eagle (RGE) no país e a posição da Bracell como maior produtora global de celulose solúvel.
Nos últimos quatro anos, os investimentos no país da Bracell, produtora de fibras do grupo, somaram mais de R$ 15 bilhões. Há outros R$ 5 bilhões anunciados, elevando a R$ 20 bilhões o total de aportes executados ou planejados. E os desembolsos não devem parar por aí. No setor, a leitura é que a empresa já começou a se movimentar em preparação a futuras rodadas de expansão, potencialmente em Mato Grosso do Sul ou na Bahia.
A maior parte dos recursos foi destinada à fábrica “flex” no interior paulista, apta a produzir 1,5 milhão de toneladas por ano de celulose solúvel, usada na fabricação de viscose, ou até 3 milhões de toneladas por ano de celulose kraft de eucalipto (BEK). Marco de uma nova geração de fábricas, foi erguida em uma área de 1,6 milhão de metros quadrados, não usa combustíveis fósseis, é autossuficiente em energia limpa e gera um excedente de 150 a 180 megawatts (MW), que é exportado para o sistema e pode abastecer 750 mil residências. A empresa já tinha uma fábrica em Camaçari (BA), com capacidade de 500 mil toneladas anuais de fibra solúvel e especial.
.
.
Mas o projeto de crescimento da Bracell não se limita às fibras, que foram a porta de entrada do grupo RGE no país, há 20 anos, com a compra da antiga Bahia Specialty Celullose (BSC) e da Copener Florestal. No início deste ano, a empresa acertou a aquisição da OL Papéis, estreando no segmento de papéis de higiene e, há cerca de dez dias, deu início às obras da que será a maior fábrica de tissue da América Latina, também em Lençóis Paulista, com previsão de aporte de R$ 2,5 bilhões.
Empresa estuda um ramal ferroviário entre a fábrica e Pederneiras”
— Alberto Pagano
Ainda nesta rodada de investimentos, anunciou R$ 2,5 bilhões para construção de duas fábricas de químicos essenciais à produção da fibra. A partir de 2024, poderá ingressar no mercado de fertilizantes com a oferta de sulfato de potássio (SOP), ou utilizá-lo em suas operações florestais, obtido a partir do processo de tratamento dos efluentes da fábrica.
Fundada pelo magnata indonésio Sukanto Tanoto, a RGE tem sede em Cingapura e não divulga faturamento. Seus ativos, entre os quais a Asia Pacific Resources International (April), uma das maiores produtoras de celulose e papel do mundo, estão avaliados em mais de US$ 30 bilhões e englobam produção de viscose, de óleo de palma e de biocombustíveis, entre outras atividades. O empresário e a esposa, Tinah Bingei Tanoto, conhecem as operações brasileiras. Mas é Anderson Tanoto, um dos quatro filhos do casal, quem vem com mais frequência ao país.
Com pouco menos de 70 mil habitantes, Lençóis Paulista conhecia a indústria de celulose pelas mãos da antiga Lwarcel, vendida pela família Trecenti aos Tanoto em 2018 – pequena em relação aos demais produtores, como Suzano e Klabin, a empresa foi cobiçada por outros players, como a chilena Arauco e a portuguesa Altri -, e experimentou um salto de desenvolvimento com a chegada da Bracell.
De acordo com números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), no ano passado, Lençóis teve um saldo positivo de 2,7 mil registros em carteira. Destes, mais de 2,1 mil corresponderam a contratações pela produtora de celulose. A taxa de desemprego na região foi a menor desde 2015 e, hoje, dos cerca de 6 mil funcionários da Bracell-SP, 4,2 mil estão na nova unidade. No país, a empresa gera cerca de 10 mil empregos entre diretos e terceiros, nas atividades industriais, florestais e de logística em São Paulo, Bahia e Mato Grosso do Sul.Para acomodar clientes, fornecedores, empregados e acionistas da Bracell, a pequena cidade do centro-oeste paulista acabou ganhando, pelas mãos do grupo, um novo e sofisticado hotel, de bandeira Novotel. Na ala residencial do empreendimento, o “rooftop” é moradia dos Tanoto quando estão de passagem pela região. Na decoração e no cardápio, os detalhes remetem à origem oriental de seus investidores.
Desde o início de operação, as linhas A e B da nova fábrica fizeram duas campanhas de produção de celulose solúvel. Neste momento, estão dedicadas à celulose kraft. Um dos dados mais sensíveis, o volume produzido de cada tipo de fibra, não é revelado e a decisão sobre o mix é tomada de acordo com as condições de mercado e preço, e das necessidades do próprio grupo, que usa a celulose solúvel obtida em Lençóis para fazer viscose na Ásia.
60 mil funcionários a RGE tem em todo o mundo
Para garantir os recursos hídricos necessários à operação – a antiga Lwarcel operava com poço artesiano -, a Bracell construiu um duto de 22 quilômetros, que transporta água captada no rio Tietê. Segundo a empresa, é sua a marca de menor consumo específico de água para essa indústria em todo o mundo.
Para alimentar suas operações em São Paulo, tem mais de 200 mil hectares de plantio de eucalipto em áreas próprias, além das parcerias na modalidade de fomento e da compra de madeira de terceiros. A partir de 2021, expandiu as operações florestais para Mato Grosso do Sul, com sede administrativa em Campo Grande e unidade operacional em Água Clara.
“Hoje, entre 30% e 35% da madeira que usamos vem de terceiros”, diz o diretor florestal da empresa, Mauro Quirino. A Bracell está investindo R$ 180 milhões na região para elevar a capacidade de produção de mudas de eucalipto, com expansão do viveiro em Lençóis e construção de um novo viveiro em Avaí. No total, serão mais de 100 milhões de mudas por ano.
A celulose produzida em Lençóis segue por rodovia até o Terminal Intermodal de Pederneiras (SP), construído em parceria com a MRS Logística. São 35 quilômetros de distância, cumpridos por uma frota de 130 caminhões. Com a chinesa XCMG, a Bracell está testando o uso de um caminhão 100% elétrico, o primeiro com capacidade para 40 toneladas, para reduzir emissões nesta etapa do percurso.
Ao mesmo tempo, a empresa deu início aos estudos para potencial construção de um ramal ferroviário conectando a fábrica ao terminal de Pederneiras. Tanto a Malha Paulista quanto a Malha Oeste, que será relicitada, são consideradas opções neste caso. “Já fizemos a engenharia básica e estamos finalizando o EIA-Rima”, conta o diretor de logística da Bracell, Alberto Pagano.
Do terminal em Pederneiras, a celulose segue por ferrovia até Porto de Santos, numa viagem de três dias. As locomotivas são da MRS e a Bracell investiu em 530 vagões próprios. No porto, a produtora de celulose está investindo R$ 300 milhões, sem considerar a outorga, no Terminal Portuário Bracell (antigo STS 14A), já com capacidade para 3 milhões de toneladas por ano. As obras tiveram início em 2021 e devem ser concluídas em novembro.
É da Bracell um dos compromissos ambientais mais ambiciosos da indústria, o “um para um”. Até 2025, para cada hectare de eucalipto plantado, a empresa quer conservar ou recuperar um hectare de mata nativa. “Não temos nenhuma área que seja fruto de desmatamento”, diz o vice-presidente de sustentabilidade e comunicação corporativa, Márcio Nappo.
Os investimentos no Brasil estão mantidos, apesar dos desafios que o grupo vem enfrentando. No mais sério, a Bracell é alvo de ação civil pública, que questiona a legalidade da compra de imóveis rurais pela empresa de controle estrangeiro em certos municípios, em meio à corrida entre eucalipto e cana de açúcar por terras no interior de São Paulo. Ironicamente, as duas unidades da empresa em Lençóis estão cercadas por plantações de cana.
Na semana passada, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de todos os processos que tratem da compra de terras por estrangeiros até o julgamento final de duas ações relativas ao tema. Os negócios envolvendo a aquisição de imóveis rurais, propriamente, não foram afetados.
A repórter viajou a convite da Bracell