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Gás natural é, sim, o combustível da transição energética

UTEs asseguram a expansão de renováveis, ao garantir o abastecimento nos momentos em que o sistema necessitar de segurança e estabilidade, escreve Xisto Vieira Filho

FONTE: EPBR

A cada ano, o debate sobre transição energética ganha mais importância e espaço na sociedade, mobilizando governos, empresas, universidades e organizações sociais.

Essa discussão adquire ainda mais evidência durante as conferências mundiais realizadas pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) para discutir mudanças climáticas. Foi assim em 2015, com a COP21, onde foi assinado o Acordo de Paris, e mais recentemente com a COP27, que acabou de ser realizada no Egito.

Mudanças climáticas é um tema que hoje mobiliza o setor de energia, porque envolve o futuro dessa indústria e, principalmente, porque é sobre como fazer a referida transição da forma mais equilibrada possível. Por isso, precisa ser debatido com seriedade, zelo e a partir de dados confiáveis.

No Brasil e no mundo, há muita gente disposta a realizar esse debate com o rigor necessário. Mas, infelizmente, ainda existem atores e instituições que insistem em promover propostas sem os devidos embasamentos técnicos inerentes ao funcionamento do sistema elétrico.

Recentemente, um grupo de organizações não governamentais, criado durante a COP27, foi criado tendo como principal bandeira “excluir o gás natural como fonte de energia para a geração de eletricidade no Brasil”.

Segurança, estabilidade e controle

Para quem atua neste setor e sabe como funciona a operação do sistema elétrico, é preocupante ouvir proposições como essas, uma vez que fontes firmes e despacháveis, como são as termelétricas, garantem, além da segurança energética, dois elementos básicos referentes ao rede elétrica: a estabilidade e o controle de frequência e da tensão no sistema. Sem contar com essa base, o risco é a queda do sistema.

Será que, ao defenderem o fim do uso do gás natural, esses especialistas em mudanças climáticas levam em consideração o papel das usinas termelétricas (UTEs) na segurança elétrica e energética? Sabem quanto custaria ao consumidor interrupções de energia com blecautes? Quanto custa ao país um racionamento?

No ano passado, as termelétricas salvaram o país de um racionamento de energia. Alguém acredita que o Brasil está livre de passar outro período de crise hídrica como houve em 2021, o pior em 90 anos? E quando houver, como ficará o nosso sistema elétrico?

É fundamental observar que são essas UTEs que asseguram a expansão das fontes renováveis, também tão importantes, ao garantir o abastecimento nos momentos em que o sistema necessitar de segurança. Definitivamente, as térmicas são parceiras das renováveis e, portanto, da transição energética.

Por outro lado, deve-se registrar a excelência dos trabalhos que vem sendo realizados pelo Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (FMASE), os quais levam em conta de forma estruturada, na transição energética, os aspectos de menores custos, de mitigação dos impactos ambientais, e de maximização da segurança do sistema.

Além disso, dispomos de grandes volumes de gás natural no pré-sal e em diversos campos onshore ou offshore a serem ainda explorados. Uma riqueza que o Brasil não pode deixar de dispor.

E nunca é demais repetir: o setor elétrico brasileiro é responsável por apenas 2% de todas as emissões do país.

Um percentual que pode ser ainda menor, já que as térmicas “verdes” estão a caminho. Até no período entre 2032 e 2050, apontam os estudos, teremos UTEs movidas a hidrogênio verde (H2V), que, inicialmente, serão misturados ao gás natural, e, a partir desse ponto, serão capazes de aumentar a sua proporção de forma gradativa, com custos bastante competitivos.

Isso sem contar com os avanços nas tecnologias de captura de carbono (CCS), que vão reduzir a emissão das UTEs.

Em 2023, a Abraget vai promover um seminário sobre “Descarbonização com Segurança Elétrica e Energética”, onde queremos reunir especialistas de diferentes áreas e representantes de órgãos públicos para um debate aprofundado sobre o futuro do setor elétrico.

Nós, da Abraget, temos defendido como uma espécie de mantra que a matriz energética ideal é a que combina o menor preço, a maior segurança e um reduzido impacto ambiental. Por isso, queremos chamar a atenção da sociedade, dos agentes e de quem atua na definição das políticas públicas para a importância da segurança elétrica e energética no abastecimento quando se trata da transição energética.

O mundo já passou por algumas transformações como essa, e nenhuma foi feita de um dia para noite. É uma mudança profunda que requer planejamento e responsabilidade. Energia é a base da economia moderna, proporciona qualidade de vida e acesso a serviços básicos. É um serviço de utilidade pública.

Energia é um setor onde as decisões de hoje têm impacto no médio e no longo prazo. A fatura sempre chega. E a conta de não atuar com responsabilidade pode ser bem alta.

O exemplo da Europa

Haja visto o que está acontecendo agora na Europa. O continente deve enfrentar neste inverno e em 2023 uma das situações mais tensas no abastecimento das últimas décadas, devido a uma política de transição energética açodada que não deu o peso devido à segurança de abastecimento.

As manchetes do último dia 3 dezembro nos dois principais jornais da França deram o tom do que está para acontecer. As primeiras páginas do Le Monde e do Le Parisien, respectivamente, anunciaram: “Cortes de energia: as ameaças ficam mais claras” e “Cortes de energia: tudo o que você precisa saber para estar bem-preparado”.

O motivo principal dessa crise na Europa é exatamente a falta do gás natural, que era suprido pela Rússia, antes do conflito na Ucrânia. Esse é um filme que o Brasil não pode participar.

Eliminar o gás natural da transição energética é uma tese completamente equivocada e que pode ameaçar o futuro da segurança do fornecimento de energia à sociedade.


Xisto Vieira Filho é presidente da Associação Brasileira dos Geradores Termelétricos (Abraget).

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.