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Ritmo da regulamentação de eólica offshore no Brasil atrai investimentos
Decreto e portarias regulamentadoras vão viabilizar primeiro leilão de cessão de uso de áreas já em 2023
FONTE: Brasil Energia
Se depender da análise de investidores e demais interessados na fonte eólica offshore no Brasil, o caminho até agora traçado para desenvolver o mercado está correto e dentro do prazo esperado para o surgimento dos primeiros projetos.
Mais do que a grande quantidade de projetos em licenciamento no Ibama (66, com 169,4 GW) – que representam capacidade total irrealista e com vários pedidos sobrepostos – o otimismo se baseia na estruturação regulatória em andamento, que tem agradado e atendido as principais demandas do setor, a um ritmo considerado suficiente para o Brasil não perder a janela de oportunidade e entrar firme na “nova” fonte.
A regulação elogiada é o decreto 10.946/2022, publicado em 25 de janeiro deste ano, que disciplina a exploração de geração de energia elétrica offshore e cujo cronograma de regulamentação tem sido cumprido pelo MME, quase sem críticas dos investidores, muito por ter sido discutido com os agentes por meio de consultas públicas e reuniões.
Em linha com o cronograma, no dia 21 de outubro foram publicadas as Portarias 52/GM/MME e a Interministerial MME/MMA 03/2022. Publicadas de forma antecipada, já que o MME tinha até dezembro para essa fase regulatória, a primeira portaria traz regramentos complementares para cessão de uso de áreas offshore, para emissão das Declarações de Interferência Prévias (DIPs), além de delegar à Aneel as competências para firmar os contratos e atos necessários à sua formalização.
Já a segunda portaria dá as diretrizes para a criação do Portal Único de Gestão do Uso das Áreas Offshore, que por sua vez terá mais 360 dias para ser desenvolvido. Batizado pela sigla de PUG, trata-se de balcão único para acompanhamento do uso das áreas e da evolução dos projetos, considerado uma inovação bem-vinda para facilitar os processos.
Sinal adequado
De forma praticamente unânime, as duas portarias foram elogiadas pelos agentes do setor, refletindo o nível elevado de atendimento, acima de 80%, das 378 contribuições das Consultas Públicas 134/2022 e 135/2022, que avaliaram as duas primeiras propostas de portarias – há outros pontos ainda a serem regulamentados, com prazo até 30 de julho de 2023.
Para a presidente da Abeeólica, Elbia Gannoum, o instrumento infralegal, com o decreto e suas portarias regulamentadoras, se mostra suficiente para dar o sinal adequado para o investidor. “O decreto cria o ambiente favorável e a segurança necessária para os investimentos”, diz.
Segundo ela, além de estar abarcando as necessidades regulatórias, a vantagem do decreto é sua celeridade em comparação com a formulação de uma lei. Nesse caso, há projeto de lei hoje no Congresso, que regulamenta a exploração de energia offshore, de autoria do senador Jean Paul Prates (576/22), já aprovado no Senado Federal e que já foi enviado para apreciação na Câmara dos Deputados. Apensado ao PL 11247/2018, o projeto de lei tende a ter longo tempo de tramitação, ainda mais porque provavelmente voltará para o Senado para avaliar possíveis alterações na Câmara. “Um PL demora pelo menos dois anos”, disse Elbia.
Reforça essa visão favorável ao decreto a chefe da assessoria especial em assuntos regulatórios do MME, Agnes M. da Costa. Para ela, o instrumento infralegal tende a ser mais completo por ser feito de forma mais democrática, com discussão em consultas públicas com todos os agentes. E isso, ainda segundo Agnes, ao
contrário do que ocorre normalmente com os projetos de lei do setor elétrico, que acabam entrando em outros temas correlatos no Congresso (os chamados jabutis) e que “no fim, não se consegue vislumbrar exatamente como ele vai sair”, afirmou durante a última Brazil Windpower, em outubro.
Outra opinião favorável ao decreto é de Marcelo Frazão, sócio nas áreas de energia e recursos naturais do Campos Mello Advogados, para quem o decreto e as portarias trazem um arcabouço regulatório moderno para o país. “Embora ainda não tenha resolvido tudo, porque o direito regulatório está sempre em mudança, pelo menos já temos uma base para começar os projetos, a partir de leilões que podem até ser viabilizados no próximo ano”, diz. Para ele, em apenas um ano ouvindo todas as partes envolvidas, públicas e privadas, o desenvolvimento regulatório foi bastante acelerado.
Nem mesmo o fato de ter um projeto de lei tramitando em paralelo para o especialista é um problema. Isso porque, para ele, os dois instrumentos existentes – decreto e PL – não se diferem muito estruturalmente. “Apenas se houver algum conflito entre eles, vai prevalecer a lei, superior hierarquicamente, mas isso deve ser pontual”, diz Frazão. Nas muitas semelhanças, a principal é que ambos os instrumentos legais contam com mesmos tipos de modelos de acesso às áreas onde vão ser instalados os parques.
No caso, tanto o decreto regulamentado como o PL optam pela cessão planejada, quando o governo, por iniciativa própria, licita áreas marítimas estudadas para a exploração, e pela cessão independente, quando os investidores manifestam ao governo interesse em determinadas áreas, para que posteriormente, após estudos, elas sejam submetidas à leilão para que outros investidores também participem da concorrência pública.
Na análise de Frazão, aliás, a expectativa é a de que o País priorize nos primeiros anos a cessão independente, já que a dinâmica de os investidores mostrarem interesse é muito mais possível em razão dos estudos preliminares realizados para a entrada dos projetos em licenciamento ambiental no Ibama.
A única questão que pode gerar algum obstáculo é esse interesse dos investidores, pelas novas portarias, precisar ser expressado no portal único, o PUG, que tem 360 dias para ser elaborado pelo governo, o que pode dificultar a realização de um primeiro leilão no próximo ano. Nesse processo digital, os investidores precisarão obter as documentações com órgãos competentes para provar viabilidade de implantação dos projetos (DIPs), para avaliação da Aneel. A partir daí, sendo aprovado, elabora-se um leilão da área, com organização da agência.
Embora tenha esse caminho, a cessão independente tem menos complexidade do que a cessão planejada, que demandaria estudos do próprio governo, via EPE, com criação de corpo técnico e várias ações e pesquisas para delimitar áreas da União para serem ofertadas em leilão. Esse mecanismo de procedimento de manifestação de interesse, aliás já previsto na Lei de Licitações, por outro lado, tem potencial de ser mais rápido.
Etapas seguintes
O ritmo rápido da regulamentação até o momento tem promessa de ter continuidade, mesmo com a mudança de governo federal em 2023, tendo em vista ser parte da plataforma de campanha do presidente eleito o compromisso com as metas de descarbonização do País.
Há dois pontos importantes ainda pendentes de regulamentação, prometidos pelo MME de terem suas portarias concluídas até o prazo estabelecido pelo decreto, em julho de 2023. O primeiro é a definição da metodologia de cálculo da cessão de uso da área, que vai estabelecer o quanto o dono do projeto precisará pagar à União de bônus anual pela área concedida.
“Pela minha experiência regulatória, é muito interessante que esse bônus seja pela via infralegal, porque fica mais fácil calibrar o valor ao longo do tempo, ao contrário de uma lei”, disse Frazão.
O outro ponto importante que vai ser regulamentado é o da delimitação máxima das áreas (prismas) para os parques eólicos offshore. Além de organizar a cessão de áreas, esse ponto tem relevância para evitar comportamento especulativo em projetos.
Segundo a assessora técnica do departamento de planejamento energético do MME, Karina Souza, foi decidido deixar esses dois pontos para o prazo máximo de regulamentação por conta da especificidade e do impacto que esses dois pontos podem ter no setor.
“Vamos ter tempo para avaliar as opções de cálculo para cessão de uso, seus impactos, e considerar, no caso do limite da área, a preservação do bem da União sem deixar extensões muito grandes, para evitar especulação, mas sem limitar os projetos dos empreendedores”, afirma Karina. Os trabalhos serão feitos pelo MME em cooperação com a EPE e com a Aneel, na parte regulatória, agência que terá papel central na atividade eólica offshore.
Janela de oportunidade
A rapidez no desenvolvimento da regulamentação para eólica é apontada por investidores como fundamental. Como a fonte está em sua fase inicial também globalmente, há o temor de que a demora na definição das regras faça o Brasil perder a janela de oportunidades para os investimentos iniciais. Daí uma defesa praticamente unânime do decreto, em detrimento do mais longo trâmite do projeto de lei.
Esta é a análise, para começar, de Fernanda Scoponi, a responsável por desenvolvimento de negócios em eólicas offshore da francesa TotalEnergies, empresa já com 9 GW em três projetos com pedido de licenciamento no Ibama e que tem plano de chegar a 100 GW em projetos de renováveis em todo o mundo (recentemente a empresa formou joint venture com a Casa dos Ventos no Brasil).
A executiva trabalha com a expectativa de que o andamento da regulamentação do decreto de eólica offshore permita os primeiros leilões de cessão de uso em 2023. Para ela, a urgência se explica em razão de a cadeia de fornecimento global já estar limitada com os vários projetos em andamento em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos e na Ásia. “Hoje não há embarcação suficiente e a produção de turbinas está com baixa oferta. Quanto mais tempo demorarmos para dar o primeiro passo, maior vai ser o impacto no nosso mercado”, disse Fernanda durante a Brazil Windpower.
Compartilha da mesma opinião Diogo Nóbrega, o diretor da Copenhagen Offshore Partners (COP) no Brasil, o maior fundo estruturador do mundo de projetos eólicos offshore que também está por trás de quatro projetos em licenciamento no Ibama, com total de 7,2 GW, e responsável por mais de 3 GW de projetos em operação no mundo e mais 20 GW em desenvolvimento no mundo.
“Se essas leis para eólica offshore no Brasil demorarem mais dois anos para ficarem prontas, nós vamos perder a janela de investimentos e o País ficará para trás nessa indústria, cuja competição é global”, disse Nóbrega. Para ele, o ritmo dado pelo decreto, que pode tornar viável leilão já em 2023, pode atender a pressa para os investimentos.
Segundo Nóbrega, o problema já ocorre de início com os fabricantes de turbinas, cadeia muito limitada, principalmente entre os poucos capazes de produzir aerogeradores de grande porte, para offshore. “Eles já estão com o pipeline quase lotado, para começar a entregar em 2030, portanto está mais do que na hora de os projetos começarem a sair do papel”, afirma. A COP, braço para projetos offshore da Copenhagen Infrastructure Partners (CIP), tem aproximadamente US$ 29 bilhões sob sua gestão e meta de investir US$ 130 bilhões até 2030 em projetos eólicos offshore no mundo. Parte desses recursos está pronta para ser aplicada no Brasil, de acordo com o diretor da filial local.