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Crise energética vence ambição climática na COP27
Resultado de duas semanas de negociações no Egito, texto final é mais fraco que o da cúpula climática anterior
FONTE: EPBR
“Picos de emissões antes de 2025, como a ciência nos diz que é necessário? Não neste texto. Acompanhamento claro da redução gradual do carvão? Não neste texto. Compromisso claro para eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis? Não neste texto. O texto de energia? Enfraquecido nos minutos finais”.
Assim resume Alok Sharma, presidente da COP26 do Reino Unido (do ano passado), o resultado da COP27, encerrada neste domingo (20/11).
Para Alok, e tantos outros observadores, o resultado de duas semanas de discursos e negociações na cúpula climática das Nações Unidas foi um texto final mais fraco que o da conferência anterior em questões como energia e mitigação de emissões. The Guardian
Depois de atravessar um 2022 marcado por crises energética (em consequência da Guerra da Rússia) e climática (lembre-se das inundações no Paquistão, Nigéria e Austrália e secas nos EUA), a segurança no abastecimento — argumento do lobby fóssil e dos governos europeus no centro da crise — falou mais alto neste ano.
“A chamada decisão de capa da COP27 apenas repete, de forma mais diluída, aquilo que já havia sido acordado em 2021 em Glasgow: que o mundo precisa estabilizar a elevação de temperatura segundo a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris”, comenta o Observatório do Clima (OC).
Entre as organizações ambientais, o sentimento geral é de que a COP27 foi moldada pela presença de representantes dos combustíveis fósseis — convidados para participar do diálogo público, mas que pouco disseram abertamente nessas últimas semanas, apesar da presença em peso na conferência.
Ao mesmo tempo, grandes produtores de hidrocarbonetos, como Emirados Árabes e Arábia Saudita, conseguiram bloquear a linguagem que exigiria um plano para eliminar gradualmente o petróleo e o gás.
“Pressões de último minuto de potências petroleiras como a Arábia Saudita e a Rússia — cuja invasão da Ucrânia aumentou a insegurança energética no mundo e o uso de combustíveis fósseis — fizeram com que a menção de Glasgow a uma redução gradativa (“phase down”, no jargão dos diplomatas, que já era insuficiente) dos combustíveis fósseis fosse eliminada do texto”, explica o OC.
Fósseis inabaláveis
A declaração final “insta as partes” a acelerar a transição para “sistemas de energia de baixa emissão”, o que inclui “aceleração dos esforços para a redução gradual da energia inabalável a carvão e eliminação gradual dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”.
Uma decepção para quem tinha esperança de aumentar as ambições do acordo de Glasgow do ano passado, com redução gradual de todos os fósseis (e não só carvão inabalável).
Além disso, mantém espaço para os subsídios aos combustíveis fósseis, na medida em que apenas os “ineficientes” devem ser eliminados gradualmente.
“O que temos diante de nós não é um passo à frente suficiente”, disse o chefe de política climática da União Europeia, Frans Timmermans.
Mas a própria UE está no centro da crise energética, acusada de recuar em suas ambições ecológicas com importações de petróleo e GNL e extensão de vida útil de usinas a carvão, enquanto tenta lidar com a perda repentina de suprimentos russos. Forbes
Ao decidir por não levar a saída dos fósseis para o texto final COP, as 196 partes da Convenção do Clima jogam a transição para a posteridade, dizendo ao mundo que não estamos prontos ainda.
Energia limpa (ou quase)
Até mesmo o que poderia ser um avanço, chega com os flancos abertos.
Pela primeira vez, a decisão de capa lista a transição de energias renováveis – e sistemas de energia de baixa emissão — como uma forma de resolver a atual crise energética.
Mas, ao mencionar renováveis e baixa emissão sempre juntas, deixa espaço para que fontes fósseis como gás ainda tenham espaço nas estratégias de descarbonização.
Assim como alternativas fósseis associadas a tecnologias de captura de carbono e nuclear.
“A influência da indústria de combustíveis fósseis foi encontrada em todos os setores”, disse Laurence Tubiana, diretora executiva da European Climate Foundation e arquiteta do histórico Acordo de Paris.
“A presidência egípcia produziu um texto que protege claramente os Estados produtores de petróleo e gás e as indústrias de combustíveis fósseis. Esta tendência não pode continuar nos Emirados Árabes Unidos no próximo ano”. Bloomberg
E o 1,5°C?
Nas últimas horas, o acordo foi enfraquecido com a meta de 1,5°C relegada à seção de Ciência — na cúpula passada, ficou ao lado das soluções para a crise climática na seção de Mitigação.
Já os apelos para o pico das emissões globais até 2025 foram rejeitados por muitas nações que exportam petróleo.
“Chama a atenção a falta de destaque à necessidade de lutarmos pela meta de 1,5C do Acordo de Paris. A linguagem do documento final de Sharm El-Sheikh é menos contundente do que a usada na declaração do G20, divulgada na semana passada”, observa a WWF Brasil.
Colocar em posição de destaque a meta de limitar o aquecimento global do planeta a 1,5°C até o final do século daria um sinal claro de que nenhuma ação faz sentido sem esse objetivo.
O mundo já aqueceu 1,1ºC desde a chamada era industrial, e os cientistas apontam uma chance de 50% de chegar a 1,5°C em nove anos.
Ultrapassar esse limite significa um planeta com eventos climáticos tão extremos quanto desconhecidos.
Questões que ficarão para o ano que vem, na COP28, sem perspectiva de melhora: os anfitriões de 2023 são os Emirados Árabes Unidos, gigantes do petróleo e gás.
Pequeno passo em perdas e danos
No final, os quase 200 países concordaram com a criação de um fundo para perdas e danos aos países mais vulneráveis.
Um pequeno passo porque o mais importante também vai ficar para a COP28: definir quem vai colocar dinheiro no fundo e quem vai receber.
Por enquanto, tem um GT para desenhar o funcionamento do fundo e um reconhecimento de que alguém terá que se responsabilizar pelos danos climáticos em países pobres.
No último dia dos Diálogos da COP27, o jornalista da epbr Gabriel Chiappini conversou com Ricardo Baitelo (Iema) e Júlio Meneghini (RCGI) sobre o balanço da cúpula e expectativas em relação ao texto final. Assista no Youtube
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Para a agenda
22/11 — Nesta terça, a Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio) realiza seminário com a equipe de transição do governo eleito sobre os planos para os biocombustíveis nos próximos anos. A programação ocorre das 9h às 17h30, no Auditório Freitas Nobre, Anexo 4 da Câmara dos Deputados. Inscrições no link.
22/11 — O projeto H2Brasil promove, das 14h às 16h, o webinar Power-to-You: Mulheres no mercado de hidrogênio verde. O evento trará discussões sobre mudanças positivas para o cenário, além de conhecimentos e oportunidades para mulheres no setor de energias renováveis. Os interessados poderão acompanhar por este link.
23/11 — A Fundação Getúlio Vargas (FGV) lançará um Guia de boas práticas empresariais para metas de mitigação das mudanças climáticas durante fórum online nesta quarta.
25/11 — Na sexta, às 18h, a FGV EAESP realiza um webinar gratuito sobre o papel do Brasil diante da crise energética ocasionada pela Guerra da Ucrânia. O evento vai explorar como a dependência energética dos europeus ao gás russo vem afetando o cenário político europeu. Inscrições e mais informações no site da FGV.