Livre escolha tem de chegar ao consumidor de baixa tensão

FONTE: Valor Econômico

PL 414 precisa de ajustes pontuais para preparar o país para a transição energética

Passou da hora de o consumidor brasileiro de energia elétrica ter liberdade de escolha. O Projeto de Lei 414/2021, que discute a portabilidade da conta de luz e moderniza o marco regulatório do setor elétrico para ampliar o mercado livre, foi apontado como uma das prioridades do governo federal na agenda legislativa deste ano.

No Brasil, os grandes consumidores têm acesso ao mercado livre desde meados dos anos 90. Nesse ambiente, o consumidor e o fornecedor negociam entre si condições como o tipo de energia a ser contratada (renovável ou não renovável), prazo de suprimento, preço, formas de pagamento e eventuais flexibilidades. Em média, é possível reduzir os custos em cerca de 30%.

O PL traz conceitos e mudanças necessários à modernização do setor elétrico brasileiro. Todavia, há espaço para ajustes e três tópicos do texto merecem destaque.

No primeiro caso, o PL propõe que consumidores conectados em tensão inferior a 2,3 quilovolts (kV), também conhecidos como consumidores de baixa tensão (BT), não tenham direito ao desconto oriundo de usinas renováveis, como eólica, solar, biomassa ou hidráulica de pequeno porte, que lhes poderia garantir economia de 50% a 100% em tarifas como as Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição e Transmissão (TUSD/T). Atualmente o desconto pode ser usufruído por qualquer consumidor participante do mercado livre que adquira energia de fontes renováveis outorgadas com tal benefício.

Além disso, o desconto também é dado ao gerador por todo o período de outorga.

Com PL, usuários de contratos residenciais não terão acesso a uma prerrogativa que ajudaram a custear

A justificativa para limitar o benefício está em tentar diminuir o impacto na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), sua fonte de recursos. Mas esse impedimento não é razoável. É até mesmo injusto. Afinal, os consumidores de BT – categoria que inclui os contratos residenciais de milhões de brasileiros – não terão acesso a uma prerrogativa que até hoje ajudaram a custear. A principal fonte de recursos da CDE é a cobrança de encargos dos consumidores de energia: estes arcaram com 79% dos custos em 2021. Desse montante, os consumidores de BT pagam a maior parcela.

Vale mencionarmos, também, que o princípio da isonomia, constante na Constituição brasileira, garante o tratamento com igualdade de condições no processo de desenvolvimento e aplicação das leis. Por que, com a entrada dos consumidores de BT no mercado livre, essa regra deveria ser alterada? A resposta óbvia é que não deveria. No momento da abertura de mercado, é importante que todos os consumidores, inclusive na baixa tensão, que somos todos nós em nossas casas, tenham alternativas e possibilidades de livre escolha.

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Outra mudança trazida no PL diz respeito à autoprodução, ou seja, a geração de energia para consumo próprio. Esta é uma tendência no setor elétrico, que contribui substancialmente para a diversificação da matriz energética nacional. O modelo societário tradicional nesses projetos é o investimento de capital próprio para a construção da usina. Entretanto, mais recentemente, tem se tornado mais popular a estruturação de Sociedades de Propósito Específico (SPE) que possuem equiparação à condição de autoprodutor, garantindo a não incidência de encargos ao consumidor, apesar de ambos terem CNPJ distintos. A equiparação é válida somente para consumidores com carga mínima de 3 megawatts (MW).

O texto proposto pelo PL pretende acabar com projetos de autoprodução nos quais a usina de energia não esteja instalada no mesmo local do consumo, subindo o limite de carga mínima para equiparação para 5 MW. A única exceção para este limitante é para indústrias com carga mínima individual de 30 MW e, ainda neste caso, com economia restrita a apenas alguns encargos setoriais. Essa alteração vai em contramão ao incentivo dado até o momento pelo governo para a continuidade da expansão da autoprodução no país, restringindo as possibilidades de investimento da indústria brasileira em energia renovável.

Há ainda um terceiro ponto a ser discutido, que diz respeito ao papel das distribuidoras de energia. Hoje elas são as responsáveis pelo gerenciamento e aquisição da energia elétrica necessária para atendimento de todos os consumidores regulados a elas conectados. A compra do insumo acontece por meio de leilões regulados, realizados pelo governo. O custo desses contratos é rateado entre todos os consumidores da distribuidora e cobrado na fatura de energia por meio de tarifas.

Com a abertura de mercado, a base de consumidores atendidos pelas distribuidoras diminuirá cada vez mais, restando um custo de aquisição de energia maior para rateio.

Já é sabido que este cenário de sobrecontratação involuntária das distribuidoras irá acontecer e faz-se necessário adotar um cronograma de abertura de mercado breve e organizado, de modo a discutir o melhor tratamento para estes “contratos legados”.

O PL propõe um cronograma de 42 meses. Entretanto, com vistas a mitigar o aumento de tal custo de transição, a indicação de 36 meses seria um prazo exequível para que sejam procedidos os estudos e providências necessários ao processo. Adicionalmente, há de se considerar a possibilidade da criação de nova regra, pela qual os novos consumidores de energia pudessem optar por nascer livres ou regulados – essa alternativa já daria ao consumidor possibilidade de preços de energia mais competitivos, além de contribuir para a diminuição dos encargos oriundos da abertura de mercado.

O texto também mantém a obrigatoriedade, para as distribuidoras, de adquirir energia por meio dos leilões regulados. Uma vez que estamos seguindo para a abertura total do mercado, por que manter essa limitação? O ideal seria dar liberdade a todos os agentes do setor, incluindo as distribuidoras, cabendo ao Poder Concedente regulamentar essa possibilidade em prol de preços justos e, por que não, mais baixos aos consumidores atendidos por elas.

A iniciativa do Legislativo em discutir as premissas, tratamentos e prazos para a abertura de mercado de energia é excepcional e necessária para colocar o Brasil no mesmo patamar de evolução de mercados mais desenvolvidos como o europeu e o americano. A aprovação do PL 414 com ajustes pontuais deve colocar o Brasil no caminho certo, com o melhor tratamento às especificidades oriundas do setor e buscando garantir um crescimento sustentável, sem judicialização, e focado em políticas que preparem o Brasil para a transição energética que está em curso.