A Guerra e a energia, por Bruno Epiro Gruenbaum
FONTE:TN PETRÓLEO
Talvez o problema tenha começado ainda em 2012 quando as negociações para o ingresso da Ucrânia na União Europeia aumentaram, mas foram rechaçadas pelo governo de Viktor Yanukovych que era pró-Russia, o que gerou uma onda de protestos (o Euromaidan), e o Impeachment de Yanukovych, que teve que pedir asilo em Moscou.
Desde então, a Rússia de Vladimir Putin tem dado sinais de que não estava nada satisfeita com o fato da Ucrânia se aproximar do Ocidente. Afinal, a Ucrânia é literalmente o que separa a Rússia dos países membros da Otan.
Um desses sinais foi a anexação da Crimeia e o fomento de revoltas separatistas na região ucraniana oriental de Donbass em 2014. Em consequência, a ex-nação soviética recebeu sanções internacionais de ordem econômica da Europa e dos Estados Unidos, como proibição de empréstimos e restrição de investimentos que afetaram a economia russa, sem, no entanto, causar grandes estragos internos.
Essas sanções “brandas” provavelmente entraram no cálculo estratégico de Putin e foram levadas em conta quando ele resolveu dar um passo adiante e executar a invasão total da Ucrânia no dia 24 de fevereiro.
Outro fator que provavelmente entrou neste cálculo é a força que o país possui no setor energético.
Sabe-se que a Rússia é um dos maiores players globais, sendo detentora de uma das maiores reservas petrolíferas do mundo. O país possui a maior reserva de gás natural, produz diariamente 10,5 milhões de barris de petróleo (cerca de 8% da produção mundial) e faz parte ativa da Opep+. O hidrocarboneto é tão importante por lá que chega a representar quase 20% do PIB e mais da metade da receita de exportação.
E, sabe-se que grande parte de todo esse hidrocarboneto abastecia mercados da Europa, Oceania e China.
Na realidade a Europa é fortemente dependente dos recursos energéticos russos. A dependência é tão forte, que explica a relutância inicial da Alemanha em aplicar grandes sanções econômicas à Rússia após a invasão. Agora terá que buscar novas fontes de recursos.
Mas, novas fontes não serão fáceis de encontrar, e por isso a UE já se prontificou a conversar com grandes consumidores de hidrocarbonetos, como Japão, Coréia do Sul e China, para evitar práticas de mercado conflitantes e assim conseguir introduzir reservas mínimas de gás.
O bloco europeu deverá fomentar ainda mais a construção de novos projetos eólicos e solares, maximizar o uso de bioenergia e, com certeza, voltar a acreditar na energia nuclear (especialmente nos países ditos “pacíficos”). Esta guerra talvez tenha dado o impulso que faltava para os projetos de transição energética, mas que só serão viáveis à longo prazo. Afinal, projetos desse porte demoram a entrar em funcionamento. No curto prazo, o carvão poderá voltar à pauta dos europeus.
Para não haver falta ou mesmo explosão de preços do petróleo, a Agência Internacional de Energia (IEA) informou a liberação de 60 bilhões de barris de suas reservas, e deve liberar mais. Mas, no longo prazo, isso não será sustentável para o equilíbrio da oferta. A própria Opep+ já anunciou que vai ampliar sua produção.
No entanto, o valor do petróleo tem aumentado, com o barril do Brent atingindo quase US$130. Analistas do banco JP Morgan inclusive aventaram a possibilidade do barril alcançar US$ 185 no final do ano, a depender dos rumos da guerra.
O governo norte-americano divulgou sanções econômicas voltadas ao setor de petróleo russo. As medidas repressivas dizem respeito à tecnologia de refino e à troca de equipamentos de extração, o que deverá impactar apenas no longo prazo a produção russa. Isto poderá também afetar diretamente as prestadoras de serviço, até mesmo as americanas Halliburton e Baker Hughes.
Sobre planos que atinjam a Rússia no curto prazo, Biden afirmou que só bloqueará o petróleo se os ataques à Ucrânia se intensificarem. Afinal, não é interesse de ninguém diminuir o fornecimento global de energia. E o desespero por novas fontes seria tanto, que tratativas com o governo venezuelano teriam (re)iniciado, segundo reportagem do The New York Times.
Mas a palavra do presidente norte-americano não foi o suficiente para que as transações do setor fossem adiante. Grande parte do comércio de petróleo e gás com a Rússia está congelada por receio de dificuldades com logística de entrega e de meios de pagamento, além dos custos com seguro que cresceram nos últimos dias.
Quanto às majors, muitas aderiram aos boicotes globais, o que mostra que estão realmente preocupadas e valorizando suas agendas de responsabilidade social para com o mundo. Impressiona que mesmo tendo grandes ativos de boa qualidade na Rússia, preferiram se afastar dos negócios que têm por lá.
O mercado acionário tem precificado positivamente as empresas de petróleo em tempos de guerra, pois o valor do produto tem subido e as ações das companhias em geral têm tido vieses positivos. Mesmo aquelas que têm maiores proximidade com empresas russas e diversos ativos naquele país, como a Shell e a BP, não obtiveram perdas gigantescas de valor de suas ações desde a eclosão da guerra.
Esta reação positiva do mercado e a postura das grandes petroleiras demonstra que reputação é um ativo bastante valioso hoje em dia, mesmo na indústria petrolífera.
Outro ponto a ser considerado é a força que a China terá. Tendo em vista a dificuldade de exportar para outros locais, o vizinho do norte deverá posicionar todo o seu excedente para a China, que comprará petróleo e gás a preços baixos. Isso ainda deve demorar, pois apesar de serem vizinhos, logística é um problema. Porém, podemos esperar que a China comece a financiar a construção de gasodutos e oleodutos entre os países e que estes surjam em tempo recorde.
Dito isso, me encaminho para o Brasil
Se a Petrobras já vinha sofrendo pressão política antes da guerra devido aos sucessivos aumentos de preço do combustível e repasses recordes aos acionistas, a pressão deverá crescer ainda mais com o petróleo com potencial de ficar nas alturas. Lembrando que este é um ano de eleições, e inflação tem um peso enorme no voto das pessoas.
Por hora a companhia promete continuar adotando o poder de paridade internacional. Se bem que, segundo os cálculos da Abicom, o valor da gasolina já está defasado em 25% com o que seria, de fato, uma verdadeira paridade internacional.
Existirá também uma pressão extra de cunho político na Petrobras, relativa à nossa dependência hoje por fertilizantes russos que resultará em uma maior inflação no preço dos produtos agrícolas. Afinal, as pessoas podem esquecer, mas políticos em época de eleição não vão deixar de lembrar a todos os brasileiros que a companhia tinha parques de fertilizantes, mas os pôs à venda.
Outro ponto diz respeito à exportação pela Petrobras. O maior importador do nosso petróleo, a China, deverá conseguir hidrocarbonetos mais baratos (o motivo já disse aqui). Terá a Europa o mesmo apetite pelo nosso petróleo que os chineses no longo prazo?
Por enquanto essa guerra tem afetado de maneira positiva as ações da petroleira brasileira.
Sobre as outras petrolíferas atuantes no Brasil; o alto valor do petróleo deve ser um catalisador para que rapidamente elevem seus investimentos por aqui. Até mesmo com a possibilidade de algumas trazerem para cá seus recursos antes alocados para a Rússia, e/ou aumentarem sua participação no país via fusões e aquisições.
No longo prazo, se o preço alto persistir, o governo deverá apoiar e subsidiar novas fontes energéticas e tecnológicas. Na linha do que foi feito antigamente com o Próalcool.
Ao final, todas as questões do mercado de energia vão depender dos planos do Putin. O valor do petróleo, o futuro do setor e a economia global como um todo dependerão de fatores como extensão da guerra, da resposta do Ocidente e do tempo que os embates levarão. Pelo bem do mundo, espero que esse tempo seja o mais breve possível.