Hidrogênio Verde no Brasil: potencial global, desafios locais

Enquanto o mundo aposta na eletrólise, o Brasil possui uma rota estratégica para o hidrogênio verde e muitas vezes subestimada: a biomassa

FONTE: Movimento Econômico.

Por Luiz Piauhylino Filho*

O hidrogênio verde, de baixo carbono e seus derivados — como a amônia, o metanol e o SAF (Sustainable Aviation Fuel) — têm ganhado protagonismo nas discussões sobre o futuro da energia.

Com capacidade para descarbonizar setores pesados como transporte, siderurgia, fertilizantes e a indústria química, o hidrogênio é visto como peça-chave para uma economia climaticamente neutra.

E o Brasil, com abundância de fontes renováveis e uma agroindústria robusta, tem tudo para ser protagonista nesse novo mercado. Mas há um “porém”: potencial não basta — é preciso estratégia, tecnologia e política pública.

Onde estamos tropeçando?

Apesar de uma matriz energética limpa, o país enfrenta sérios desafios de infraestrutura. A produção de hidrogênio verde via eletrólise demanda enormes volumes de eletricidade renovável, e o sistema nacional — ainda carente em transmissão, subestações e armazenamento — não está pronto para suportar esse salto. Sem obras estruturantes, os projetos se limitam a pilotos e estudos.

Além disso, a dependência tecnológica externa preocupa. Equipamentos como eletrolisadores, compressores, sistemas de purificação e até tecnologias para termólise e pirólise de biomassa vêm, majoritariamente, da China, Europa e EUA. Isso torna os custos altos e compromete a segurança industrial do Brasil.

Outra barreira é a falta de incentivos industriais locais. Países como Alemanha, Austrália e Chile já estruturam pacotes robustos de fomento ao hidrogênio, com subsídios, isenções e metas de mercado. No Brasil, o ambiente ainda é incipiente — e investidores percebem o risco.

Biomassa: A vantagem competitiva brasileira

Enquanto o mundo aposta na eletrólise, o Brasil possui uma rota estratégica e muitas vezes subestimada: a biomassa. Fontes como etanol, biogás e resíduos agroindustriais permitem produzir hidrogênio com baixo carbono, sem sobrecarregar o sistema elétrico.

Mais do que isso: essa rota descentraliza a produção, integra-se a plantas industriais já existentes (como usinas de etanol) e abre caminho para derivados como metanol e SAF, que podem ser utilizados na aviação, transporte pesado e exportados como vetores energéticos.

Por que apostar na biomassa?

  • O Brasil é líder mundial em produção de biomassa renovável.
  • Pode gerar hidrogênio, CO2 Biogênico, metanol e SAF com baixa pegada de carbono.
  • Evita depender exclusivamente de eletrolisadores importados.
  • Tem potencial para criar polos regionais e gerar empregos qualificados

Sem política pública, não há transição energética

A transição para o hidrogênio não ocorrerá apenas por ação do mercado. É indispensável um marco legal claro, metas setoriais, instrumentos de financiamento e articulação com a política industrial. Sem isso, o Brasil pode perder mais uma janela estratégica para se posicionar globalmente.

Projetos de inovação verde precisam ser tecnicamente sólidos e economicamente viáveis. Sem modelo de negócio sustentável, correm o risco de virar experiências caras e isoladas. E mais: as cadeias de valor precisam ser realistas e adaptadas à realidade brasileira — respeitando a vocação regional, a infraestrutura existente e a capacidade tecnológica nacional.

O que o Brasil precisa fazer agora?

10 caminhos para transformar potencial em liderança:

1. Regulamentar o Marco Legal do Hidrogênio, com segurança jurídica e metas claras como serão distribuídos os incentivos fiscais criados pela Lei 14.948, de 2024.

2. Nacionalizar a cadeia produtiva, incentivando a produção local de eletrolisadores e tecnologias de biomassa.

3. Criar incentivos fiscais e linhas de crédito verdes, via BNDES, FINEP e fundos de inovação.

4. Fomentar P&D, com apoio a universidades, startups e centros de tecnologia aplicada.

5. Integrar o hidrogênio à política industrial, criando polos regionais com base em vocações locais.

6. Firmar acordos internacionais, para acesso a capital, transferência de tecnologia e mercados compradores.

7. Reconhecer o hidrogênio de biomassa como solução de baixo carbono, com certificação e contabilidade de emissões.

8. Modernizar usinas de etanol, biodiesel e biogás, para produção integrada de H₂, metanol e SAF.

9. Desenvolver biorrefinarias regionais, conectando agricultura, energia e logística.

10. Incluir a biomassa nos critérios de financiamento climático, com acesso ao Fundo Verde do Clima e outras fontes internacionais.

*Piauhylino Filho é presidente da H2 Verde, empresa luso-brasileira especializada em projetos de hidrogênio verde.