Sob o impulso do agronegócio, Centro-Oeste passa por onda de industrialização
Industrialização da região avançou 173% nos em 26 anos, ritmo bem acima que as outras do país
FONTE: Veja Negócios.
Uma revolução silenciosa está em curso no Centro-Oeste brasileiro. Em menos de uma década, a região conquistou seu espaço no mapa industrial do país, ultrapassando em 2015 a marca histórica de 5% do valor de transformação industrial (VTI) — indicador que aponta a concentração regional da produção — e alcançando 6% em 2022, segundo dados do IBGE. Embora ainda distante do Sudeste, que detém 61% do VTI — somente São Paulo responde por quase 35% —, o Centro-Oeste desponta como a região que mais cresceu industrialmente neste início de século XXI, com um salto de 173% no período de 1996 a 2022.
O segredo? A sinergia crescente entre campo e indústria. Para 2025, as projeções da consultoria Tendências apontam um crescimento de 2,8% no produto interno bruto do Centro-Oeste, impulsionado por um robusto avanço de 6% no PIB agropecuário — bem acima da estimativa de 2% para o PIB do país, segundo o Banco Central. A transformação dos recursos naturais em produtos de maior valor agregado tornou-se o motor dessa economia em expansão. “As indústrias de alimentos, celulose e biocombustíveis vêm mostrando desempenho econômico importante e apresentam perspectiva positiva para os próximos anos”, diz a economista Camila Saito, sócia da Tendências. Juntos, esses três setores representam 70% da produção industrial da região, com destaque para o processamento de alimentos, que responde por 46% — três vezes a média nacional, de 15% de participação.
Em solo goiano, que contribui com 44% do VTI regional, nasceu um gigante: a JBS. Partindo da então pequena Anápolis, a produtora e processadora de carnes cresceu a ponto de movimentar hoje 46 bilhões de reais apenas no Centro-Oeste — o equivalente a 2,4% do valor do PIB regional, segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Desde a fundação, em 1953, o grupo se expandiu para 35 cidades em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal — além de ir para fora da região. “O Centro-Oeste é fundamental para a produção agroindustrial e para o crescimento sustentável da JBS como um todo”, diz Renato Costa, presidente da Friboi, uma das unidades do grupo. A área concentra os maiores rebanhos do país, com Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul somando um terço do total nacional. “Temos na região grandes parcerias com produtores altamente eficientes e sustentáveis, que adotam tecnologia de ponta e entregam muita qualidade”, afirma Costa.
Mato Grosso do Sul escreve sua própria história de sucesso ao se consolidar como um polo de produção de celulose. Desde 2009, quando a primeira fábrica da Votorantim (hoje pertencente à Suzano) iniciou operações em Três Lagoas, o estado se transformou em líder nacional do setor. A chegada da Eldorado Brasil e a construção de mais duas unidades da Suzano elevaram a capacidade produtiva para 7,5 milhões de toneladas anuais. E o futuro promete mais: investimentos de 75 bilhões de reais anunciados por Eldorado, Arauco e Bracell devem adicionar 8,9 milhões de toneladas até 2028. O processamento da matéria-prima do papel já representa 21,8% do VTI sul-mato-grossense, ficando atrás apenas da fabricação de alimentos, com 33,6%.

O Centro-Oeste também se destaca na corrida dos biocombustíveis. Em uma década (2014-2023), a região evoluiu de 27,5% para 41,5% da produção nacional de etanol, enquanto o Sudeste recuou de 59,5% para 48,5%, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Uma das explicações para isso vem da introdução do milho como opção à cana-de-açúcar. No ano passado, 21% do volume de etanol brasileiro foi feito de milho — 7,7 bilhões dos 36,8 bilhões de litros. Mato Grosso, maior produtor de milho do país, lidera com 70% do etanol derivado do cereal. No biodiesel B100, gerado com óleos vegetais e gorduras animais, a região já fabrica 3 bilhões de litros anuais (40% do volume nacional), mas tem capacidade instalada para dobrar a produção.
“Ecossistema perfeito”
Bruno Serapião, presidente da Atvos, cita a fartura de terras e a alta produtividade agrícola como alguns dos motivos que determinaram a decisão de estabelecer sete das oito unidades da empresa no Centro-Oeste. “Existe uma grande área de pastagem degradada que permite a expansão do plantio sem desmatamento”, diz Serapião. A Atvos investe mais de 600 milhões de reais por ano em plantio e moeu 26 milhões de toneladas de cana em 2024, transformada em açúcar e etanol. O bagaço da cana vira a biomassa que gera até 4,2 gigawatts-hora de energia elétrica. “O Centro-Oeste tem um ecossistema perfeito, que alia pessoas, terras produtivas, meio ambiente, apoio governamental, estabilidade institucional e uma base tecnológica diferenciada para o agronegócio”, afirma Serapião.

Na região, o IBGE identifica um perfil de unidades agroindustriais com uso intensivo de tecnologia e potencial exportador. Além dos setores de alimentos, biocombustíveis e celulose, destaca-se a indústria química em Goiás e Mato Grosso, voltada para a produção de fertilizantes. Porém, o Brasil ainda depende da importação desse insumo — cerca de 85% do que é utilizado pelos agricultores vem do exterior. Essa carência é apenas um dos desafios da economia local. O economista Murilo Pires, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), observa que a dinâmica da economia da região se baseia em setores ligados a recursos naturais, políticas de incentivos e benefícios fiscais. Para que uma industrialização mais robusta se concretize, será necessário integrar melhor os setores de bens de consumo duráveis, não duráveis e de bens de capital.
O crescimento industrial das últimas décadas reflete o dinamismo das cadeias produtivas internacionais, especialmente do bloco formado por China, Hong Kong e Macau, que absorve 30% das exportações do agronegócio brasileiro. Pires aponta outro desafio: o impacto da reforma tributária sobre futuros investimentos. “Os programas de incentivos fiscais implementados desde os anos 1980 foram cruciais para atrair investimentos e impulsionar o crescimento industrial”, diz o economista. “Agora, os governos estaduais precisarão desenvolver novos atrativos, além dos benefícios fiscais e tributários, para manter e atrair novos investimentos.”
A expansão industrial também exige uma força de trabalho cada vez mais qualificada. O Observatório Nacional da Indústria, uma rede de pesquisa das organizações empresariais, projeta a criação de 207 000 novos empregos na agroindústria do Centro-Oeste até 2027, distribuídos entre Goiás (85 000), Mato Grosso (65 000), Mato Grosso do Sul (42 000) e Distrito Federal (15 000). No setor de carnes, por exemplo, as crescentes exigências internacionais de sustentabilidade e segurança sanitária levaram ao aperto das regras brasileiras de rastreabilidade bovina, que se tornarão obrigatórias para todos em 2027.
“A agroindústria de hoje não é mais a mesma do passado”, resume Marcio Guerra, superintendente do Observatório. “Especialmente nos últimos três anos, observamos uma integração cada vez maior de tecnologia no setor, seja em busca de maior produtividade, seja para atender às exigências comerciais.” Como em toda revolução, os desafios são constantes, mas o Centro-Oeste tem mostrado, até agora, capacidade de transformar obstáculos em oportunidades de crescimento.