Petrobras retoma operação de salvamento da Unigel por pressão de ‘Clube da Bahia’

Grupo de políticos da Bahia têm pressionado pela retomada de fábricas de fertilizantes arrendadas à empresa pela petroleira no estado

FONTE: O Globo.

Depois de ter um contrato de quase R$ 800 milhões com a empresa de fertilizantes Unigel cancelado por uma série de irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a Petrobras trabalha em um novo acordo com empresa baiana, que está em recuperação judicial.

O contrato, pelo qual a Petrobras abre mão de um pleito judicial de R$ 1,4 bilhão e ainda paga R$ 200 milhões para a Unigel voltar a operar as plantas de ureia e amônia, chegou a ser pautado para a reunião do conselho de administração desta sexta-feira (28), mas foi retirado de pauta na noite de quinta (27).

Na prática, o acordo representa um salvamento da Unigel, que arrendou as fábricas da Petrobras em 2020, quando a petroleira decidiu sair do setor de fertilizantes, e as desativou em 2023, após uma série de prejuízos provocados por uma alta no preço do gás natural (matéria-prima), acompanhada de uma queda nos preços da ureia e da amônia.

No novo modelo de negócio, a Petrobras pagaria à Unigel como prestadora de serviços. É um esquema diferente do denunciado pelo TCU, em que a petroleira forneceria o gás em troca do produto final em uma modalidade por encomenda – o chamado tolling – que daria prejuízo de R$ 500 milhões a Petrobras.

Ainda assim, funcionários e integrantes da cúpula da Petrobras tem manifestado várias objeções ao acordo.

A primeira é a Petrobras abrir mão do R$ 1,4 bilhão que pede numa arbitragem com a Unigel, que por sua vez diz ter a receber R$ 952 milhões por conta dos prejuízos que teve com o fechamento das fábricas. De acordo com os pareceres internos da companhia, as chances de a Petrobras ganhar a arbitragem são altas, mas as chances de receber seriam pequenas porque a Unigel esta em recuperação judicial.

O que a diretoria sugere ao conselho é que, além de desistir da arbitragem, a diretoria ainda resgate a Unigel em condições que também provocam grande desconforto interno – como, por exemplo, o fato de o contrato para a opração das fábricas ser feito sem licitação e com uma empresa em recuperação judicial – aspecto que a deixaria fora da disputa em uma concorrência regular. Outro ponto de estresse é a duração do contrato, por cinco anos.

Um dos conselheiros, o minoritário Juca Abdalla, já teria inclusive votado contra o acordo nas discussões prévias no comitê de investimentos, e ele não é o único disposto a reprovar o negócio.

Foi por causa dessa resistência interna que a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, decidiu adiar a discussão prevista para esta sexta-feira.

Tudo indica, porém, que se trata apenas de um recuo estratégico, já que a determinação da CEO é aprovar o acordo de qualquer forma – orientação que, nos bastidores da Petrobras, é tida como fruto da pressão do “Clube da Bahia” – um grupo de políticos baianos que desde o início da gestão Lula trabalha para salvar a Unigel.

Além do ministro da Casa Civil, Rui Costa, que é baiano e do PT, também teriam interesse no acordo o senador Otto Alencar (PSD-BA) e seu filho, o deputado federal Otto Alencar Filho (PSD-BA), que chegou a apresentar uma lei prevendo a destinação de recursos da União para a subvenção do preço do gás natural para fomentar a produção de ureia e amônia. O líder do governo no Senado Jaques Wagner, também do PT da Bahia, é apontado na Petrobras como outro membro do “clube”.

O grupo Cigel Participações, que controla a Unigel,é um generoso doador das campanhas petistas. Em 2022, o dono, o belga naturalizado brasileiro Henri Armand Slezynger, doou R$ 200 mil para a campanha do governador Jerônimo Rodrigues (PT).

No mesmo ano, recebeu das mãos de Rui Costa, que antecedeu Jerônimo no cargo, o título de cidadão baiano. Slezynger é também amigo pessoal de Jaques Wagner.

Desconfiança com cálculos

O novo arranjo entre a Petrobras e a Unigel já foi aprovado pela diretoria da petroleira. Mas, como envolve abrir mão de uma quantia maior do que R$ 300 milhões, precisa passar pelo conselho.

Apesar de o pacote de documentos produzido para embasar o acordo ter cerca de 40 anexos, nos bastidores da companhia há forte desconfiança quanto aos cálculos feitos para justificar o negócio.

Foram desenhados três cenários pertinentes ao futuro das plantas da Unigel: não fazer qualquer acordo no tribunal de arbitragem internacional e mantê-las com a empresa (prejuízo de R$ 22 milhões); contratar diretamente a Unigel – ou seja, sem licitação – para a operação das fábricas por até cinco anos (lucro de R$ 342 milhões); ou abrir uma licitação para definir a nova operadora (lucro de R$ 271 milhões).

Esses números estão em documentos internos da companhia e foram obtidas com exclusividade pela equipe do blog. Mas não fica claro como essas cifras foram calculadas, e nem de que forma uma uma nova licitação que garanta ampla competitividade entre as empresas interessadas no negócio custaria mais para a estatal do que manter o arrendamento à Unigel.

Questionamos a petroleira como se chegou a essa vantagem, já que o operador da fábrica não interfere nem no preço do gás, principal matéria prima, e nem no valor dos fertilizantes, que é definido no mercado internacional.

Fontes da companhia informam que a única justificativa para essa diferença seria o fato de que, com a Unigel, a planta entraria em produção em julho, e, caso seja feita a licitação, as fábricas só começariam a funcionar em outubro. Não se sabe, porém, por que uma licitação desse genero poderia demorar mais do que seis meses – e nem que garantia a Petrobras tem de que a Unigel colocaria a fabrica para funcionar no prazo previsto.

Em resposta às nossas perguntas, a Petrobras informou apenas que firmou em outubro passado um acordo de confidencialidade para analisar os contratos com a Unigel e “”encontrar uma solução definitiva, rentável e viável para o fornecimento de fertilizantes ao mercado brasileiro” . “Conforme o Plano de Negócios 2025-2029, a Petrobras prevê retomar atividades no segmento de fertilizantes, visando agregar valor por meio da produção e comercialização de produtos nitrogenados, alinhando-se à cadeia de produção de petróleo e gás natural e à transição energética”, diz a nota enviada pela empresa.

TCU: Prejuízo e Petrobras ‘ilógica’

O contrato controverso firmado entre a Petrobras e a Unigel expirou no ano passado, mas não chegou a entrar em vigor. As tratativas, que ocorriam desde dezembro de 2023, foram congeladas depois da divulgação pelo blog de um duro relatório da unidade técnica do TCU responsável por petróleo e gás, a AudPetróleo.

Os técnicos alertaram que o contrato não só acarretaria em um prejuízo de R$ 487 milhões para a petroleira, como também representou um “drible” nas instâncias internas da companhia.

Os técnicos do TCU viram indícios de desvio dos padrões de governança pela então direção da Petrobras em função da apresentação “meramente formal” de “posicionamentos frágeis e superficiais” a favor do contrato com a Unigel pelas instâncias de controle envolvidas, “apenas no sentido de justificar uma escolha ou uma decisão já tomada”.

Em função de “tamanha fragilidade das justificativas apresentadas”, os auditores defenderam à época a apuração do que “de fato tem motivado a Petrobras a defender quase que ilogicamente um contrato com uma empresa em recuperação extrajudicial e devedora de quase R$ 90 milhões (na época) à companhia, cujo resultado tende a ser um prejuízo econômico de quase meio bilhão de reais”.

O tamanho do prejuízo levou, inclusive, os técnicos a especularem “a possibilidade de fraude passa a ser uma investigação necessária”, uma vez que “a fraude pode envolver o ato de burlar os controles internos, conluio, falsificação, omissão ou representações falsas intencionais”.

Ao final das apurações, o TCU confirmou em agosto de 2024 que o contrato continha uma “série de irregularidades”. O caso foi relatado pelo ministro Benjamin Zymler, que à época destacou em seu voto que a avaliação econômica do acordo “apresentou-se enviesada, considerando riscos e oportunidades que não deveriam ter sido levados em conta e subestimando outros elementos”.

Zymler ainda alertou na sessão:

“Espero que esta Corte de Contas não se defronte novamente com a situação descrita acima e que tais fatos sirvam de alerta à atual gestão da Petrobras”.

Pelo visto, pouco adiantou o aviso.

Procurado pela reportagem, o senador Otto Alencar disse desconhecer a existência de um “Clube da Bahia” e que não tratou sobre a Unigel ou interesses da Petrobras com Rui Costa.

“Desconheço esse tal ‘Clube da Bahia’. O único clube do qual faço parte aqui é o Esporte Clube Vitória, que está na série A do Campeonato Brasileiro”, declarou o parlamentar.

“As minhas atribuições se resumem à Comissão e Constituição e Justiça do Senado Federal”.

Nem a Unigel, e nem o ministro da Casa Civil responderam às perguntas enviadas. O espaço está aberto para manifestação.