Waldeck Ornélas – A energia do nordeste

FONTE: Bahia Econômica.

Quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) aponta que o crescimento da geração de energia por meio de painéis solares traz riscos efetivos de apagões, provocados por sobrecarga em subestações de transmissão de energia elétrica, a resposta não pode ser nunca a limitação à geração descentralizada, como é comum acontecer em um país que trata cada problema setorialmente, se é que geração de energia em uma matriz que opera no limite é problema.

O que o “problema” nos traz à mente é a necessidade de uma política para incrementar – isto sim – o consumo de energia no Nordeste, a região com melhor desempenho no Brasil na geração de energias limpas e renováveis.
Segundo o ONS, o início de um apagão corrido em 2023 “foi consequência do desempenho dos parques eólicos e fotovoltaicos observado em campo ter sido inesperado”.

O chamado fluxo reverso – que tanto amedronta o ONS – se estabelece quando o excesso de energia gerada e não usada pelos consumidores residenciais e comerciais faz o caminho inverso, ou seja, a energia em vez de fluir da transmissora para a distribuidora, passa da distribuidora para o sistema de transmissão. O ONS aponta que a micro e minigeração distribuída (como são chamados os painéis solares em residências e comércios), e as usinas solares tipo 3 (estruturas mais complexas, mas também descentralizadas) têm hoje um total de capacidade instalada de 53 GW, o que representa mais de um quinto (22%) da capacidade instalada em todo o país. Alvíssaras!

Não parece mais apropriado concluir que o ONS não se preparou para o avanço na geração de energias renováveis, produzidas pincipalmente no Nordeste? A solução deve ser não produzir mais energia? Que país é este?

Deve o Nordeste – região pobre e populosa – ser punida por isto? Não! Ao contrário, apresenta-se aqui oportunidade ímpar, proposta pela própria natureza, para a promoção do desenvolvimento dessa macrorregião brasileira.
Era só o que faltava: agora que o Nordeste tem, como dádiva da natureza, a capacidade de produzir energia de forma elástica, contribuindo significativamente para a transição energética, isto vira agouro por parte daqueles que não dão conta de sua missão institucional e precisam colocar a culpa em alguém.

O país devia agradecer por isto. Mas não é o que ocorre. A solução apontada pelo setor elétrico é a construção de linhões para transferir a energia gerada para o Centro-Sul.

Querem condenar o Nordeste ao modelo paraguaio em relação ao excedente de energia de Itaipu. A diferença é que o Paraguai, país soberano, está cuidando de consumir a energia gerada. Mas o Nordeste – uma região que abrange nove dos vinte e seis estados brasileiros – não tem autonomia para tomada de decisões desta natureza e magnitude. Depende de políticas da União Federal. E essas políticas, formuladas setorialmente, têm sido operadas contra o Nordeste.

Esta “crise” não é de energia. Reflete, isto sim, a falta de política pública para o desenvolvimento regional. E isto não se resolve, é claro, no âmbito do setor de energia. Se esta energia é tanta, para ela não ficar passeando pelo sistema gerido pelo ONS, a solução é simples: estimular o seu consumo próximo à geração. E este lugar é o Nordeste! O que estamos esperando?

O governo federal, através do MDIC, do MIDR ou da SUDENE, ou a própria região, através do Consórcio de Governadores do Nordeste, precisa tomar a iniciativa de elaborar um plano – a se tornar política pública – que leve a um novo ciclo de desenvolvimento da Região, baseado na disponibilidade elástica de energias renováveis, para acionar indústrias e serviços, tendo a cascata do rio São Francisco como referência para a energia de base.

Porque não induzir a localização, no Nordeste, de data centers – tão importantes para o setor de telecomunicações – que aqui funcionariam à base de energias limpas e renováveis?

Porque não associar o consumo de energias renováveis ao aproveitamento dos recursos minerais do Nordeste, promovendo a sua descarbonização, para agregar valor às exportações?

Porque não promover a implantação de uma indústria moderna, descarbonizada, tecnológica e inovadora, construindo a solução que vem sendo buscada desde a criação da SUDENE?

A hora é esta, para resgatar o Nordeste, afastando-a da sina histórica da pobreza, principalmente quando, ocorrendo no sofrido semiárido, a geração de energias limpas permite a desconcentração da economia nacional, o que a industrialização subsidiada da segunda metade do século passado não conseguiu realizar.

O que estão esperando os nossos governadores, deputados e senadores, as universidades, as entidades empresariais, as associações profissionais?

O Nordeste precisa se mexer, para defender os interesses de sua população. Já está visto que, se a natureza oferece esta oportunidade, não é no setor de energia que se encontrará a sensibilidade necessária para construir o caminho do desenvolvimento regional.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.