Com excesso de oferta de energia, elétricas puxam o freio em renováveis

Preços voláteis e cortes de geração levam empresas a priorizar segmentos mais seguros

FONTE: Valor Econômico.

Empresas do setor de energia estão reavaliando investimentos em geração e direcionando os recursos para segmentos mais conservadoras e previsíveis, devido ao excesso de oferta no Brasil; à forte volatilidade dos preços, que compromete a viabilidade de novos projetos renováveis; e aos cortes de geração impostos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) devido à baixa demanda.

Essa instabilidade do mercado, agravada por subsídios e alocação ineficiente de recursos, tem levado empresas a adotar postura mais cautelosa. Foi o caso da francesa EngieCotação de Engie, que não tem mais interesse em investir em novos projetos de geração renovável (“greenfield”) no momento, diante dos baixos preços no mercado de eletricidade, que não são vistos como suficientes para viabilizar empreendimentos do zero.

Segundo o CEO Eduardo Sattamini, a empresa tem aumentado a participação em outros setores, como transmissão de energia, a fim de ter mais equilíbrio entre as fontes de receita. O segmento é o mais seguro do setor, totalmente regulado e o vencedor dos leilões ganha um contrato de 30 anos indexado ao IPCA, sem risco de inadimplência. Diante desse cenário, a Engie deve aproveitar oportunidades como a aquisição de projetos contratados, que ofereçam menor risco e melhor previsibilidade de receita.

“Para garantir o crescimento a longo prazo, é fundamental fazer uma gestão eficiente do portfólio, mantendo um balanço saudável entre fontes de receita e mitigando riscos, especialmente em um ambiente volátil”, afirma. Na Engie, segue o executivo, o portfólio de geração de 9,6 GW de capacidade instalada própria 100% renovável é composto, majoritariamente, por fontes hídricas e em fontes complementares, como eólica e solar. “Além disso, possuímos linhas de transmissão que apoiam no escoamento da produção de energia dos centros produtores para os centros consumidores”, diz Sattamini.

A portuguesa EDP é outra que apontou uma mudança de rota. Em dezembro, o CEO da empresa, João Marques da Cruz, disse a jornalistas que a companhia não pretende investir em novos ativos de geração de energia nos próximos anos, pois não há demanda suficiente e os preços estão baixos.

Quem é que vai investir se não há a certeza de que vai conseguir vender a energia?”

— Nivalde de Castro

A empresa investiu em uma planta de hidrogênio, mas admitiu que não é um negócio rentável sem subsídios para o desenvolvimento da tecnologia no Brasil. Agora, o foco se volta para os segmentos de distribuição e transmissão, com investimentos previstos de R$ 11 bilhões ao longo dos próximos cinco anos. Procurada, a EDP não quis dar mais detalhes.

No caso da AurenCotação de Auren, a empresa decidiu desenvolver o projeto Cajuína 3, integrante do complexo Cajuína (1 e 2). Entretanto, tanto por questões estruturais quanto conjunturais, a expansão do parque eólico de Tucano 2 permanecerá em espera. Além disso, o foco principal é desalavancar a empresa após a aquisição da AES.

“Não temos avançado no primeiro momento [em projetos novos], o foco da companhia é Cajuína 3 (…) A partir de 2027, a gente volta a analisar. Deixamos de fazer Tucano 2”, disse o CEO da empresa, Fabio Zanfelice.

A abundante oferta de energia, sem planejamento e impulsionada por subsídios, tornou-se um desafio para o país, que agora não consegue absorver esse excesso. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que a matriz elétrica teve aumento de 10,9 GW em 2024, maior expansão da série histórica. Desse total, mais de 90% da potência instalada veio das eólicas e solares. Para 2025, o ritmo será parecido.

Este forte crescimento da capacidade de geração de energia no Brasil nos últimos anos – muito superior ao aumento da demanda – inviabiliza novos projetos. A Galp desistiu de desenvolver projetos de geração solar previstos em sua carteira no país.

Neste contexto, a tarifa para o consumidor continuará subindo por conta dos subsídios e encargos setoriais, contratação de energia acima da necessidade, custos com térmicas para dar estabilidade ao sistema, entre outros custos.

“Quem é que vai investir se não há a certeza de que vai conseguir vender a energia? A geração distribuída nos centros consumidores e nas residências produz tanta energia que desloca esses empreendimentos, que têm contrato, mas não conseguem cumprir. Não conseguem vender porque eles são cortados”, explica o professor Nivalde José de Castro, coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ.

Nesse caso, o problema são os cortes de geração renovável feitos pelo ONS, conhecidos como “curtailment”. Isso acontece quando a produção de energia é superior à capacidade de transmissão ou de consumo. “A origem da crise do setor elétrico é a micro e a mini geração distribuída, que fazem uma ‘corrida do ouro’ em busca de subsídio”, critica Nivalde.

A canadense Brookfield investe no setor elétrico brasileiro, mas tem reavaliado sua estratégia. A Elera, braço de geração da gestora, tem sofrido com os cortes do ONS. A situação traz prejuízo a diversas companhias, impacta o valor de mercado das empresas e prejudica a capacidade de captarem recursos no mercado. A gestora avalia novas rotas de investimento como combustível de aviação (SAF), reflorestamento e biogás. Procurada, a Brookfield não quis comentar.

A presidente executiva da Abeeólica, Elbia Gannoum, destaca que o excesso de subsídios e a queda da contratação de novos projetos desde 2022 trouxeram perdas ao setor. “2024 foi o nosso primeiro ano de baixa. Em 2023, batemos recorde de instalação, com 5 GW. No ano passado, instalamos 3,3 GW de energia eólica (…) Em 2025, serão cerca de 2,8 GW”.

Gannoum avalia que novos segmentos poderiam absorver essa oferta de energia, como data centers e a produção de fertilizante e hidrogênio verdes.

A desistência de empresas em novos projetos de energia renovável gerou um efeito cascata que tem levado à desindustrialização na cadeia eólica brasileira. A GE Renewable Energy anunciou a suspensão da produção de novas turbinas no Brasil. Siemens Gamesa e WEGCotação de WEG paralisaram operações para ajustar sua estrutura produtiva e LM Wind Power fechou uma fábrica de pás eólicas.

A PetrobrasCotação de Petrobras era considerada a indutora da retomada do setor no Brasil e chegou a fechar parceria com WEG para apoiar a cadeia produtiva do setor eólico. A empresa disse que estudava a aquisição de projetos renováveis operacionais (“brownfield”), mas nada saiu do papel até o momento. Questionada sobre a tendência de as petroleiras desinvestirem em renováveis, a Petrobras disse que aumentou os aportes em baixo carbono em seu plano de negócios, ainda que a maior parte dos investimentos seja para óleo e gás.

No cenário internacional, grandes petroleiras têm redirecionado investimentos para mercados mais previsíveis ou para segmentos com maior rentabilidade. A Shell suspendeu novos investimentos em eólicas no mar (offshore), a partir de uma nova estratégia global voltada para redução de custos. Equinor revisou metas para geração renovável até 2030 e reduziu em 50% os investimentos em energia renovável e soluções de baixo carbono entre 2025 e 2027. A Chevron está cortando investimentos em energias de baixo carbono em 25% e BP abandonou a meta, estabelecida em 2020, de cortar a produção de petróleo e gás em 40% até 2030.

Estes casos podem ser explicados, em parte, pela virada de chave do governo de Donald Trump, que cortou todos os projetos em energias renováveis e pretende impulsionar a produção de combustíveis fósseis, na qual os Estados Unidos já são líderes globais.

Embora ainda seja cedo para afirmar uma tendência, o recuo dos EUA na transição energética pode levar a um redirecionamento nos fluxos de investimento.

O coordenador geral do Gesel destaca que, em outros países os aportes em renováveis devem continuar. A dirigente da Abeeólica acredita que o contexto americano pode, inclusive, ajudar o setor eólico brasileiro. “O retrocesso do Trump, para nós, é vantajoso. Porque o Brasil é uma potência em energia renovável e pode exportar isso para outros países”, aposta.