Waldeck Ornélas – FCA na Bahia: proposta indecente
FONTE: Bahia Econômica.
Depois de um longo e tortuoso processo, a renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro Atlântica (FCA) volta à pauta, estando reaberta a audiência pública iniciada em 2020, devendo a sessão presencial de Salvador (BA) acontecer no próximo dia 18 de outubro.
Neste momento, emerge uma contradição: a mesma concessionária, que ao longo de 28 anos não cuidou e não viabilizou a exploração econômica da malha baiana, quer agora mantê-la sob sua tutela, pelo menos até o fim do atual período de concessão, em agosto de 2026.
De forma desrespeitosa e acintosa, a FCA recuou de sua proposta de devolução integral da antiga malha ferroviária baiana, não para resolver, mas para deixar no limbo a definição quanto a sua espinha dorsal – a Linha Sul, que interliga Salvador a Corinto (MG), e daí a todo o Centro Sul do país, ou seja, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Um trauma para a Bahia, para as empresas e para a população baiana!
O que está manifesto na proposta mais recente da FCA é deixar em suspenso a definição sobre o destino desta linha para depois de renovada a concessão pleiteada. Ou seja, além de ter negligenciado – diria mesmo, sabotado – a malha baiana, durante todo o período de concessão, sabedora que é de sua importância estratégica nacional, pretende agora manter parte dela sob a sua guarda, para posterior definição.
Esta importância, aliás, é atestada pelo próprio Plano Estratégico Ferroviário de Minas Gerais, estado mediterrâneo, que a inclui nas suas alternativas para o transporte de cargas, preservando a ligação com Salvador, vale dizer, com a Baía de Todos os Santos e os seus portos.
É até estranho que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) – responsável por zelar pelos interesses nacionais – tenha dado curso a proposta tão estapafúrdia. A economia baiana, que vem sendo sacrificada há praticamente três décadas, continuará comprometida, por pelo menos mais uma década, caso não sejam tomadas decisões imediatas.
O que está em questão, neste momento, é se a Bahia vai ou não ter de volta a sua ligação ferroviária com o Sudeste. E aqui só há duas alternativas: ou a FCA decide, de pronto, ficar com a Linha Sul da malha baiana – e assume claros compromissos de reabilitá-la – ou a devolve imediatamente, definindo em contrato o valor da indenização e a forma de pagamento. A Bahia é que não pode ficar com o seu futuro e sorte pendente de decisão unilateral da FCA e sua controladora, a VLI.
Manter o eixo principal da tradicional malha baiana – a Linha Sul – vinculada à FCA, mas pendente de uma definição, mesmo após sua renovação antecipada, constitui vergonhosa reserva de mercado, para eventual e posterior tomada de decisão empresarial. Ora, os interesses da Bahia e da economia nacional são maiores, e não podem ficar subordinados aos eventuais interesses de uma empresa, por mais poderosa que seja.
É claro que a FCA precisa ter a renovação antecipada de sua concessão, como tiveram todas as outras concessionárias da mesma época. O que não pode é o futuro da Bahia ficar atrelado ao tratamento que a FCA quiser dar à malha tradicional baiana. Isto é inaceitável pela Bahia! Isto, precisa ser rechaçado pelo poder concedente – a União!
Na rodada de visitas e reuniões que vem realizando, para tentar quebrar resistências à sua proposta indecente, a FCA acena com o compromisso de manter, até a chegada de um novo operador, as precárias condições do serviço prestado. É o mínimo que deve ser obrigada a fazer, sendo indispensável que isto conste do novo contrato. Mas não constitui moeda de troca.
Antes, a proposta era clara: a FCA não pretendia manter sob sua gestão nenhum trecho da malha ferroviária tradicional da Bahia, correspondente à SR-7 da extinta Rede Ferroviária Federal. Agora, quando da reabertura da audiência, a proposta chega piorada em todos os sentidos: já não há mais recursos destinados a investimentos cruzados para a FIOL II – porque outros estados reclamaram – e a conversa muda em relação ao trecho principal da malha, a ligação entre Corinto (MG) e Senhor do Bonfim/Campo Formoso.
Manifestada, pela FCA, a intenção de devolver a malha baiana em sua integralidade, ressaltei, reiteradamente, a imperiosa necessidade de sacramentar o quanto antes o divórcio entre a Bahia e a concessionária, para preservar os interesses da economia baiana e nacional. Já se perdeu muito tempo, desde então.
Nesse caso, deveria a União, unilateralmente, ter desatrelado da FCA o destino da ferrovia baiana. Como a concessionária manifestara formalmente o propósito de devolvê-la, não havia por quê fazer negociações no balcão do varejo. Ao contrário, era preciso ter adotado o mesmo tratamento do caso Transnordestina, onde o trecho Salgueiro-Recife foi desvinculado e até já teve contratada empresa para atualizar o projeto. Sendo uma situação análoga, que fosse aplicado o mesmo critério.
Trata-se, é verdade, de uma linha muito extensa, sendo inviável reconstruí-la por inteiro, de uma só vez. Qualquer que seja o desfecho, é preciso evitar que mais tempo seja perdido.
A prioridade baiana é a reabilitação da Linha Sul, entre Salvador e Corinto (MG), com 1.154km de extensão. Para torná-la exequível em menor prazo, que seja dividida em dois tramos, a serem implementados simultaneamente: o tramo 1, de Salvador a Brumado, e o tramo 2, de Brumado a Corinto. Brumado é o marco de referência porque aí a Linha Sul cruza com a FIOL, ainda no seu trecho I, cuja conclusão está prevista para 2027.
Se ficar com a VLI/FCA, que a reconstrua com presteza; se for devolvida, que o governo federal crie as condições institucionais para realizar, com a urgência necessária, os procedimentos para a sua reabilitação, mediante nova concessão ou autorização.
O que não pode é o Complexo Portuário da Baía de Todos os Santos (BTS-Port), o Polo Petroquímico do Nordeste e a Região Metropolitana de Salvador ficarem sem a sua ligação ferroviária com o Sudeste do país. Isto é inegociável!
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.