Seca extrema expõe os graves problemas de saneamento básico do país
FONTE: Portal Saneamento Básico.
O cenário de catástrofe ambiental descrito na reportagem é ainda pior se levarmos em conta a precariedade do saneamento básico.
“Quando não temos o esgoto tratado, esse esgoto bruto vai para o mesmo rio onde se capta água para o consumo humano”, explica Luana Siewert Pretto, engenheira e presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, OSC da área de saneamento básico, em entrevista à coluna. “Com um volume de água menor, a diluição desse esgoto bruto também é menor, aumentando a poluição.”
Segundo informações do Painel Saneamento Brasil, do Instituto Trata Brasil, o país teve, em 2022 (último dado disponível), despesas superiores a R$ 87 milhões com hospitalização com doenças de veiculação hídrica, como diarreia, febre amarela, dengue, leptospirose, malária e esquistossomose. Ao todo, foram 191.418 internações por essas enfermidades. Mais de 56 mil dessas hospitalizações foram de crianças de 0 a 4 anos. Um número que deve, com certeza, aumentar quando a seca deste ano entrar nas estatísticas.
“Nos lugares em que o saneamento não é bom, a situação acaba sendo ainda mais grave”, alerta Luana Pretto. A região Norte, por exemplo, uma das mais atingidas pela seca, tem apenas 14% de coleta de esgoto e 64% da população com acesso à água tratada. “As pessoas utilizam água de poço ou a própria água do rio, que vai ficando cada vez mais contaminada”, explica a especialista.
Seca Extrema Problemas Saneamento
Portanto para se ter uma ideia da gravidade da situação, em 2023, só no Amazonas, foram distribuídos para comunidades mais vulneráveis mais de 4,7 milhões de frascos de hipoclorito de sódio a 2,5% usado para tratamento da água. “Isso é um tratamento paliativo numa catástrofe”, avalia Luana. Também é uma boa medida da precariedade do saneamento básico, que castiga ainda mais a região.
A especialista chama a atenção ainda para outro grave problema no Brasil: a perda de água. “De um lado, o rio está secando. De outro, perco quase 50% de toda a água que eu capto na região Norte por ineficiência do sistema de distribuição”, lamenta. “Temos tecnologia para consertar o vazamento na hora em que ele acontece, mas dependendo do lugar isso pode demorar dias ou mesmo meses.”
Segundo levantamento do Trata, com a redução da perda para 25%, percentual que o governo estabelece como meta até 2034, seria possível abastecer quase 5 milhões de pessoas na Amazônia Legal, mais do que o dobro da população de Belo Horizonte, em 2024.
Em suma Luana Pretto defende ainda que haja mais diálogo entre os setores em relação à água.
“Como fica a regulação em relação ao volume a ser captado?”, questiona. Segundo ela, só a agricultura, por exemplo, capta 70% do volume da água dos rios. Esse é um tema que precisa ser discutido o quanto antes entre os diferentes setores (agricultura, indústria, abastecimento).
“O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em discurso na abertura da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. “A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto [..]. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”, afirmou o presidente.
Sem dúvida, é preciso fazer mais. Com eventos climáticos cada vez mais frequentes, saneamento básico é hoje outra urgência ambiental. “Cada fase do jogo vai ficando mais difícil”, compara Luana. “Vem a mudança climática e não resolvemos a fase anterior, que é a coleta e o tratamento de esgoto. O mínimo vai ficando cada vez mais difícil e a solução, cada vez mais complexa”, alerta.