A transição energética no Brasil e a amônia verde como solução para a dependência de fertilizantes importados
Com o marco legal do hidrogênio e incentivos do Rehidro, Brasil investe em amônia verde para garantir segurança agrícola, escreve Bruno Simões Corrêa
FONTE: Eixos.com.
Com a aprovação da Lei nº 14.948, em 2 de agosto de 2024 (Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono), a criação do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono – Rehidro e a iminente sanção presidencial do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono – PHBC, o país deu um passo importante na direção da transição energética.
Embora o foco esteja no hidrogênio, a “amônia verde” poderá emergir como uma protagonista no Brasil, especialmente no contexto da dependência brasileira de fertilizantes importados.
A dependência do Brasil de fertilizantes importados
O Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, mas depende fortemente de fertilizantes importados para sustentar a sua produção agrícola. O país vem presenciando nos últimos anos um forte aumento nas importações de fertilizantes.
Estima-se que, em 2022, aproximadamente 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil foram de origem estrangeira, respondendo a produção nacional por cerca de 15% da demanda do país.
Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), a importação de fertilizantes em 2022 totalizou 38,9 milhões de toneladas, um volume 11% inferior ao registrado no ano de 2021, quando se atingiu o pico de mais de 43,6 milhões de toneladas.
Em 2023, também de acordo com os dados da Anda, o Brasil manteve percentual semelhante de fertilizantes importados (86%). No total, foram importados cerca de 40 milhões de toneladas de fertilizantes no último ano, tornando o país altamente vulnerável a flutuações de preço e à disponibilidade no mercado internacional.
A dependência externa por fertilizantes se agrava com a previsão de que o Brasil responderá por parte relevante da produção mundial de alimentos nos próximos anos, aumentando, proporcionalmente, a demanda por insumos e fertilizantes. Atualmente, o Brasil é o quarto consumidor global de fertilizantes, respondendo por, aproximadamente, 8% do volume mundial.
Eventual aumento nos preços desses insumos impactará negativamente nas margens dos produtores rurais, além de prejudicar as exportações do agronegócio brasileiro ao tornar o produto nacional menos competitivo, uma vez que parte relevante do custo de produção deriva dos preços dos fertilizantes importados.
Essa dependência, além de pressionar a balança comercial, cria um cenário de insegurança para o agronegócio brasileiro, especialmente em momentos de crises globais de fornecimento, como observado durante a guerra na Ucrânia, com impacto direto na cadeia de fertilizantes.
Amônia verde: redução da dependência e sustentabilidade no agronegócio
A produção de amônia verde ocorre quando no processo industrial são utilizadas fontes de energia renovável, como solar, eólica ou hidrelétrica, em substituição aos combustíveis fósseis. A amônia é composta por nitrogênio (N) e hidrogênio (H), e o principal desafio é obter o hidrogênio de forma sustentável.
Na produção de amônia verde, o hidrogênio é obtido por meio da eletrólise da água, um processo que utiliza eletricidade para separar a molécula de hidrogênio do oxigênio na composição da água (H₂O). A eletricidade usada nesse processo vem de fontes renováveis, sendo considerada uma geração com baixas emissões de carbono.
Etapas da produção de amônia verde:
- Eletrólise da água: A eletrólise divide a água em moléculas de hidrogênio e de oxigênio, usando a eletricidade originada de fontes renováveis. O hidrogênio produzido nesse processo seria o insumo principal para a síntese da amônia.
- Captura do nitrogênio: O nitrogênio necessário para a produção de amônia é capturado diretamente da atmosfera, geralmente por processos de separação de gases, como o processo de adsorção por oscilação de pressão (PSA) ou por técnicas de destilação criogênica.
- Síntese de amônia: O hidrogênio e o nitrogênio são combinados no processo de Haber-Bosch, que ocorre em altas temperaturas e pressões, gerando a amônia (NH₃). Quando a energia necessária para esse processo é derivada de fontes renováveis, ela pode receber o selo de “amônia verde”.
A amônia verde tem várias aplicações, incluindo o uso como fertilizantes para culturas agrícolas, que é uma das suas principais utilizações, ou como vetor energético, podendo ser usada, inclusive, para armazenar e transportar o hidrogênio de forma mais eficiente.
O lado negativo é que esse processo de produção é mais caro do que as alternativas convencionais (se compararmos ao hidrogênio produzido com combustível fóssil, por exemplo, que dá origem ao chamado “hidrogênio cinza”).
Embora esse processo industrial ainda tenha custos elevados em razão dos preços das energias renováveis e da eficiência ainda limitada dos eletrolisadores, a expectativa é que os investimentos, que estão sendo realizados no setor, possam incrementar a tecnologia utilizada no processo industrial, melhorando a competitividade da amônia verde em curto espaço de tempo.
A amônia verde, produzida a partir de hidrogênio gerado com fontes renováveis de energia, surge como uma solução para essa dependência de fertilizantes importados.
A sua aplicação no setor agrícola, possibilitando a produção de fertilizantes no Brasil, pode transformar o agronegócio brasileiro, tornando-o não apenas autossuficiente, mas criando um selo de sustentabilidade.
A produção local de amônia verde pode oferecer benefícios diretos, como:
- Segurança para a cadeia de suprimentos com a redução da dependência de fertilizantes importados: isso diminuirá a exposição dos produtores rurais e do país às oscilações de preços no mercado global e eventual quebra da cadeia de suprimentos.
- Diminuição da pegada de carbono no agronegócio: considerando que os fertilizantes à base de amônia verde são produzidos com energias renováveis, o país estará alinhado às exigências de mercados internacionais por produtos agrícolas com baixa emissão de carbono.
- Fortalecimento do agronegócio e do produto brasileiro no exterior: em um cenário global cada vez mais voltado para práticas sustentáveis, isso ajudará na criação de um “selo verde” para o produto agrícola brasileiro, considerando-se todo o ciclo de vida do plantio à exportação.
Benefícios fiscais do Rehidro para a produção de amônia verde
O Rehidro, criado como parte da estratégia nacional de descarbonização, pode desempenhar um papel crucial no apoio à produção de hidrogênio e amônia verdes, reduzindo o capex dos projetos nessa área.