Adary Oliveira – Reflexões sobre o preço do gás natural
FONTE: Bahia Econômica
O preço do gás natural entregue pelas companhias fornecedoras de gás natural na forma gasosa (NCM 2711.21.00), de cerca de US$ 14,00 por milhões de BTU (US$/MMBTU) terminou por inviabilizar o funcionamento das duas fábricas de fertilizantes nitrogenados localizadas em Camaçari (BA) e Laranjeira (SE). A informação que se dispõe é que 90% do pessoal foi despedido, ficando apenas os técnicos imprescindíveis para hibernação da unidade, realizando procedimentos de manutenção.
Um estrago enorme para as famílias dos operários, perda para o governo que deixa de arrecadar impostos, dano para os fornecedores de bens e serviços, e um prejuízo grande para a Unigel, empresa arrendadora das duas unidades à Petrobras e que investiu cerca de US$ 150 milhões para pôr as plantas em funcionamento. Pior ainda para o Brasil que passou a importar ureia e amônia que deixaram de ser produzidas, adubos importantíssimos para seu agronegócio.
Para refletir sobre o assunto procurei fazer levantamento de preços do gás natural usando diversas fontes. Começo com o preço de referência do Gás Natural (GN) nos Estados Unidos, o Henry Hub (HH) do dia 07/06: US$ 2,81/MMBTU. O GN importado da Bolívia em maio, foi de US$ 6,29/MMBTU, preço Ex Work (EXW), isto é, no ponto de entrega de gás em Mutún, e o frete para São Paulo, com seguro zero US$ 0,34/MMBTU, totalizando o preço Cost, Insurance and Freigth (CIF) US$ 6,63/MMBTU, segundo informações colhidas na Comex Stat do MDIC.
Segundo o Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de Gás Natural de Dezembro de 2023 (última edição) do MME o preço do GN para a Companhias Distribuidoras, maior preço, foi cotado a US$ 14,116, sendo US$ 2,170 do transporte e US$ 11,946 da molécula, considerando a conversão do dólar R$/US$ = 4,897. A margem de comercialização é muito alta: 80,18%. O volume médio de GN importado da Bolívia em 2023 foi de 15,43 milhões de m3 por dia (MMm3/d) e só a Congás, distribuidora de GN de São Paulo demandou uma média de 12,991 MMm3/d, praticamente consumindo toda a importação da Bolívia.
Uma outra comparação que se pode fazer, é que o GN produzido no Brasil, para efeito de pagamento do Royalty à União, Estados, Municípios e proprietários de terra, neste caso o gás é produzido em terra (onshore), recebe um preço arbitrado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) chamado de Preço de Referência. Cada Campo de Gás recebe um preço em função das características do campo e do gás.
No caso do Campo de Manati (Campo 190) localizado no mar, Bacia de Camamu, Estado da Bahia, o Preço de Referência do gás, publicação de dezembro de 2023, página 8, foi de R$ 0,49112, equivalentes a US$ 2,83/MMBTU. Para o bem da verdade o Campo de Manati está próximo à exaustão, mas ainda está produzindo mais de 1 (um) MMm3/d de GN. Não se pode considerar razoável que na hora de se pagar o Royalty se use o Preço de Referência e se adote o preço de US$ 14,00/MMBTU no momento da venda.
O gás natural liquefeito (GNL) não convencional (shale gas) importado dos Estados Unidos e desembarcado na unidade de regasseificação instalada na Baía de Todos os Santos, próximo à Ilha do Frade, teve em abril preço FOB de US$ 9,24/MMBTU e frete mais seguros estimados em US$ 1,03/MMBTU. Há uma expectativa de que o gás não convencional argentino de Vaca Muerta, que um dia chegará a Camaçari e Laranjeiras via gasoduto Argentina-Bolívia, passando por São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, terá preço EXW de US$ 3,00/MMBTU, dependendo apenas da inversão do sentido de transporte de gás do gasoduto Argentina-Bolívia.
Uma outra questão que tem sido colocada é que a reinjeção do GN nos poços, de 85,62% no mês de dezembro, segundo o Boletim do MME aqui citado, é muito elevada, reduzindo a oferta nacional e pressionando os preços para cima. A reinjeção faz aumentar a produção de petróleo para exportação, o que tem sido preferido ao invés do atendimento doméstico de GN.
Essas reflexões sobre o mercado de GN são para dizer que existe uma massa de manobra que permite uma negociação capaz de se obter um preço que viabilize a operação das fábricas de amônia e ureia, sem prejuízo para o produtor de gás. Para tanto, os negociadores do lado da venda, não devem adotar uma postura de monopolista querendo maximizar seus resultados (ótimo de Pareto) e sim buscar uma solução que beneficie toda a comunidade, seja boa para todos (equilíbrio de Nash).
Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – adary347@gmail.com