Refino: “Tudo precisa mudar para permanecer como está”
O PE 2024-2028+ manteve o conservadorismo do plano anterior, introduzindo poucas mudanças de longo prazo para a estrutura industrial do parque de refino
FONTE: Diplomatique
Em uma visão geral sobre os valores envolvidos no Plano Estratégico da Petrobras para o próximo quinquênio (PE 2024-2028+), as macroáreas de Refino, Transporte e Comercialização apresentaram um incremento substantivo no investimento, passando de US$ 9,4 bilhões no PE 2023-27 para US$ 16,7 bilhões no atual. Esse aumento pode ser motivo de comemoração por diversos atores institucionais, porém é preciso ter clareza de que, dos US$ 7,3 bilhões que foram adicionados à área, 57% estão relacionados à rubrica “projetos de estudos e aquisições” que, vale dizer, carece de detalhamento e pode se limitar a uma simples carta de intenções.
Vale observar inclusive que, no intuito de gerenciar sua nova política de preços, a Petrobras teria necessariamente que ampliar o refino. Isso porque a insuficiência da produção nacional de derivados, especialmente de diesel S-10 e de QAV (querosene de aviação), resulta na necessidade de suprir o mercado interno por meio de importações. Essa dependência acaba por vincular mais os preços internos aos valores do mercado internacional, restringindo a flexibilidade para que os preços dos derivados se afastem do Preço de Paridade de Importação (PPI), esteio da política anterior de preços. A flexibilidade para uma política de preços internos só pode se dar plenamente com a garantia do abastecimento por meio da produção nacional.
Examinando detalhadamente as componentes do PE 2024-2028+, observou-se um aumento expressivo nos investimentos em projetos de adequação e aprimoramento do Refino. Esse acréscimo está relacionado a novos projetos – como uma planta de biorrefino e uma unidade nova de Hidrotratamento (HDT) na Refinaria do Paraná (REPAR) – e ao aumento nas premissas utilizadas pela estatal, que ampliou para todo o país o escopo antes previsto apenas para as refinarias do Sudeste. Assim, embora a mudança na alta administração da empresa desse uma nova dinâmica para os investimentos na área de Refino, o que ocorreu, de fato, foi uma distribuição dos efeitos do plano anterior para as demais unidades de refino.
Nesse sentido, a mudança de eixo decisório para colocar unidades de refino de todo o território nacional dentro do PE 2024-2028+ parece ter sido determinante para o retorno das obras do Trem 2 da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco. De acordo com o plano estratégico, essa obra combinada com um aumento do volume processado de petróleo nas demais unidades da companhia ampliará a da capacidade de refino em 225.000 barris/dia (mbpd). Importante ressaltar que tal expansão não fará frente ao crescimento da demanda nacional de derivados projetada por instituições como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), indicando algum espaço para o incremento de investimentos nessa área.
O anúncio destacado de aumento na capacidade de produção de diesel S-10, embora deva ser comemorado, já era esperado. Tanto as projeções da EPE quanto de outras agências e entidades especializadas na área de energia apontam para o desequilíbrio estrutural desse derivado, que deve se acentuar nos próximos anos. A capacidade nova de unidades de HDT e de Hidrocraqueamento (HCC) são necessárias para fazer frente à crescente demanda e disputa por recursos físicos nas unidades de refino da estatal. Querosene de aviação e óleo diesel têm disputado espaço para a utilização dessas unidades colocando a empresa, por vezes, na situação de “escolha” entre qual derivado deve ser importado e qual deve ser internalizado.
Nos projetos de investimentos nas subáreas de petroquímica e fertilizantes, a retomada dos estudos parece alinhar-se com a trajetória de outros players globais e países, notadamente a Índia, que vem explorando a integração vertical de seus novos projetos de refino. Não há clareza com relação aos estudos indicados no Plano. No entanto, para ambas as áreas apresentadas, há um obstáculo que deverá ser superado: a disponibilidade de gás natural. As duas cadeias produtivas demandam gás natural para levar a termo seus produtos finais e, como é sabido, há uma falta estrutural no Brasil da molécula de metano. Esse debate ficou muito evidente, durante o ano de 2023, com as divergências entre a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia (MME) sobre o tema.
Nesse sentido, mais que estudos, a estatal poderia ter uma postura mais propositiva, atuando não de forma direta, mas como um agente impulsionador da criação de um ecossistema que integre: i) investimentos privados de pequenas plantas de biometano, visando o aumento da disponibilidade da molécula; ii) a coordenação do MME na realização de leilões do energético alinhados à nova política industrial do governo federal; e iii) a Petrobras, atuando no fim da cadeia, com a estrutura produtiva de maior complexidade para a produção de petroquímicos e fertilizantes.
Uma atuação articulada dessa natureza é o que se espera de uma estatal do porte da Petrobras para o fortalecimento de uma cadeia produtiva e a agregação de valor. Embora o PE 2024-2028+ da Petrobras tenha sido anunciado antes do novo plano neoindustrializante intitulado “Nova Indústria Brasil”, é evidente que – tanto pela integração de cadeias de produção como pela utilização da demanda da empresa – as articulações possíveis entre a Petrobras e um novo projeto de industrialização do país não estão plenamente observados.
O PE 2024-2028+ também manteve o conservadorismo do plano anterior, introduzindo poucas mudanças de longo prazo para a estrutura industrial do parque de refino. Há apenas alguns projetos de biorrefino, todos com conclusão prevista para além do horizonte de 2028. Essa seria uma outra área onde poderia ocorrer uma integração entre as políticas públicas do governo federal com a estrutura produtiva da Petrobras, através da sua reconhecida capacidade de inovação, por meio de seu centro de pesquisas.
Os investimentos em logística não estão detalhados no PE 2024-2028+, deixando pouco espaço para que se faça uma análise crítica do planejamento da empresa. No entanto, há toda uma agenda necessária para o país que poderia ser apoiada nessa rubrica orçamentária. Infelizmente, o modal rodoviário ainda é muito utilizado para o transporte de derivados de petróleo pelo interior do Brasil, que possui baixa capilaridade em termos de estrutura de oleodutos, quando comparados com as estruturas europeias e dos Estados Unidos.
Nesse sentido, como parte de um esforço para reduzir a pegada de carbono nesse transporte, seria apropriado direcionar investimentos para a construção de novos terminais, oleodutos e gasodutos. Com isso, as regiões Norte e Nordeste também poderiam se beneficiar de novas políticas de preços, caso os derivados produzidos em outras localidades pudessem estar disponíveis naquela região. O mesmo vale para possíveis articulações com transporte ferroviário e/ou aquaviário dos derivados (este último, especialmente, na Região Norte).
Logo, a garantia de uma política de preços dos combustíveis que atenda de forma eficaz a demanda interna requer, naturalmente, a modernização e a ampliação do parque de refino nacional e, portanto, uma maior alocação de recursos no setor de RTC se faz necessária. Assim, o atual plano pode ser considerado tímido em relação às potencialidades existentes nesse complexo industrial. O favorecimento da descentralização da produção de derivados com a destinação de recursos para unidades de refino em diversas regiões é algo digno de nota positiva do PE 2024-2028+, que pode contribuir também para uma prática de preços mais equitativa no território nacional.
Entretanto, destaca-se como lacuna a falta de uma articulação mais delineada entre os projetos do segmento de refino com os da área de logística. Esse cenário é especialmente preocupante quando observamos os esforços governamentais para estruturar um novo programa industrial, o Nova Indústria Brasil, no qual as oportunidades vinculadas aos investimentos da Petrobras seriam vastas.