ANÁLISE: A má notícia dos importados une indústrias química e do aço no Brasil
Em químicos de uso industrial e em produtos siderúrgicos, participação das importações na demanda aparente nacional foi recorde em 2023
FONTE: Valor Econômico
O avanço constante do produto importado no consumo aparente nacional, um alerta que vem sendo feito há alguns anos pela indústria química brasileira, passou a incomodar outros setores estratégicos mais recentemente. Assim como na química, as importações de aço alcançaram fatia recorde na demanda doméstica em 2023 e o receio é que esse movimento não pare por aí.
Em dezembro, essa participação chegou a 25%, elevando a 18,6% a taxa de penetração em 2023. As usinas temem que esse patamar se mantenha em 2024, diante da decisão deliberada do governo chinês, segundo leitura das siderúrgicas instaladas no Brasil, de seguir produzindo o insumo “a qualquer custo”.
As siderúrgicas têm sido vocais quanto ao crescimento expressivo e continuo da entrada de aço importado, sobretudo de origem chinesa, e os efeitos negativos sobre emprego, nível de investimentos e produção local. Para conter esse movimento, o setor pede ao governo a adoção de medidas emergenciais: o aumento da alíquota de importação para 25% ou a imposição de cotas.
No ano passado, segundo dados do Instituto Aço Brasil, as importações foram recorde, com 5 milhões de toneladas e crescimento de 50% ante 2022. Como resultado, a taxa de ocupação no setor recuou a 60%. Para 2024, a previsão é de alta de 20%, para cerca de 6 milhões de toneladas.
Sexta maior do mundo, a indústria química brasileira está algumas casas à frente das siderúrgicas no processo de desindustrialização. No ano passado, a participação de produtos químicos de uso industrial no consumo aparente nacional atingiu a maior fatia em três décadas, de 47%, segundo levantamento da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). O nível de utilização da capacidade instalada ficou em torno de 65%.
Há uma década, pelo menos, o setor assiste ao crescimento constante da participação dos importados na demanda doméstica. Fábricas foram permanentemente fechadas, houve demissões e o nível de investimentos recuou drasticamente a partir de 2016.
Entre 2018 e 2022, conforme a Abiquim, a indústria química investiu um total US$ 3,1 bilhões, incluindo projetos que até o fim do ano passado ainda não haviam entrado em operação. Esse valor é menor do que os US$ 4,8 bilhões desembolsados somente em 2012 pelo setor. Para o período de 2023 a 2027, a previsão é que os investimentos recuem a US$ 1,4 bilhão, direcionados basicamente para manutenção operacional — houve um ou outro projetos novos, mas estes são exceção.
Como as siderúrgicas, o setor também pede ao governo a adoção de ação emergencial, como o aumento transitório da alíquota de importação para uma lista de produtos. Essa elevação de tarifa daria fôlego enquanto outras medidas estruturais, que contribuirão para elevar a competitividade da indústria brasileira de maneira geral, ainda não estiverem produzindo o efeito esperado. Como as usinas, o setor químico não teve sucesso até agora.
“Importante ressaltar que, em um ano em que a economia brasileira apresentou um crescimento de cerca de 3%, a indústria química experimentou uma contração de 10%. Isso mostra claramente um grave processo de desindustrialização da economia nacional.” ressaltou Paulo Gala, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), após a Abiquim divulgar as estatísticas fechadas de 2023.
Conforme o especialista, setores mais sofisticados, com maior conteúdo tecnológico e salários mais elevados vão perdendo espaço no Produto Interno Bruto (PIB), na contramão do crescimento impulsionado pelo setor de serviços, de menor sofisticação.
“Esse resultado é consequência da concorrência desafiadora de produtos asiáticos, com destaque para os chineses. A presença desses produtos no mercado brasileiro, muitas vezes resultante de práticas como dumping ambiental e subsídios públicos, dificulta consideravelmente a competição para a produção doméstica brasileira”, afirmou.
Diferentemente da indústria química, as siderúrgicas ainda tem planos relevantes de investimento no país, com R$ 63 bilhões estimados em quatro anos. Com o recente crescimento das importações, contudo, os primeiros sinais de alerta foram acesos, repetindo o mesmo script vivido anos atrás pelo setor químico. No fim do ano passado, a maior produtora de aço inoxidável da América Latina, a Aperam South America suspendeu novos projetos de investimento no país, que ultrapassam a casa de R$ 500 milhões.