Mercado de saneamento prevê retomada de leilões com investimentos de R$ 27 bi
Cenário para 2024 é de projetos de BNDES, Sanepar, Sabesp e em dezenas de municípios
FONTE: Valor Econômico
O mercado de saneamento básico prevê uma retomada de grandes concessões no próximo ano. A expectativa é de ao menos R$ 27 bilhões de novos investimentos contratados, considerando projetos previstos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e as Parcerias Público-Privadas (PPPs) da Sanepar, programados para 2024. Há ainda dezenas de outros projetos municipais em estruturação. Além das concessões, o mercado também aguarda a privatização da Sabesp, que, se concretizada, será o principal marco do setor.
“Em 2024, devemos entrar em um segundo ciclo de projetos, que é bem promissor. Estão em modelagem as concessões em Sergipe e no Pará, com firme engajamento dos governadores, e começam a pipocar PPPs pelos Estados”, afirma Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon).
O BNDES planeja realizar em 2024 os leilões de Paraíba, Sergipe, Rondônia e Pernambuco. Os projetos de Pará e Goiás deverão ficar para 2025 e 2026, respectivamente. A concessão de Porto Alegre, também em estudo pelo banco de fomento, não tem data definida – embora no mercado a expectativa seja de uma licitação no próximo ano. Além disso, a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) estrutura três PPPs de esgoto, cujos leilões ainda não têm data definida, mas têm previsão para sair no primeiro semestre de 2024.
Do lado do setor privado, a projeção é que haverá interesse pelos projetos, principalmente dos operadores já atuantes no mercado. Não há expectativa de muitos operadores entrando no segmento no curto prazo.
“Para os projetos no padrão BNDES devemos ver uma competição similar à que já vimos. O momento ainda é difícil. As empresas estão alavancadas, não estão com espaço no balanço. Há pontos positivos, como as debêntures de infraestrutura, que trazem um novo mecanismo de financiamento, mas o custo ainda é elevado. Acredito que para esses projetos veremos os grupos já tradicionais, eventualmente com parcerias com fundos de investimentos”, afirma Karla Bertocco, sócia da Mauá Capital.
Na avaliação de Marcos Ganut, sócio-diretor da A&M (Alvarez & Marsal) Infra, há dúvidas sobre o fôlego das empresas para disputar os novos leilões. Segundo ele, 2024 deverá ser o melhor ano do saneamento, pelo número de ativos em estudo. “O mercado está interessado. A questão é se o espaço das companhias será suficiente para absorver os investimentos”, diz o diretor.
A previsão é que haverá interessados, mas não no mesmo patamar de concorrência visto em 2020 e 2021, na avaliação de Teresa Vernaglia, ex-presidente da BRK e membro do conselho do Infra Women Brazil. Para ela, um dos fatores que têm afastado o interesse de novos operadores internacionais é a instabilidade regulatória do setor.
“No leilão da Cedae [em 2021], o governo tinha uma expectativa de que viriam investidores de fora, o que não aconteceu”, diz. Segundo a especialista, naquela época, os potenciais investidores queriam entender o quanto estavam consolidadas as regras do novo marco legal. “De 2021 para cá, o mercado não teve essa confirmação”, afirma.
As turbulências regulatórias marcaram o setor de saneamento em 2023. As dúvidas começaram já no fim de 2022, quando o novo governo federal sinalizou que alteraria regras para o segmento de saneamento básico.
A preocupação se confirmou em abril, com a publicação de dois decretos, que geraram forte reação negativa do setor privado e do próprio Congresso Nacional, que viu nos textos mudanças em relação à lei aprovada em 2020. Como resposta, os parlamentares editaram novos decretos, para reverter as medidas desejadas pelo governo.
A solução veio apenas em julho, quando o governo revogou seus decretos anteriores e publicou novos, mantendo parte das medidas, mas retirando aquelas mais controversas – chegando assim a um texto de acordo e colocando fim às idas e vindas.
Para projetos no padrão BNDES, competição será similar à já vista” — Karla Bertocco
Na visão de analistas, o imbróglio gerou insegurança em investidores que ainda não estão presentes no mercado, além de atrasos na elaboração dos projetos.
“Foi um ano de poucas concessões regionais, basicamente a PPP da Sanepar. Tivemos muitos leilões municipais, o que coloca em dúvida a diretriz de regionalização trazida pela nova lei”, diz Fernando Vernalha, sócio do Vernalha Pereira Advogados.
Na visão de alguns analistas, esse atraso foi conveniente para as principais companhias privadas do setor de água e esgoto, que nos últimos anos conquistaram contratos de grande porte, com investimentos e outorgas bilionárias. Ao longo de 2023, os grupos conseguiram substituir seus empréstimos-ponte por financiamentos de mais longo prazo e deram início às operações – o que já deverá começar a aliviar a alavancagem elevada, embora os patamares devam seguir altos no curto prazo.
A BRK Ambiental encerrou o terceiro trimestre de 2023 com uma dívida líquida de R$ 10,5 bilhões e alavancagem financeira de 7,6 vezes da dívida pelo Ebitda. A Iguá terminou o mesmo período com endividamento de R$ 6,1 bilhões e alavancagem de 8 vezes. A Aegea, que se consolidou como maior grupo privado do setor, registrou dívida líquida de R$ 21,7 bilhões e alavancagem de 3,89 vezes no terceiro trimestre – incluindo os resultados da operação do Rio de Janeiro e da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan).
No mercado, se por um lado não há expectativa de novos operadores disputando licitações diretamente, há previsão de movimentações societárias nessas empresas – tanto com a entrada de sócios financeiros nas plataformas consolidadas, quanto pela saída de acionistas. Esse movimento poderá se dar via aquisições ou ofertas iniciais públicas de ações (IPOs, na sigla em inglês), caso haja janela para isso.
Além dos projetos de concessão, em 2024 uma grande expectativa do mercado de saneamento recai sobre a privatização da Sabesp, que o governo paulista planeja concretizar até julho. A meta é considerada desafiadora pelo setor privado e por pessoas envolvidas no processo, mas factível, dado o andamento acelerado das etapas até agora.
O plano do Estado é fazer a alienação do controle da empresa de saneamento por meio de uma oferta subsequente de ações (“follow on”), na qual o governo seguiria com uma fatia de 15% a 30% e traria acionistas de referência para a companhia privatizada, ou seja, sócios privados com um maior grau de controle. Os detalhes da modelagem, no entanto, só serão conhecidos no início de 2024.