Grande oferta de energia renovável vira desafio

Brasil precisará desenvolver mecanismos para absorver produção maior, alerta Aneel

FONTE: Valor Econômico

O Brasil precisará desenvolver novos mecanismos para absorver a grande oferta de energia renovável prevista para a próxima década se quiser aproveitar o potencial de geração de eletricidade já mapeado pelo setor, disse ao Valor o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa. Somente em 2023, a Aneel expediu cerca de 2 mil atos de outorga para novos projetos – a maioria de fontes eólicas e solar -, que correspondem a mais 86,32 gigawatts (GW) de potência adicional.

“Não temos esse mercado [para absorver]. Nosso mercado típico, tradicional não vai alcançar essa geração toda”, alertou o diretor-geral, em entrevista ao Valor. Se confirmado a implantação dos projetos, a agência estima que o país receberá R$ 430 bilhões em investimentos. “Os investidores estão olhando para uma perspectiva mais ampla, de eletrificação e descarbonização da economia”, acrescentou.

O boom de projetos de fontes renováveis ocorreu no Brasil devido à grande oferta de sol e ventos, ao barateamento dos equipamentos no mercado global e à oferta de subsídio pelas leis brasileiras, com custo repassado para a conta de luz.

O incentivo financeiro dado com desconto no “fio” (rede de distribuição e transmissão) levou o setor à chamada “corrida ao ouro”, terminada no ano passado, com a apresentação de pedidos de outorgas na Aneel. Especialistas apostam que parte importante desses projetos não será viabilizada.

Feitosa avalia, porém, que as empresas que entraram na fila de projetos sem ter um interesse firme de implantá-los já saíram na oportunidade criada pela agência de desistir da outorga sem sofrer penalidades. Com este objetivo, em meados deste ano, a Aneel aprovou resolução que criou “o dia do perdão”.

O diretor da Aneel reconhece que os investidores já enfrentam hoje um desafio “conjuntural” de preço baixo da energia elétrica. Isso, disse, pode ser explicado pela baixa demanda por energia provocada pelo crescimento da geração distribuída (GD) e pelo ritmo lento da economia. Outro fator que também contribui é a situação hidrológica “muito favorável” entre 2022 e 2023, que mantém cheios os reservatórios das hidrelétricas.

Feitosa defende que é preciso resolver a questão do ponto de vista estrutural, com políticas de governo voltadas para setores estratégicos da economia. Com isso, na sua visão, o país teria condições de melhorar a perspectiva futura do preço da energia.

“Dentro dos projetos aprovados, há muitos casos do cara que conseguiu outorga e ainda está buscando esse mercado. Então, eles já contaram com esse incentivo e o que precisam agora é dar um ‘match de mercado’ para desenvolver o projeto”, afirmou.

Para o diretor-geral da Aneel, o Brasil pode promover maior integração das cadeias de produção com o desenvolvimento das fontes de energia renovável. “Alguns mercados mundiais já se abrem para o Brasil olhando para isso, como a indústria ‘verde’ e de fertilizantes. Isso, no médio e longo prazo, pode viabilizar todos esses investimentos”, disse.

Feitosa contou que a Aneel tem tentado dar resposta a essa evolução do mercado. Isso passa, segundo ele, por estímulos ao investimento em pesquisas e novas tecnologias e pela modernização do modelo de tarifa. As iniciativas envolvem a preparação do setor para o mercado de hidrogênio “verde”, incorporação de sistema de armazenamento de energia e maior abertura para o mercado livre, que permite o consumidor escolher de quem comprar a energia.

Ele considera que as mudanças pautadas nas fontes renováveis podem ser prejudicadas pelo volume crescente de encargos repassados para os consumidores. A agência, disse, busca contribuir com o debate no Congresso, de onde surgem as principais iniciativas de onerar a conta de luz, e com a interação direta com parlamentares. Foram 29 sessões de debate e 131 reuniões com deputados e senadores durante 2023.

A mais recente preocupação do setor é com o projeto de lei da geração eólica em plataformas marítimas (offshore). Já aprovada na Câmara, a proposta recebeu acréscimo de redação (o “jabuti”) que impõe custo de R$ 39 bilhões por ano. O cálculo é da Frente Nacional dos Consumidores de Energia.

Feitosa explicou que a possibilidade de aprovação do atual texto do projeto é uma das razões para a agência ainda não ter projetado a variação da tarifa nacional em 2024. Neste ano, a tarifa residencial ficou em R$ 731 o megawatt-hora (MWh).

Em 2023, a tarifa das distribuidoras subiu 6,8%, em média. Saiu um ponto percentual acima da previsão feita no início do ano. O reajuste médio ficou bem abaixo dos índices de dois dígitos aprovados para distribuidoras do Norte e Nordeste, que recuperam investimentos atrasados.