Petrobras, Vale e BNDES apostam em baixo carbono
Mineradora e petroleira firmaram acordo para projetos de transição energética
FONTE: Valor Econômico
A transição energética tem pautado as relações entre a Vale, a Petrobras e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos últimos meses. A parceria entre as duas companhias, mediada pelo banco de fomento, tem potencial de impulsionar o Brasil na corrida global pela transição energética, ainda que falte uma regulação que facilite a aceleração de projetos em áreas como hidrogênio verde e eólica offshore (no mar), na visão das próprias companhias.
Nesta quarta-feira (22), o presidente da petroleira, Jean Paul Prates, definiu o grupo como o “triângulo fundamental para a transição energética no mundo”, ao participar de seminário promovido pela Editora Globo, no Rio, com apoio do Valor. “Temos que estar no jogo”, disse Prates. Na visão dele, mesmo que a regulação da eólica offshore seja acelerada no ano que vem, os projetos devem demorar até sete anos para entrar em operação.
Somos o triângulo fundamental para a transição energética” — Jean Paul Prates
Ao lado de Prates no painel, o presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, afirmou que a demanda brasileira por hidrogênio pode ser ancorada pela mineradora. O executivo defende que a parceria com a Petrobras tornará o Brasil mais competitivo em iniciativas voltadas para a transição energética.
A Petrobras e a Vale assinaram, em setembro, um memorando de entendimento para trabalharem em projetos de baixo carbono. A parceria tem duração de dois anos. As empresas pretendem avaliar oportunidades no desenvolvimento de combustíveis sustentáveis e de tecnologias de captura e armazenamento de carbono. “A Vale e a Petrobras já deram o primeiro passo. O Brasil tem um dos custos de energia mais competitivos do mundo. Não tenho dúvidas que poderemos produzir hidrogênio a baixo custo”, disse Bartolomeo, no seminário.
Aloizio Mercadante, presidente do BNDES e responsável por mediar a parceria entre a mineradora e a petroleira, informou ainda que o banco de fomento tem trabalhado em uma nova parceria com a Vale para um programa especial de minerais críticos, categoria em que podem entrar, por exemplo, produtos como níquel, lítio, cobalto e terras raras, entre outros. O banco, que tem apoiado iniciativas de baixo carbono, irá ajudar o país a migrar para a indústria elétrica, defendeu Mercadante: “Precisamos migrar ou vamos perder mercado.”
Mercadante usou o exemplo da indústria de produção de ônibus elétricos no Brasil, que, segundo ele, pode ser fomentada pelo programa a ser lançado com a Vale: “Quero convocar empresas de energia para fazer leasing de ônibus elétricos para as operadoras de frotas, que não conseguem comprar esses veículos mais modernos”, disse.
A necessidade de regulação dos produtos de baixa emissão de gases de efeito estufa foi um ponto convergente entre os especialistas e executivos que participaram do evento. Ex-presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Clarissa Lins diz que o Brasil precisa acelerar o passo na regulação e na capacidade de influir nas normas globais relacionadas à transição energética.
As dimensões continentais do Brasil incluem mercado, volume e uma base energética diversificada, competitiva e atraente, segundo ela: “Temos um mix de fontes energéticas e participantes muito saudáveis, aparecemos como um país pacífico e grande o suficiente para ser relevante em escala global, mas precisamos acelerar o passo na regulação e na capacidade de influir em normas globais”, afirmou Lins, que é sócia-fundadora da Catavento consultoria. Segundo ela, o Brasil tinha, até setembro, US$ 81 bilhões em investimentos anunciados para produção de hidrogênio.
O Brasil está uma década à frente do mundo quando se fala em matriz energética renovável. “Uma matriz energética 47% renovável é onde a média global gostaria de estar em 2035, 2036”, disse Lins.
Além de ter condições de liderar o processo de transição, o Brasil poderia estar mais adiantado no mercado de carbono, de acordo com o secretário de economia verde do Ministério do Desenvolvimento, Rodrigo Rollemberg. Na visão dele, o avanço na regulamentação do hidrogênio verde e das eólicas offshore pode criar condições para aumentar o investimento externo no Brasil. Além disso, o país precisa ser “mais que um produtor de hidrogênio” e é necessário investir na exportação de produtos manufaturados verdes e atrair empresas que desejam descarbonizar seus produtos.
“Queremos usar o hidrogênio verde, não a qualquer custo, mas como oportunidade grande de virar a página da indústria e agregar valor a isso”, disse a vice-presidente de regulação, institucional e sustentabilidade da Neoenergia, Solange Ribeiro, ao participar do seminário. A transição energética no Brasil vai além da questão climática e agrega valor aos produtos produzidos no país, acrescentou a executiva. Ainda falta, no entanto, um marco regulatório “estável e seguro” para grandes investimentos serem realizados.
Outro ponto é o mercado regulado de carbono. Ribeiro defendeu que é preciso precificar as emissões corretamente, criar metas de descarbonização e incentivar a transição para o hidrogênio verde.
A Vale tem estudado os produtos de baixo carbono e formas de vendê-los para fora do Brasil. “Temos estudado formas de emitir menos com o minério de ferro. Esse e outros produtos de baixo carbono devemos começar a exportar para a Europa, em um primeiro momento, e depois para o resto do mundo”, afirmou a diretora de energia e descarbonização da mineradora, Ludmila Nascimento. A empresa tem buscado reduzir as emissões de escopo 1 e 2 (próprias da empresa) e tem metas para escopo 3 (de clientes), mas, conforme a diretora, “não existe bala de prata”.
“Os problemas não são resolvidos por uma única solução. Estamos fazendo testes para ver o percentual de utilização de amônia em produtos. Nos caminhões que utilizamos, estamos vendo como passar a utilizar o etanol em vez do diesel”, afirmou Nascimento.
*Sob a supervisão de Juliana Schincariol e Kariny Leal.