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Bioenergia: aposta para um Brasil sustentável

Não obstante as lacunas passíveis de aperfeiçoamento, o setor tem alcançado avanços relevantes nos últimos anos e apresenta, cada vez mais, a capacidade de assumir a vanguarda do movimento de descarbonização

FONTE: Valor Econômico

A urgência para reduzir as emissões de gases de efeito estufa introduziu definitivamente o componente ambiental nas discussões atuais sobre segurança energética. As macrotendências mundiais devem nortear as estratégias empresariais e as políticas públicas nos próximos anos no Brasil. Nesse contexto, a indústria da bioenergia apresenta várias oportunidades. Apelidado de “pré-sal caipira”, o biometano é um gás de origem renovável, resultado do processamento do biogás obtido a partir de resíduos orgânicos urbanos e agropecuários, a exemplo dos aterros sanitários e da indústria canavieira – como vinhaça, palha e torta de filtro.

Além dos usos amplamente conhecidos, sendo uma alternativa sustentável ao diesel e ao GNV veicular, também pode substituir o GLP e o gás natural residencial e industrial. Seu alto valor em descarbonização, produção de subprodutos como biofertilizantes e capacidade de atingir mercados regionais distantes da malha de distribuição são características importantes para garantir uma transição ecológica viável ao mercado brasileiro.

A consultoria McKinsey projeta um mercado potencial de R$ 40 bilhões para biogás e biometano até 2030, com volume equivalente a cerca 30% da demanda de gás natural. Na mesma linha, considerando a relevância do modal rodoviário para o país, estudos da ABiogás apontam que o biometano como gás veicular poderia suprir até 70% do consumo de diesel, sendo um elemento relevante à jornada Net Zero.

Sob a ótica regulatória, existem obstáculos para destravar investimentos de diferentes portes e permitir modelos de negócios mais flexíveis.

Em termos gerais, a nova Lei do Gás e o Decreto nº 10.712/2021 estabeleceram que o biometano terá tratamento regulatório equivalente ao do gás natural, desde que atendidas as especificações definidas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ao possibilitar que o biometano seja considerado fungível com o gás natural de origem fóssil, há potencial para que ele seja injetado na malha de gasodutos e comercializado no mercado.

A produção comercial de biometano é regulamentada sob o mesmo arcabouço regulatório dos demais biocombustíveis (Resolução ANP nº 734/2018). No entanto, existe uma lacuna regulatória que restringe projetos de biometano fora das especificações técnicas e produzido para finalidades distintas das estabelecidas pelas normas. Em essência, embora a ANP não regule a produção de biometano para consumo próprio, acordos contratuais relacionados à produção e utilização do biometano podem requerer autorizações e, consequentemente, estarem sujeitos às especificações setoriais – algumas delas bastante rigorosas e custosas, em especial, para projetos de menor porte.

Em 2022, foram publicadas resoluções sobre especificações do biometano oriundo de produtos e resíduos orgânicos agrossilvopastoris e comerciais e controle da qualidade do biometano oriundo de aterros sanitários e de estações de tratamento de esgoto. Além disso, projetos de produção de biometano passaram a ter a possibilidade de se beneficiar do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi) e da emissão de debêntures incentivadas. Essas iniciativas impulsionaram o setor, mas o modelo ainda está limitado ao alcance das redes de gasodutos de distribuição, o que geradesafios regulatórios e operacionais. Depende-se, em larga medida, da maturidade regulatória das agências estaduais e do progresso na harmonização das normas federais e estaduais.

Atualmente, além de 6 projetos de grande escala para a produção de biometano outorgados pela ANP e de 13 usinas em processo de licenciamento, a maioria dos players agroindustriais e cooperativas regionais vêm instalando projetos de pequena escala para geração de energia térmica, elétrica ou abastecimento de frota própria de veículos, hipóteses ainda pouco disciplinadas pela ANP. Nesse sentido, há espaço para que essas atividades possam ser ainda mais lucrativas, destinando eventual excedente ao mercado.

Com efeito, em consulta pública recente, em especial para revisão da Resolução ANP nº 734, agentes solicitaram medidas que garantam a viabilidade técnica e financeira de novas usinas, como a possibilidade de compartilhamento de cromatógrafo e uso de métodos alternativos para análises de qualidade. Dentro da lógica de um possível sandbox regulatório no âmbito da ANP para o biometano, a redução da assimetria de informações e revisão das normas aplicáveis se faz urgente, haja vista as singularidades dos projetos em fase de estudo.

Para alavancar o crescimento de um setor ainda em desenvolvimento, denota-se a imprescindibilidade de políticas públicas estruturadas e da coordenação entre diversas autoridades setoriais. Aprimorar os marcos normativos e garantir estabilidade jurídica no ambiente regulatório são os primeiros passos rumo à previsibilidade. Não obstante as lacunas passíveis de aperfeiçoamento, o setor tem alcançado avanços relevantes nos últimos anos e apresenta, cada vez mais, a capacidade de assumir a vanguarda do movimento de descarbonização.

Mariana Saragoça e Julia Barker são, respectivamente, sócia e advogada do Stocche Forbes Advogados.

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