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Brasil importa fertilizantes com alta intensidade de carbono, diz executivo da Yara
“A gente concorre de forma assimétrica e, talvez, sofrendo um dumping ambiental”
FONTE: EPBR
BRASÍLIA – Quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo – e o maior importador – o Brasil está importando carbono de outros países, observa Daniel Hubner, vice-presidente da Yara.
Para o executivo, o país precisa acompanhar o movimento internacional de incentivos à transição energética ou perderá a oportunidade de ser protagonista no novo mercado que se desenha para o hidrogênio e a amônia verde.
Ele participou nesta terça (5/9) de uma audiência na Comissão de Transição Energética da Câmara dos Deputados sobre a interação entre as cadeias de produção dos fertilizantes e do hidrogênio.
Desde 2018, a Yara produz fertilizantes nitrogenados em Cubatão (SP). Em 2021, a empresa firmou um contrato de suprimento de biometano produzido pela Raízen com resíduos do setor sucroenergético.
O biometano substituirá o gás natural fóssil na fabricação de fertilizantes a partir do primeiro semestre de 2024. A expectativa é produzir 20 mil m³/dia de amônia renovável, 3% da demanda de Cubatão, que será entregue pela rede.
Segundo Hubner, o fertilizante que será produzido com biometano terá menos de 2 kg de CO2e por kg de nitrogênio. A título de comparação, o insumo importado da Rússia tem 7,2 kgCO2e/kgN e o da China 10,4 kgCO2e/kgN.
O biometano, por sua vez, tem potencial para reduzir em até 90% a intensidade de carbono dos fertilizantes
“Temos um fertilizante entrando no Brasil com 8 ou 9 vezes mais pegada de carbono [no caso da China] do que o fertilizante fabricado em Cubatão”, comenta Hubner.
Deputados debatem a produção de hidrogênio e fertilizantes
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Efeitos dos subsídios americanos
Hubner calcula que, se o Brasil cobrasse um imposto pela diferença da intensidade de carbono, o nitrato vindo da China teria que pagar um pedágio de pelo menos US$ 300 pelo seu conteúdo de carbono, considerando a referência do mercado internacional de US$ 100 por tonelada de carbono.
“Cubatão vai fabricar a partir do ano que vem um dos fertilizantes com mais baixa pegada de carbono do mundo. No entanto, a gente hoje concorre de forma assimétrica e, talvez, sofrendo um dumping ambiental porque recebemos fertilizantes com altíssima pegada de carbono e que concorrem exatamente da mesma forma no mercado brasileiro”, critica o vice-presidente da Yara.
Os subsídios da Lei de Redução da Inflação sancionada por Joe Biden nos EUA em 2022 é uma das políticas que o Brasil deve ficar atento, avalia Hubner.
“O programa federal está acelerando a transição energética nos EUA. É importante entendê-lo ou a gente vai ficar assinando uma série de MoU (memorando de entendimento) sem conseguir tirar os projetos do papel”.
A Yara está investindo cerca de US$ 3 bilhões em duas plantas de amônia de baixo carbono nos Estados Unidos.
Hubner conta que o governo Biden está oferecendo US$ 140 dólares de subsídios por tonelada de amônia de baixo carbono produzida, o que fará com que o produto mesmo com os custos de captura e armazenamento de carbono (amônia azul) tenha um custo de US$ 80 dólares.
“É extremamente competitivo. No fundo, é essa a análise que as empresas vão fazer entre montar uma empresa greenfield no Brasil ou investir nos EUA e importar fertilizantes”.
Reindustrialização e segurança no abastecimento
Para Bernardo Silva, diretor-executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Matérias Primas para Fertilizantes (Sinprifert), a alta dependência brasileira de fertilizantes é um grande risco para o agronegócio e interrupções no fornecimento podem colocar em xeque o desenvolvimento nacional.
“A reindustrialização passa pela transição energética e descarbonização e o hidrogênio e amônia verde são as inovações que nos levarão a esse futuro”, defende.
Outro ponto é a vantagem brasileira em termos de energia renovável. Rafael Cavalcanti, CEO da Quinto Energy, cita como exemplo a alta capacidade de geração eólica brasileira em comparação com a Rússia, grande produtora de fertilizantes.
Enquanto lá o insumo é derivado de fósseis, aqui a capacidade eólica pode ser aproveitada para produção do hidrogênio verde destinado aos fertilizantes – com potencial de deixar o produto verde competitivo.
“Se o Brasil criar o seu próprio mercado para utilizar o fertilizante verde, vamos estar defendendo nossa agricultura. Vamos criar uma independência de longo prazo”, diz. Para Cavalcanti, um dos grandes entraves hoje é o custo dos equipamentos.
“O insumo é abundante e é grátis. Ele depende do preço do produto e a nossa grande missão é encontrar as formas de trazer equipamentos mais baratos para o Brasil”.
O CEO defende políticas de estímulos para reduzir o custo de equipamentos como torres eólicas e eletrolisadores para baratear a produção de hidrogênio e amônia verde, e consequentemente, dar previsibilidade de preços para o agronegócio, que poderá exportar produtos com menor pegada de carbono.
“Utilizar o hidrogênio verde para ter previsibilidade do preço do insumo na ordem de 10 a 20 anos e o Brasil criar uma certificação do próprio produto para exportar carne verde, milho verde, soja verde”, completa.