.

O saneamento será universalizado até 2033?

FONTE: Portal Saneamento Básico

Por: Aldem Johnston Barbosa Araújo

Nos termos do art. 2º, XI do Decreto nº 7.217/2010 consideram-se serviços públicos de saneamento básico o conjunto dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos, de limpeza urbana, de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de drenagem e manejo de águas pluviais, bem como infraestruturas destinadas exclusivamente a cada um destes serviços, ao passo que no art. 2º, XII do mesmo decreto é definido que universalização é a ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico.

Universalização dos Serviços de Saneamento

Já nos termos do art. 3º, I da Lei nº 11.445/2007 com a redação que lhe fora conferida pela Lei nº 14.026/2020, saneamento básico é definido como o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de: abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, ao passo que a sua universalização, é conceituada no art. 3º, III como a ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico.

A Lei nº 11.445/2007, novamente com a redação que lhe fora conferida pela Lei nº 14.026/2020, ainda confere à universalização o status de princípio fundamental dos serviços públicos de saneamento básico (art. 2º, I) e coloca como meta para o seu alcance a data de 31 de dezembro de 2033 (arts. 10-B e 11-B) que, excepcionalmente pode ser prorrogada em hipóteses muito específicas, até 1º de janeiro de 2040 (art. 11-B, § 9º).

Essa data de 31 de dezembro de 2033 fixada pela lei para a universalização dos serviços públicos de saneamento básico, desperta hoje, em 2023, uma grande dúvida acerca do seu cumprimento. Assim, repetimos aqui a pergunta do título: O saneamento será universalizado até 2033?

A resposta parece ser negativa. Vejamos o porquê em 4 motivos:

1. O caso dos “lixões”: O fim dos chamados lixões foi inicialmente fixado pela Lei nº 12.305/2010 (redação original do art. 54) como o dia 03/08/2010. Todavia, a Lei nº 14.026/2020 – que, como já dito, também alterou a Lei nº 11.445/2007 – modificou a Lei nº 12.305/2010 para, atendendo ao pleito de gestores públicos, fixar novos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. A saber: 31 de dezembro de 2020, 2 de agosto de 2021, 2 de agosto de 2022, 2 de agosto de 2023 e 2 de agosto de 2024 a depender do número de habitantes do município (redação atual do art. 54). Assim, nada impede que uma alteração legislativa postergue o prazo de universalização.

2. A vigência da Lei nº 8.666/1993: Após pressão dos Municípios, foi publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União que circulou no dia 31/03/2023, a Medida Provisória nº 1.167 que alterou a redação dos arts. 191 e 193 da Lei nº 14.133/2021 (NLGLC – Nova Lei Geral de Licitações e Contratos). Em sua redação original, a NLGLC estabelecia que até o dia 01/04/2023 a Administração poderia optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com seus termos ou com base nas regras contidas nas Leis nºs 8.666/1993; 10.520/2002 e 12.462/2011 (art. 1º a art. 47-A). Com base na Medida Provisória nº 1.167/2023, a nova redação dos arts. 191 e 193 da NLGLC passou a dispor a seguinte regra de direito intertemporal: até 30/12/2023 a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, desde que a publicação do edital ou do ato autorizativo da contratação direta ocorra até 29/12/2023 e que a opção escolhida seja expressamente indicada no edital ou no ato autorizativo da contratação direta. Na prática, a MP prorrogou a aplicabilidade da Lei nº 8.666/1993 (antigo regime geral de licitações e contratos); da Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e da Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC). Neste particular, nada impede que o prazo previsto nos arts. 10-B e 11-B da Lei nº 11.445/2007 seja dilargado por uma medida provisória tal como ocorreu com a NLGLC.

3. A Lei de Improbidade Administrativa: é inegável que, tal como se deu no caso dos lixões e aterros sanitários, mesmo com o dilargamento dos prazos, o seu cumprimento por parte de alguns atores do cenário federativo só deu, em algum grau, por pressão do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Neste particular, é preciso destacar um novo cenário, qual seja: o de que os artigos 1º, §§ 1º, 2º e 3º, 11 §§ 1º e 2º da Lei de Improbidade Administrativa com a nova redação que lhes fora conferida pela Lei nº 14.230/2021, caracterizam o ato de improbidade como uma conduta funcional dolosa do agente público devidamente tipificada em lei, revestida de fins ilícitos e que tenha o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. De modo que, aparenta ser muito improvável que um gestor público pratique uma conduta relacionada a uma não implementação da universalização em 2023 que seja imbuída de um dolo específico. Assim, não tendo o MP a ação de improbidade como “ferramenta de pressão”, será preciso acompanhar qual será a postura dos órgãos de controle com relação à universalização.

4. A reserva do possível: argumento generalizado e utilizado ad nauseam pela Administração Pública, a reserva do possível também passou a ser repelida de forma banalizada e irrefletida pelo Poder Judiciário. Entretanto, no caso das estatais que prestam serviços de saneamento, se faz necessário que a reserva do possível seja revisitada à luz do art. 22 caput e § 1º da LINDB, vez que uma análise consequencialista precisa levar em conta, por exemplo, eventuais déficits orçamentários para investimentos. E mesmo no caso em que o serviço de saneamento seja prestado por uma empresa privada sem ligação com o Poder Público, a reserva do possível precisará ser considerada quando de eventuais cobranças em busca da universalização até 2033, uma vez que, por exemplo, a depender de quando ocorra a licitação, o particular que obtenha a outorga terá um prazo muito exíguo para fazer com que a concessão atinja a meta da universalização. E pressionar o atingimento da meta de universalização sem conhecer a modelagem da concessão pode gerar em aumento inviável de tarifa, desequilíbrio econômico-financeiro do contrato e, até mesmo, inexequibilidade da concessão. De tal sorte, a reserva do possível deverá ser melhor analisada nas questões relacionadas à universalização do saneamento.

Veja-se que os motivos elencados acima são eminentemente jurídicos, pois, fora de tal esfera, a universalização do saneamento até 2023 encontra diversos outros desafios, como por exemplo: (i) a participação da iniciativa privada fazendo pesados aportes de investimentos além do esperado quando da edição da Lei nº 14.026/2020; (ii) incertezas políticas de duas eleições presidenciais e para o Congresso Nacional em 2026 e 2030 e (iii) privatizações ou não de algumas estatais de saneamento.

Assim, neste cenário, e mais uma vez respondendo à pergunta do título, é bem pouco provável que o saneamento seja universalizado até 2033.