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Megaleilão de linhas de transmissão é atrativo, mas enfrenta entraves

Infraestrutura visa atender contratação de energias renováveis, mas custo de capital e gargalo na cadeia produtiva, poderá afetar deságios das transmissoras nos lances

FONTE: Valor Econômico

O megaleilão de linhas de transmissão de energia previsto para ocorrer em 30 de junho deve atrair investimentos da ordem de R$ 15,7 bilhões e contratar quase 6.200 quilômetros dos chamados linhões. Ao passo que desperta o interesse de grandes grupos econômicos, o volume de projetos, o elevado custo de capital, a demanda por equipamentos e a falta de construtoras (epecistas) dão o tom de que será um certame mais conservador e com menores deságios.

A infraestrutura vai atender seis Estados do país para fazer frente à expectativa de contratação de elevados montantes de energia provenientes de empreendimentos de geração renovável, com destaque para as usinas eólicas e solares.

Não há dúvidas de que todos os nove lotes serão arrematados, mas os tradicionais deságios que muitas vezes ultrapassaram 50% não deverão se repetir.

O sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, Filipe Bonaldo, prevê que os descontos fiquem na casa de 40%. Ele aponta um tripé de entraves que passa pelo maior custo de capital das empresas hoje por conta da alta taxa de juros e desaquecimento de emissão de debêntures, influenciada pela recuperação judicial das Americanas e da Light, o que faz com que a precificação da dívida fique mais alta.

Bonaldo salienta que grandes projetos reunidos no mesmo certame podem diminuir a atratividade dos investidores, já que, por serem projetos bilionários, vão exigir forte alavancagem dos grupos investidores. Ele crê que os players devem entrar em um ou dois lotes, no máximo, o que deve reduzir a competição.

Soma-se a isso a falta de empresas epecistas – empreiteiras que constroem e entregam a obra pronta -, o que cria mais incertezas. Muitas destas empresas quebraram com as operações da Lava-Jato que deixou em frangalhos o setor de construção pesada no Brasil.

São mais de 200 reatores de 500 KV. É mais do que um ano inteiro da minha produção” — Glauco Freitas

O empresário José Antunes Sobrinho passou anos para reerguer a Engevix, hoje Nova Engevix (controlada da Nova Participações) depois de passar por uma série de diligências e prisões que quase fizeram a empresa falir. Antunes relembra que em 2015 advertiu que a devassa nas companhias faria com que o Brasil passasse por um contexto de falta de empresas especializadas, já que muitas delas quebraram ou saíram do ramo.

“Alertamos que as empresas iriam implodir. As grandes investidoras em infraestrutura perderam o fôlego e o Brasil não repôs estas empresas (…). Neste e nos próximos leilões teremos muito trabalho para poucos epecistas. Obras de transmissão tem peculiaridades. Fundação, locais de difícil acesso e obra civil. E muitas empresas não se interessam por isso. Alguns lotes vão precisar de mais de um epecista”, prevê.

Por parte das empresas, a vontade é grande de levar um lote, já que o segmento de transmissão é considerado o mais seguro do setor elétrico, muito regulado e o vencedor leva um contrato de 30 anos com Receita Anual Permitida (RAP) indexada ao IPCA.

Empresas como Engie e EDP possuem caixa e devem vir fortes, mas o mercado mira a atenção para a Eletrobras. Como a empresa vai se sair no leilão pode ser a resposta ao recente processo de privatização, já que a tese da desestatização da companhia foi em função da competitividade e maior capacidade de investimentos.

A Isa Cteep chega otimista ao evento. A companhia arrematou grandes projetos recentemente e tem uma carteira em execução de R$ 10 bilhões. O CEO da empresa, Rui Chammas, diz que a empresa tem espaço para mais alavancagem. Ele reconhece que, pelo tamanho dos lotes, pode haver dificuldade das empresas, já que qualquer lote enche o balanço.

“Viemos de um contexto de grandes leilões. Dos nove lotes deste, oito são grandes. Os megaprojetos têm desafios pelo tamanho, os riscos são relevantes em um ambiente de licenciamento ambiental, taxa de juros mais altas, dificuldade de acesso ao capital e equipamentos muito mais caros. Será um leilão mais conservador”, diz.

Chammas levanta outro ponto de atenção: o licenciamento ambiental. Há lotes que passam por regiões de quilombolas e fragmentos de Mata Atlântica, o que pode atrasar o andamento das obras dos projetos. Outra dúvida é sobre a cadeia de fornecedores para atender a demanda, já que há um contexto de atraso nas entregas. Mais um motivo para a Aneel ter alongado de 60 para 66 meses os prazos dos lotes maiores em virtude do aumento médio de prazo de obtenção de autorizações, licenças e tempo de obras.

O vice-presidente de Marketing e Vendas da fabricante de equipamentos Hitachi Energy, Glauco Freitas, vê como acertada a decisão de juntar projetos em grandes lotes, pois atrai empresas com muita experiência. Por outro lado, Freitas ressalta que há um boom de projetos de transmissão de energia no mundo e o Brasil compete por estes projetos na atenção dos fabricantes. Por conta disso, os investidores já formaram pré-contratos para garantirem condições de preço e de prazo de entregas.

“Para este leilão, são mais de 200 reatores de 500 quilovolts (KV). Isso é mais do que um ano inteiro da minha produção. E ele [o leilão] está competindo com as fábricas cheias [de pedidos]. É um volume nunca antes contratado de uma só vez, mas a indústria nacional tem competência e capacidade para fabricá-los (…). O desafio então é encaixar a realidade dos fabricantes nacionais, com a realidade dos epecistas também nacionais e a realidade e investidores”, explica.