.

Saneamento aguarda decreto do governo

Para empresas privadas, há preocupação quanto à regularização de contratos precários

FONTE: Valor Econômico

As empresas privadas de saneamento básico aguardam com apreensão a publicação do novo decreto federal que deverá flexibilizar algumas regras do setor. A expectativa é que o texto saia nos próximos dias – o prazo máximo é o dia 31 de março, mas sinalizações do governo indicam que a publicação pode vir antes.

Após rodadas de negociações entre governo, setor privado, companhias estaduais e prefeituras, ainda há pontos de dissenso.

Do lado do setor privado, a principal condição apresentada é que o decreto não faça alterações na lei em si – o que só poderia se dar pelo Congresso Nacional. A avaliação é que, se esse limite for respeitado, já seria o suficiente para blindar o novo marco contra as principais preocupações do mercado. Porém, há dúvidas se o critério será atendido.

Um temor do setor privado é que as companhias estaduais tenham aval para regularizar contratos que, antes da lei de 2020, já eram considerados precários, porque estavam vencidos ou em desacordo com a legislação anterior, de 2007. As estatais defendem a possibilidade de recuperar a operação com essas prefeituras, porém, as empresas privadas rechaçam a ideia e avaliam que, para isso, seria preciso alterar a lei.

A preocupação de que o decreto incluiria esse pleito ganhou força nos últimos dias, após a prefeitura de João Pessoa assinar um contrato de concessão com a Cagepa (Companhia de Água e Esgotos da Paraíba), por 30 anos, sem realização de licitação – algo proibido pela lei.

A prestação de serviço da estatal à capital vinha sendo prestada de forma precária, via convênio, e não contrato. Além disso, a empresa pública não enviou à agência reguladora a comprovação econômico-financeira para fazer a universalização do município.

No comunicado da assinatura, os governos afirmaram que se trata de uma renovação do contrato de concessão e que a meta era realizar a universalização antes de 2033. A reportagem procurou a prefeitura e o Estado sobre o tema, mas não teve resposta.

Outro ponto de atenção do setor privado é como ficará o papel da ANA (Agência Nacional de Águas). Recentemente, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), declarou que o decreto poderia retirar do órgão federal a atribuição de ditar diretrizes às agências locais de saneamento. A mudança é vista no mercado como um retrocesso e algo que também só poderia ser feito pela via legal.

Questionado sobre esses pontos, a pasta não comentou.

Apesar de alguns pontos em aberto, algumas mudanças já foram pactuadas e deverão estar no texto do decreto. Uma delas é o fim da restrição de 25% para que as estatais firmem Parcerias Público Privadas (PPP).

Outra medida deverá ser um alívio provisório para as prefeituras que prestam o serviço diretamente e que não aderiram a nenhum bloco regional. Pela regra atual, a partir do fim deste mês, essas cidades não poderiam mais acessar recursos federais.

Para Rodopiano Marques Evangelista, presidente da Assemae (associação que representa os departamentos municipais de água e esgoto), a expectativa é que o texto prorrogue esse prazo até dezembro de 2026.

A limitação foi incluída na lei como forma de incentivar a adesão dos municípios à regionalização. Porém, a entidade defende o fim definitivo de qualquer restrição de recursos aos municípios que não desejem aderir ao modelo. “Não há modelo único de universalização”, diz ele.

Porém, a percepção é que dificilmente essa restrição poderia ser derrubada via decreto – por isso a proposta de extensão do prazo, como solução temporária.

Outra mudança que poderá estar presente no decreto é uma flexibilização do processo de comprovação econômico-financeira das empresas prestadoras de serviço, que, na prática, levou à decretação de irregularidade de centenas de contratos.

Essa comprovação, que teve como objetivo garantir que as companhias teriam capacidade para fazer os investimentos necessários à universalização, foi regulamentada via decreto, em um processo considerado complexo, com duas etapas de avaliação. Em debate, está a possibilidade de simplificação dos critérios, com uma etapa única de análise, o que poderia “salvar” muitos dos contratos das estatais que se tornaram irregulares.