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Drenagem de chuvas tem déficit de R$ 14 bi ao ano

FONTE: Portal Saneamento Básico

O setor de drenagem e manejo de chuvas, visto como a esfera mais precária e desvalorizada do saneamento básico no Brasil, sofre com desafios ainda maiores do que o segmento de água e esgoto.

Na visão de especialistas, as deficiências são de todos os gêneros: no financiamento a obras; na capacitação técnica dos municípios; na articulação com políticas urbanas; e na própria vontade política de resolver o problema.

“O desafio é enorme, há muito a se fazer. Mas o custo de não fazer nada é muito mais alto”, alerta Gesmar Rosa dos Santos, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e especialista no tema.

Hoje, a lacuna de investimentos na infraestrutura de drenagem gira em torno de R$ 14 bilhões por ano, segundo Gesner Oliveira, professor da FGV e sócio da GO Associados. Ele calculou o hiato entre os aportes realizados por ano (por volta de R$ 4 bilhões) e aqueles que seriam necessários (R$ 17,6 bilhões).

No país, a infraestrutura ainda é precária. Apenas 28,6% dos municípios têm vias públicas com canais pluviais subterrâneos, e 14,7% das cidades têm soluções de drenagem natural (como valas de infiltração).Além disso, 5% contam com reservatórios de água, como piscinões ou lagos, segundo dados do Snis (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), referentes a 2020.

Os desafios, porém, vão além da necessidade de obras, explicam os especialistas. Um dos fatores que torna a gestão de chuvas complexa é que a infraestrutura de drenagem urbana é essencial, porém, não é suficiente para impedir desastres – como o visto no Litoral Norte de São Paulo.

“É preciso ter uma visão da cidade como um todo. E a questão da moradia é fundamental para o sucesso na prevenção desses acidentes. Não é apenas a questão de drenagem, mas de como estamos ocupando o solo”, diz Santos.

“Muitas vezes há uma visão obreira dos políticos. Quando acontece algum desastre, querem resolver tudo com obra, piscinão, canalizar. Mas se não tiver uma gestão bem feita, controle do uso do solo, não resolve totalmente”, diz Luiz Fernando Orsini, coordenador da Câmara Temática de Drenagem da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária eAmbiental).

Nesse sentido, o planejamento dos municípios é um grande gargalo. No país, apenas 32,4% das cidades têm um mapeamento de suas áreas com risco de inundação e, mesmo entre estas, a maior parte (60,2%) conta apenas com dados parciais, aponta o Snis.

Considerando apenas os 966 municípios classificados como críticos (ou seja, mais sujeitos a cheias, inundações, enxurradas e alagamentos), apenas 18,8% têm Plano Diretor de Drenagem, 49% fazem monitoramento de dados hidrológicos e 34,9% têm sistema de alerta de risco hidrológico, também segundo o Snis.

A falta de capacidade técnica nas prefeituras é outro problema. “Muitas vezes, há até recursos disponíveis no governo federal e bancos públicos para projetos de drenagem, mas que não encontram projetos com um mínimo de qualidade”, afirma Orsini.

Drenagem de chuvas

Para os especialistas, a solução passa por uma ação conjunta das três esferas federativas, e de uma articulação entre políticas urbanas, com uma gestão sustentável.

“Apesar de todas as deficiências, os órgãos públicos já têm ferramentas suficientes para agir. O desafio é colocar em prática. Não dá para ter famílias morando na beira dos rios, em escostas de morros. É preciso ter projetos de habitação digna, e combiná-los com políticas de meio ambiente, recursos hídricos, saneamento”, afirma Santos.

Na Agência Nacional de Águas (ANA), uma das propostas para apoiar os municípios é fomentar a formação de mais agências reguladoras subnacionais voltadas a drenagem urbana, segundo Cíntia Leal, superintendente de regulação de saneamento básico. Hoje, há apenas três órgãos, a nível local, que exercem a função.

“A entidade reguladora pode atuar tanto na parte de apoio técnico quanto na questão econômico-financeira, para ajudar na regulamentação dos órgãos públicos municipais”, diz ela.

A ANA, que desde 2020 ficou incumbida de editar diretrizes nacionais para o saneamento – que inclui água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem -, planeja lançar suas primeiras normas de referência para o segmento em 2024. Em 2023, o tema deverá entrar na agenda apenas indiretamente, por meio do estímulo para que as agências reguladoras já existentes incorporem o tema.

Para Gesner de Oliveira, outro caminho para atrair investimentos seria as Parcerias Público Privadas (PPPs), para obras de drenagem. “Para isso, é preciso modelar de forma adequada e ter matriz de riscos equilibrada. É um tipo de concessão que não existe ainda no país, mas seria importante”, diz.

Leal, da ANA, avalia que além das PPPs, um arranjo interessante seria incluir a drenagem urbana em concessões de água e esgoto – um modelo que está se estudando em Porto Alegre.

Já Santos vê as concessões com ceticismo. “Estamos falando de eventos devastadores e imprevisíveis, de obras que dependem de uma escala de recursos que o usuário não consegue pagar. Pode resolver alguns casos, mas não acredito que dê conta do problema no país, como regra geral.

Fonte: Valor