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Cresce geração por pequenas centrais, mas estoque ainda é grande

De quase 1,5 mil MW em estoque para entrar no mercado nos próximos anos, mais de 500 MW estão sem previsão. Entidades pedem política pública

FONTE: Brasil Energia

Um foco ligeiro sobre os números de 2022 referentes à entrada de novas PCHs e CGHs pode dar a impressão de um ano altamente positivo, com crescimento de 85,6% na potência que entrou em operação comercial em comparação ao ano anterior. Mas quando essa luz vai um pouco adiante e compara os números com o estoque de projetos existentes, o cenário é pouco animador e preocupa as entidades representativas do segmento.

No ano passado entraram em operação comercial 220,19 MW de capacidade, distribuídos por 12 PCH e duas CGHs. Em 2021 o número de usinas havia sido quase o mesmo, 14, mas a capacidade acrescida foi de apenas 118,65 MW. Atualmente os dados da Aneel registram a existência de 590 projetos de pequenas hidrelétricas, somando 8.238,22 MW, pouco mais do que os 8.370 MW da UHE Tucuruí, a segunda maior hidrelétrica 100% brasileira e quinta maior do mundo.

Toda essa capacidade, segundo os dados atualizados no dia 17 de janeiro deste ano, já possuíam o DRS-PCH, que é o despacho da Aneel aprovando o sumário executivo do projeto básico do empreendimento, passaporte para que o investidor requeira o licenciamento ambiental e a própria Aneel providencie a reserva de disponibilidade hídrica com a ANA.

É no licenciamento que ocorre a trava maior e o segmento busca há anos uma saída para convencer a sociedade e autoridades que os benefícios gerados pelas pequenas usinas são maiores do que seus impactos sobre o meio ambiente.

As PCHs são uma realidade secular, mas como parte do projeto de expansão das fontes renováveis elas foram pensadas no Brasil no início deste século, no rescaldo do “apagão” de 2001/2002. Com a Lei 10.438/2002 ela tornou-se uma fonte incentivada, no âmbito do Proinfa, juntamente com outras fontes renováveis como a eólica, a solar e a biomassa.

Como já se vislumbravam enormes obstáculos à construção de usinas hidrelétricas com grandes reservatórios, uma vez que o potencial remanescente dessas usinas estava, basicamente, na Amazônia, a construção em larga escala de PCHs poderia ser uma alternativa de geração flexível e descarbonizada, capaz de cobrir grande parte da variabilidade das fontes eólica e solar, àquela altura já uma realidade em outras partes do mundo.

De 2002 a 2022 foram liberados pela Aneel para operação comercial 5.264,12 MW em PCHs/CGHs, o que corresponde a 79,4% da capacidade hoje existente dessas usinas (6.584,2 MW). Nos cinco anos anteriores a 2002 a capacidade nova agregada fora apenas de 22,76 MW.

Na primeira década deste século a entrada de mais capacidade em pequenas hidrelétricas foi crescendo ano a ano, até alcançar o pico de 642,84 MW em 2008. Em maio daquele ano a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva, no cargo desde 2003 quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu a Presidência da República para seu primeiro mandato, renunciou ao posto por divergência na condução da política ambiental.

Uma dessas principais divergências veiculadas naquela época seria decorrente de pressões sobre o Ibama e o ICMbio para que fossem mais rápidos e menos rígidos na análise de pedidos de licenciamento para obras de infraestrutura. Marina foi substituída por Carlos Minc, saído da Secretaria do Meio Ambiente do Rio de Janeiro. Minc era muito elogiado justamente por ter mais “jogo de cintura”.

Agora, Lula assume para seu terceiro mandato e consegue repatriar Marina para o comando da sua política ambiental. Marina tornou-se um símbolo mundial de uma preocupação ambiental que se aguçou na última década, fruto de crescentes sinais de desequilíbrio climático.

Charles Lenzi, presidente da Abragel

E a primeira viagem internacional de Lula como presidente eleito foi para a COP-27, no Egito, mais acompanhando do que acompanhado pela sua ministra. Ou seja, qualquer retrocesso do seu governo nesse terreno, desta vez não vai bater de frente apenas com Marina, mas com grande parte da comunidade internacional.

Como lembra Charles Lenzi, presidente da Abragel, os maiores interlocutores na questão ambiental daqueles que desejam investir em PCHs não são os órgãos federais, mas as secretarias estaduais do meio ambiente. É que a imensa maioria dos rios inventariados com potencial para receber pequenas centrais é formada por rios que correm em um só estado.

Nestes casos, cabe ao respectivo estado licenciar o empreendimento. Então, em tese, a postura do governo federal não impactaria tanto a liberação dos projetos de pequenas usinas. Mas o próprio Lenzi ressalta que os rios e suas águas são bens da União e que, por isso, requerem uma política pública que regularize seus usos.

Além disso, a postura do governo central tende a irradiar sua influência para os órgãos estaduais e para a sociedade

Alessandra Torres, presidente da
Abrapch (Divulgação)

como um todo, seja em relação às PCHs, seja em relação às hidrelétricas de maior porte (UHEs). “Não entendo porque essa demonização das hidrelétricas”, reclama Alessandra Torres, presidente da Abrapch.

Lenzi ressalta que foi da União a iniciativa, no governo passado, por intermédio do MME, de criar um grupo de trabalho dedicado à busca de um manual que possa padronizar os passos dos órgãos estaduais no licenciamento das PCHs.

“Esse trabalho avançou bastante e espero que no novo governo ele tenha continuidade”, ressalta Lenzi. Segundo ele, o avanço maior foi os órgãos estaduais terem ficado convencidos da importância de se ter um regramento padrão para os licenciamentos. “As minutas a serem publicadas é que trarão as especificidades”, pondera.

É em torno dessas especificidades que se espera uma ação liderada pela União para amarrar os propósitos favoráveis, dentro do rigor das melhores políticas socioambientais, como ressaltam as duas principais lideranças do segmento.

Pensando em mostrar esse alinhamento das hidrelétricas, especialmente das pequenas, com os objetivos de descarbonização e da conservação ambiental que a Abrapch vai convidar a ministra Marina Silva para participar da abertura de sua conferência anual que vai acontecer nos dias 29 e 30 de março, marcando o décimo aniversário da entidade.

“A ministra Marina conhece muito da questão ambiental e queremos mostrar para ela que as PCHs são empreendimentos de baixo impacto, em grande parte reversíveis, e de benefícios indiscutíveis”, pondera Torres.

PCH Piabanha (RJ), mais antiga do Brasil, instalada em 1908

Entre os trunfos que a presidente da Abrapch pretende apresentar à ministra está um estudo do órgão ambiental do Paraná (Instituto Água e Terra – IAT) demonstrando que as PCHs reflorestaram quase 3,5 vezes mais do que suprimiram vegetação ao serem instaladas. O estudo abrange o período de 2014 a 2022, envolvendo 89 projetos. A supressão foi de 951 e a recomposição, de 3.119 hectares.

Torres pretende mostrar à ministra, e ao Ministério Público Federal (MPF), outra constatação, esta da Aneel, segundo a qual a instalação de pequenas hidrelétricas beneficiam o avanço do índice de desenvolvimento humano (IDH) dos municípios onde elas são instaladas.

Todo esse esforço tem como principal objetivo destravar uma estatística que parece estar andando para trás. De 1.490,94 MW, distribuídos por 114 projetos com liberação teoricamente prevista para os próximos anos, 519,94 MW estão sem previsão. Para este ano, a estimativas é que entrem em operação comercial apenas 100,47 MW.

Das 114 usinas que deveriam ser liberadas nos próximos anos, 91, totalizando 1.188,97 MW, estão com seus cronogramas atrasados e apenas 23 estão adiantados ou dentro do previsto. Quanto à viabilidade dos projetos, as estatísticas da Aneel classificam 51 (610,30 MW) como de baixa, 34 (360,74 MW) como de média e 29 (519,89 MW) como de baixa.

Segundo Torres, 90% dos projetos de PCHs listados na Aneel estão fora da Amazônia, o bioma mais delicado em termos ambientais do país. Abrapch e Abragel argumentam ainda que a viabilidade das hídricas em relação às demais fontes renováveis precisa ser medida considerando, entre outros fatores, que elas entregam o pacote completo, incluindo as linhas de transmissão.

Dentro dessa conjuntura, o segmento pleiteia uma política pública que balanceie os prós e contras e que veja nas PCHs e nas hidrelétricas como um todo um trunfo que o Brasil possui no esforço universal em busca de fontes de armazenamento que possam servir de suporte à expansão das fontes variáveis.