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Com déficit recorde, setor químico recebe alento no fim do ano

Ainda falta a regulamentação, por parte do Poder Executivo, para que o Reiq seja retomado em janeiro, mas o risco maior de extinção foi novamente debelado

FONTE: Valor Econômico

Na virada de 2021 para 2022, a indústria química brasileira era surpreendida por uma medida provisória do presidente Jair Bolsonaro (PL), decretando o fim imediato do Regime Especial da Indústria Química (Reiq). A “canetada” veio após meses de impasse e árduas negociações com o Congresso Nacional, que acabou mantendo o incentivo fiscal sob determinadas pré-condições, e tirou o sono do setor, que já alertava para o risco de fechamento de 85 mil postos de trabalho e redução de R$ 5,7 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB), segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Doze meses depois, recebeu um alento em meio à onda de más notícias. Há dez dias, os parlamentares derrubaram mais um veto do presidente da República, o 32, que revogava a manutenção do Reiq até 2027. Ainda falta a regulamentação, por parte do Poder Executivo, para que o programa seja retomado a partir de janeiro, mas o risco maior de extinção foi novamente debelado.

Os benefícios do Reiq, que reduz as alíquotas de PIS e Cofins incidentes sobre matérias-primas petroquímicas de primeira e segunda geração, como nafta, etano e butadieno, não valem somente para as grandes companhias em particular a Braskem, a maior do país. Têm efeito cascata sobre a cadeia a jusante e chega ao consumidor final, no mínimo por garantir a produção local de insumos que são utilizados em diferentes outras indústrias.

Conforme a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), com a derrubada do veto, volta a valer o artigo que concede, a partir de 2024, 1,5% de crédito presumido a mais para as companhias químicas e petroquímicas que investirem em aumento de capacidade produtiva até determinado valor, estimulando diretamente novos aportes inclusive para a produção de fertilizantes.

Com a guerra na Ucrânia, a redução da oferta global desses produtos deixou claro que o país, que se reconhece como potência do agronegócio, não pode depender da importação de insumos essenciais. Após a regulamentação, o Reiq voltará à trajetória de transição gradual até sua extinção em 2027 – quando, supostamente, as condições de competitividade do setor já serão outras.

“Somos os primeiros em arrecadação de impostos no setor de transformação, mas o terceiro do PIB. O Reiq está suspenso e, para ser retomado, precisa ser regulamentado a partir de 1º de janeiro”, diz o presidente-executivo da Abiquim, André Passos Cordeiro.

Sexta maior do mundo, a indústria química brasileira teria condições de avançar no ranking não só pela substituição de produtos importados, que caminham para representar metade da demanda interna nos próximos anos, como pela possibilidade de competir no mercado internacional se as condições de produção local fossem um pouco mais próximas às vistas em grandes fornecedores mundiais como Estados Unidos e China.

Mas uma série de fatores reduz a competitividade do produto químico nacional e o Reiq foi instituído em 2013 justamente para tentar corrigir distorções que prejudicam a indústria brasileira. Por aqui, diz a Abiquim, o imposto sobre o faturamento vai de 40% a 45%, enquanto nos Estados Unidos varia de 20% a 25%.

Além disso, o gás natural usado como matéria-prima e energético pelo setor é três vezes mais caro no Brasil e os americanos já começaram a atuar contra uma potencial desindustrialização, via apoio à inovação e, mais recentemente, à compra de bens e serviços de origem interna.

“O Brasil pode ter gás em volume suficiente para aumentar a capacidade de produção, a preço competitivo. O gás pode chegar a US$ 5 ou US$ 6 [o milhão de BTU] para a indústria, que assim poderia competir com players como China e Estados Unidos, fazendo ajustes de carga tributária e de infraestrutura”, afirma Cordeiro.

A diretora de Economia e Estatística da Abiquim, Fátima Giovanna Coviello Ferreira, observa que muitos dos pleitos do setor são, na verdade, questões da indústria como um todo. “Reforma tributária, segurança jurídica, defesa comercial e inserção internacional. Essa agenda não é específica do setor”, diz. “As regras mudaram várias vezes nos últimos anos. O que estamos propondo é o fortalecimento do sistema de defesa comercial”.

Os dados da balança comercial corroboram os alertas de perda sistemática de competitividade da indústria química. Neste ano, o déficit do setor deve se aproximar dos US$ 65 bilhões, de longe o maior da história, com participação de 44% dos importados no mercado doméstico. Ao mesmo tempo, a taxa de ocupação da capacidade instalada do setor no país está em apenas 72%.

No acumulado do ano até novembro, segundo a entidade, as importações de produtos químicos somaram US$ 74,8 bilhões, alta de 36% puxada pelo preço médio 42,6% superior. Em volume, foram mais de 53,2 milhões de toneladas, queda de 4,6%.

As exportações, por sua vez, seguem bem distantes das compras externas e somaram US$ 16,1 bilhões em 11 meses, aumento de 24,9% também na esteira do preço médio mais alto, em 25,3%.

O estudo encomendado pela Abiquim à FGV mostra que o fim abrupto do Reiq tornaria inviável a operação de diferentes parques industriais no país. Fornecedor de outras cadeias de valor, o setor foi beneficiado com o programa a partir de 2013, numa tentativa de garantir sua competitividade.