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Energia solar supera eólica e se torna a segunda maior fonte da matriz brasileira

A fonte fica atrás das hidrelétricas, que têm hoje 109,7 GW, segundo dados da Agência Nacional de Energia (Aneel)

FONTE: Valor Econômico

Em uma década, a energia solar saiu praticamente do zero em capacidade instalada na matriz elétrica brasileira para o posto de segunda colocada, atrás das hidrelétricas. A fonte acaba de superar as eólicas em instalações e bateu a marca histórica de 23,9 gigawatts (GW) de potência, somando as usinas de grande porte e os pequenos sistemas fotovoltaicos de geração própria em telhados, fachadas e pequenos terrenos.

O montante equivale a 11,2% da matriz elétrica do país. Desde 2012, os investimentos somaram R$ 120,8 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar). Melhora tecnológica, evolução do mercado no Brasil, redução dos custos e boa qualidade de insolação no território brasileiro criaram condições ideais para que a fonte crescesse.

Soma-se ainda a forte política estatal de incentivos para as energias renováveis como pilar de sustentação ao crescimento, de acordo com o projeto Economia da Inovação Energética e Transição do Sistema (EEIST, na sigla em inglês).

Ao Valor, o presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia, diz que o Brasil está entre os dez maiores mercados do mundo neste segmento, e ainda galgando espaço. “A primeira contratação de energia solar feita pelo governo federal foi em 2014 e apenas em 2017 o Brasil conquistou o primeiro gigawatt matriz. Se formos comparar com o setor eólico, o primeiro leilão deles foi feito uma década antes”, diz o executivo.

O ano de 2022 foi singular nesta trajetória: o setor superou os desafios da oscilação cambial, alta dos fretes, colapso das cadeias de suprimentos da China, congestionamentos em portos, inflação causada pela alta demanda global e reflexos da pandemia. Mesmo assim, o Brasil adicionou 9 GW de potência. Só nos últimos 150 dias, o ritmo de crescimento foi superior a 1 GW por mês.

Com isso, a energia gerada a partir de painéis fotovoltaicos se consolidou como o segmento que mais cresce no setor elétrico, associando a crescente busca por energia limpa e renovável com o apelo do baixo custo.

Ao que tudo indica a energia solar deve continuar crescendo com fôlego. A projeção da Bloomberg é que, até 2050, a fonte deve ocupar a primeira posição da matriz brasileira, superando as hidrelétricas, que têm hoje cerca de 109,7 GW em operação, segundo informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

“Esse caminho poderá ser traçado de maneira mais ou menos ágil, de acordo com as políticas públicas que forem desenvolvidas, de acordo com o uso que essas tecnologias vão ter em programas governamentais”, diz Sauaia.

Importante destacar que a fonte solar é significativa na matriz por conta da geração distribuída, modalidade de produção de energia gerada principalmente com painéis solares junto ou próxima dos consumidores com limite de até 5 megawatts (MW). Graças à sua versatilidade e agilidade, um sistema no telhado ou um pequeno terreno fica operacional em apenas 24 horas.

O presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), Guilherme Chrispim, lembra que neste contexto histórico as eólicas levaram mais tempo para alcançar o mesmo patamar. Além do mais, o crescimento da solar foi fundamental para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do Brasil, no momento em que o consumidor passou a ter mais poder, inclusive com a opção de gerar sua própria energia.

“Quem fez a energia solar ser a segunda maior fonte na matriz foi a geração distribuída para pequenos consumidores (…), isso demonstra a democratização desta fonte, sem contar que área com sol não falta no Brasil.”

Não à toa a geração distribuída foi a modalidade que mais adicionou potência no sistema, 7,7 GW frente aos 4,6 GW de 2021 e deve continuar sendo quem mais vai injetar capacidade.

Para 2023, a Absolar prevê que a fonte deve incrementar mais 10 GW de capacidade no sistema elétrico e fechar o ano com 34 GW no total acumulado. Deste montante, 21,6 GW serão provenientes de pequenos e médios sistemas instalados pelos consumidores nas residências, pequenos negócios, propriedades rurais e prédios públicos.

O caminho ainda é longo para o setor. O desenvolvimento tecnológico tem muito a se desenvolver, já que boa parte dos painéis solares instalados em residências têm baixa eficiência. As células de silício cristalino tinham 13% de eficiência há dez anos, hoje o mercado tem células de até 26%. Ao passo que a tecnologia avança, os custos caem na proporção inversa.

“Desde 2020, a solar é a fonte que gera energia elétrica com o menor custo-benefício em locais em que moram mais de 60% da população do mundo. Mais baratas do que termelétricas a carvão, eólicas e fontes hídricas”, diz Sauaia, ao se referir a grandes usinas. Aliás, de acordo com a previsão da Agência Internacional de Energia (AIE), a fonte deve superar a produção energética com carvão até 2027.

Um estudo da consultoria Greener, com empresas do setor no Brasil, aponta que os sistemas solares de menor porte também tiveram os custos reduzidos. O diretor da consultoria, Marcio Takata, diz que um sistema fotovoltaico residencial que custava, em média, R$ 35 mil em 2016 atualmente pode ser adquirido por R$ 19,5 mil.

Mesmo com a substancial queda nos preços dos equipamentos, o sistema ainda é de difícil acesso para famílias de baixa renda. A diretora e fundadora da consultoria Clean Energy Latin America (Cela), Camila Ramos, frisa que mesmo com a alta de juros no Brasil, a procura por financiamento de placas solares têm aumentado por conta da crescente alta na conta de luz dos brasileiros nos últimos anos.

Segundo a executiva, as linhas de financiamento no segmento aumentaram no último ano. O setor defende mais acesso a crédito em programas sociais para trazer de maneira mais democrática essa tecnologia à toda sociedade.

O crescimento da fonte não se restringe ao Brasil. O mundo todo vem apresentando recordes de instalações não só porque os países estão impulsionando a expansão de energias renováveis, mas também para alcançar suas metas climáticas e de segurança energética. A China, por exemplo, tem mais de 306 GW. Os EUA estão com mais de 123 GW, segundo dados de 2021. Comparado com alguns países, o Brasil ainda dá seus primeiros passos.