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Galp: Brasil no foco

FONTE: Brasil Energia

O Brasil continuará sendo um dos principais polos de investimentos da Galp. Depois de assegurar a posição de terceiro maior produtor do país, atuando como sócia em projetos do porte de Tupi, Iracema e mais recentemente em Bacalhau, que entrará em operação em 2024, a petroleira portuguesa reforça sua posição no segmento como comercializadora de gás e constrói seu portfólio na área de renováveis. Em entrevista à Brasil Energia, Daniel Elias, presidente da companhia no Brasil, analisa os planos para o futuro e os desafios a serem enfrentados tanto no segmento de óleo e gás quanto no de renováveis.

Como a Galp enxerga hoje a transição energética no mercado global e no mercado brasileiro?

No mercado global, nossa empresa fez um compromisso de reavaliar o portfólio, que tem dois componentes principais. Um é a realocação do capital, definindo 50% para novas energias e mantendo 50% para o negócio de óleo & gás, que no Brasil se traduz em crescimento de produção até pelo menos 2025. No mix de intensidade carbônica, nós assumimos metas de reduzir as emissões absolutas até 2030, escopo 1 e 2, em 40%, e atingir net zero em 2050, com escopo 1, 2 e 3. Do ponto de vista global, do escopo 1, 2 e 3 nós nos comprometemos a reduzir em 40% a production based e em 20% o downstream sales approach. Essas metas estão em coerência com o posicionamento da empresa do ponto de vista ESG, área na qual temos sido agraciados com vários prêmios de sustentabilidade ao longo do ano. No Brasil estamos passando de uma empresa de Óleo & Gás para uma empresa de Energias, adquirindo um portfólio para ser desenvolvido de até 5 GW em solar e eólica. É um objetivo bastante ambicioso, que duplica o nosso portfólio global. Estávamos inicialmente centrados em renováveis na península ibérica e o Brasil passa a ser a nossa segunda área foco nesse segmento. Do ponto de vista da distribuição de energia, na Ibéria a empresa está alterando seu perfil para ser um dos maiores players de mobilidade elétrica. Já temos um número significativo de pontos de carregamento e queremos chegar a 10 mil pontos até 2025.  No Brasil, para além desse portfólio de energias renováveis que queremos desenvolver, temos também estudado outros tipos de novas energias.

Essa é a visão de longo prazo?

Sim. Quando falamos em transição energética não significa que o mix de energia não contenha o negócio tradicional de petróleo e gás. Nós estamos descarbonizando o portfólio. Em Portugal, estamos desenvolvendo projetos de hidrogênio verde para descarbonizar nossa atividade industrial de refino e transformar nosso polo num parque industrial verde.

Hidrogênio não está na mira da Galp para o Brasil?

Depende do que você quer dizer com mira, mas concretamente não ainda. Do ponto de vista de cenários, faz parte do que avaliamos para nossa presença no Brasil sim. Nós vamos construir um portfólio significativo de energias renováveis e queremos maximizar o valor desse portfólio através de soluções competitivas e o hidrogênio, se confirmar que é competitivo no Brasil, pode ser uma possibilidade.

No segmento de E&P, a Galp optou pela estratégia de não atuar como operadora no Brasil, ainda que tenha assegurado um portfólio expressivo. Qual será a estratégia para o segmento de renováveis?

Ótima pergunta, tenho até que refletir um pouco mais antes de responder…Na prática, no Brasil, ao longo desses 20 anos, fomos pioneiros em diferentes bacias, valorizamos sempre as parcerias e tivemos foco muito grande em performance, tanto na dimensão econômica quanto na de sustentabilidade. Chegamos a ser operadores no onshore, mas sentimos que seria mais eficaz termos um portfólio não-operado em ativos de deepwater, que é onde estamos hoje. Na área de Renováveis, nesse momento, somos operadores do portfólio da Ibéria e do Brasil.

O que levou a Galp a não operar ativos de águas profundas no Brasil e operar projetos de renováveis?

No Brasil chegamos à conclusão que nos ativos de ultra deepwater estar em parceria, como não operador, era uma decisão correta. No caso das Renováveis, com a velocidade que queremos crescer e a ambição e a competência que temos, achamos que podemos maximizar o valor e a tomada de decisão sendo operadores. Apesar de não sermos operadores no upstream no Brasil, temos todo um time na parte jurídica, contábil, fiscal, econômica, em todas as dimensões relacionadas com o ambiente regulatório e de procurement, que nos posiciona bem para o mercado de renováveis.

A Galp tem hoje três projetos na área de renováveis, em eólica e solar, e o plano é continuar crescendo. Existe uma meta para o Brasil?

A meta não é específica para o Brasil, é global. Queremos chegar a 10 GW em 2030. O Brasil será um mercado muito importante, que atualmente representa, do ponto de vista de oportunidade, 50% do nosso portfólio.

Eólica offshore também está no radar da Galp?

Estamos atentos a esse potencial mercado e atentos ao que está acontecendo a nível global. Para sair do papel e se tornar uma eventual concretização de oportunidade há muito trabalho a fazer. Nossa empresa tem a tradição da tomada de decisão de investimento robusto ser bastante pragmática, com todos os fatores equacionados, inclusive o risco. Tupi-Iracema é um bom exemplo disso. Naquela altura foi pioneiro e hoje é um caso de sucesso a nível global. O importante é que tomamos uma decisão consciente.

Como o sr. enxerga hoje o momento global e do Brasil dos setores de Óleo & Gás e de Energia tendo em vista o impacto da crise sanitária, gerada pela pandemia, e geopolítica?

É um momento de crise global. Do ponto de vista energético, nossa missão é fornecer energia de forma segura, assídua e sustentável.  O Brasil tem potencial de fornecer vários tipos de energias, tanto para consumo interno quanto externo e se o país mantiver os princípios e se todos os agentes do setor compreenderem que essa crise representa uma oportunidade, ainda que não seja algo de fácil solução, o país poderá fornecer energia mais competitiva e em maior escala. Essa oportunidade tem que ser agarrada porque, do ponto de vista de sustentabilidade, temos petróleo e gás com a pegada carbônica mais baixa, o que faz com que a Galp tenha a excelente marca de aproximadamente 9 kg de CO2/boe. Além de uma matriz energética com uma série de fontes de energias renováveis.

Havia expectativa de que a Galp participasse do leilão de Sépia, já que a empresa detinha participação na área contígua. Por que a companhia ficou de fora?

Não temos dúvida da qualidade do ativo nem da qualidade do processo. O motivo que fez com que a gente não participasse foi puramente gestão de portfólio global. Não teve relação específica com a condição do leilão ou do ativo.

A Galp não participou dos dois últimos leilões realizados no Brasil. A companhia tem interesse no primeiro leilão da oferta permanente de áreas do pré-sal?  Qual a avaliação das áreas e dos bônus?

O que posso falar sobre isso é que estamos, como sempre fazemos, olhando as oportunidades que são oferecidas.

Sendo mais direta então, a Galp tem um portfólio que vai demandar muitos investimentos no Brasil, em função, por exemplo, do desenvolvimento de Bacalhau e do redesenvolvimento de Tupi. Há espaço para novos projetos de E&P ou os atuais já irão demandar muitos investimentos do grupo?

No nosso portfólio hoje, temos bastante espaço de manobra. Temos o plano de desenvolvimento de Tupi, que fizemos uma proposta de revisão, temos ativos como Sépia, Atapu, Bacalhau e o próprio Sururu, que são áreas que têm uma primeira fase visível, mas depois existem potenciais segundas fases e a nossa preferência será sempre maximizar o valor dos ativos que nós temos, porque eles ainda têm capacidade de crescimento. Depois, no longo prazo, temos as metas de descarbonização e nossos novos ativos vão ter sempre que ser comparados a todas as outras oportunidades que coexistem no tempo, tanto no Brasil como fora do país. O que nós fizemos, tendo em conta a questão da transição energética, é que os nossos critérios de decisão de investimentos de upstream se tornaram bastante exigentes em todas as dimensões.

O portfólio da Galp no Brasil ficou muito concentrado na Bacia de Santos, apesar de a companhia ter alguns blocos em Barreirinhas. A meta é manter esse perfil ou pode ocorrer uma diversificação maior?

Diante do sentido de urgência da transição energética, queremos crescer nas áreas onde já estamos presentes e podemos acelerar a execução. Estamos em Moçambique e fizemos um poço exploratório em São Tomé, ou seja, não excluímos a atividade exploratória de fronteira, mas é um portfólio pré-existente.

Há previsão de exploração de upsides no BM-S-8?

O que temos agendado é o cronograma de perfuração da fase 1 que, por si só, vai trazer informação nova. Do conceito de upsides, não temos nada. Do ponto de vista exploratório, o que existe são algumas incertezas que serão afinadas com a perfuração.

Quanto a Galp vai investir no Brasil nos próximos anos?

Nós já investimos US$ 5 bilhões no Brasil. Nosso investimento futuro depende dos cenários e dos projetos. Prefiro não dar um número fixo, mas nosso compromisso com o Brasil é expressivo.

Qual a perspectiva de crescimento da produção para o Brasil?

Hoje estamos produzindo pouco mais de 100 mil boed e temos a expectativa de crescimento de 20% a 25% até 2025, com a entrada em operação do projeto de Bacalhau e de novos poços em projetos já em produção.

A Galp fechou recentemente contrato de fornecimento de gás com Sergás e ES Gás e tem contratos ainda com a Bahiagás, Potigás, Cegás e Gasmig. Toda produção atual já está vendida?

Nós hoje conseguimos uma posição de venda para além de nosso gás produzido. Nós também temos gás associado que era da Repsol Sinopec, que adquirimos no final do ano passado. Nós hoje não vendemos só o nosso equity, vendemos também o do gás associado da Repsol Sinopec. O volume em si varia porque, como é gás associado, está linkado à produção.

Quais as principais destinações de exportação de petróleo da Galp hoje?

Ásia, com destinação basicamente para a China, e durante a crise energética incluímos a Europa também.

A Petrobras e seus sócios tinham interesse em vender suas participações nos gasodutos do pré-sal, os chamados rotas. Esse projeto foi engavetado em definitivo tanto pela Petrobras quanto pela Galp e demais sócios?

Quando você usa a palavra definitiva talvez seja uma provocação para ver se eu também tenho uma frase definitiva (rs)…. Houve um momento que isso foi considerado e o momento tem a ver com as condições do mercado e das próprias instituições. Os pilares da nossa nova estratégia são de reshape portfólio, refresh relations e reenergise our people. Posso dizer que no primeiro pilar não deixamos nada fora, ou seja, se tenho oportunidade de maximização de valor então vamos como isso no funil. O que aconteceu foi uma questão de mercado, de posicionamento das diferentes empresas, que no momento não temos nada de concreto para anunciar. Mas do lado da Galp, continuamos sempre abertos a qualquer oportunidade de maximização de portfólio.

O que é fundamental para o futuro?

No caso do Brasil, sem dúvida, o potencial das renováveis é grande, o potencial do petróleo e gás é grande, mas, como se costuma dizer em alguns fóruns, o Brasil é uma potência, mas não podemos ser só um gigante de otimismo. Temos que ser um gigante de realizações e, para isso, é preciso ter consciência de tudo que é necessário simplificar e fazer em conjunto. Temos que ser gigantes da concretização, mapear as fontes de melhorias e fazer acontecer.