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Brasil é potência em minerais críticos para transição energética
Especialistas apontam reservas importantes, que vão de lítio a terras raras, com aplicações em baterias, aerogeradores eólicos, placas solares e células a combustíveis, entre outros
FONTE: Brasil Energia
A transição energética para fontes renováveis será cada vez mais dependente de minerais. A lista não se restringe ao lítio para alimentar as baterias de veículos elétricos e os sistemas de armazenamento de energia (ESS, da sigla em inglês). Minerais comuns e de produção em grande volume, caso do ferro e do cobre, também têm e continuarão tendo um papel importante no processo.
Publicado em janeiro desse ano, o artigo The raw-materials challenge: How the metals and mining sector will be at the core of enabling the energy transition, da consultoria McKinsey, destaca a demanda de cobre para eletrificação e de níquel para a bateria dos veículos elétricos, entre outros aspectos, mas chama a atenção para os chamados minerais de nicho.
São nomes pouco conhecidos do dia a dia, como o telúrio, empregado na fabricação de painéis solares, e do neomídio, usado para imãs permanentes usados em energia eólica e nos carros elétricos. Ou ainda o disprósio e o praseodímio, ambos utilizados na geração eólica. Complicado?
É possível simplificar: a transição energética será intensivamente metálica, na avaliação de Paulo Castellari Porchia, CEO da Appian Capital Brazil, que tem ativos em mineração, resumindo o cenário durante uma mesa redonda sobre o tema realizada em setembro durante a Exposibram, maior evento de mineração do país.
O executivo apontou aumentos de 140% na demanda de cobre, níquel e zinco para as mudanças de fontes fósseis para eólica, de 2020 a 2030. E de 480% no uso dos mesmos metais para a transição de fontes fósseis para solar. No mesmo período, as estimativas da McKinsey citadas por ele indicam o aumento de 5 vezes na taxa de crescimento de instalações de turbinas eólicas. O crescimento dos painéis solares deve ser multiplicado por 8, só para ficarmos em dois exemplos de mudança.
Brasil tem quase todos os minerais críticos
Com o quadro descrito acima, é possível entender que o Brasil pode ser um player importante nessa transição. Além de já ter uma matriz predominantemente limpa, o país é um grande produtor mineral.
Márcio José Remédio, diretor de Geologia e Recursos Minerais do Serviço Geológico do Brasil (SGB), informa que a instituição acompanha a demanda por minerais críticos. É o caso da grafita ou grafite, que teve um projeto de avaliação de reservas finalizado em 2020, confirmando centenas de potencias projetos, parte de deles em andamento no Centro-Oeste, Ceará, Bahia e Minas Gerais, entre outros.
Devido à sua grande condutibilidade elétrica, a grafita tem aplicação em baterias de íon lítio. A avaliação é confirmada por Paulo Fernando Almeida Braga, diretor do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), que lista outros usos, incluindo as células a combustível. O Brasil tem a terceira maior reserva mundial do mineral e responde por 7% da produção, com a grafita de alta pureza apontada como elemento de alto desempenho em dispositivos de energia.
Afonso Sartório, sócio-líder de Mineração e Metais da EY na América do Sul, lembra que a grafita é também base do grafeno, que pode ser usado em componentes de alta tecnologia adotados na geração de energia renovável, ou seja, as utilizações se amplificam e podem agregar valor com a verticalização da indústria mineral.
As terras raras, grupo que envolve vários minerais, é outro exemplo do potencial do Brasil. De acordo com Braga, temos muitos recursos identificados, mas pouca extração e beneficiamento. Mas não faltará aplicação, uma vez que elas são de uso intensivo em geradores de energia limpa, como as turbinas eólicas e nas células fotovoltaicas, além de imãs de alto rendimento.
Ampliar cadeia de valor no radar
O especialista da Cetem informa que a mineradora Serra Verde deverá produzir um concentrado de elementos de terras raras (ETR, na terminologia mineral), um avanço na cadeia de valor.
E o lítio é o melhor exemplo disso. O Brasil tem três grandes produtores. A AMG e a Sigma estão focadas na exportação do concentrado do espodumênio, um dos minérios de lítio, enquanto a CBL domina todo o ciclo, desde a oferta de concentrado de espodumênio até a entrega de compostos químicos. Usando uma rota ácida, a empresa produz carbonato e hidróxido de lítio.
“Somente a China tem uma cadeia integrada de produção de lítio como a do Brasil”, adianta Vinicius Alvarenga, CEO da companhia. Ele destaca que a CBL opera desde 1991 com essa estrutura e que o domínio da tecnologia permitiu a oferta de lítio de alta pureza usado na indústria farmacêutica e, agora, a produção de carbonato de lítio battery grade, que exige menos pureza e que é exportado para atender o mercado de baterias elétricas.
A continuidade da cadeia seria a fabricação de baterias de íon lítio, mas o processo de parceria com Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), que detém um terço da companhia, não avançou.
Braga, do Cetem, lembra que as baterias de íon lítio estão sendo tratadas como uma questão geopolítica e não somente no Brasil. Ele adianta, inclusive, que a chinesa BYD, fabricante de veículos elétricos, teria um projeto futuro de produção desse tipo de dispositivo no Brasil, mas argumenta que é necessária a produção precursora de lítio, níquel e cobalto de alta pureza – battery grade – para atender esse mercado.
O urânio também vem sendo acompanhado como elemento importante para energia limpa, sendo que o Brasil ocupa posição privilegiada, entre as dez maiores reservas do mundo.
Remédio, do Serviço Geológico Brasileiro, destaca que a instituição completou um mapeamento detalhado do minério no fim de 2021, identificando áreas específicas. Considerado estratégico, o minério extraído só pode ser processado pela INB, companhia mineral estatal. O país já tem produção local e vai expandir, inclusive com o projeto de Santa Quitéria, para produção de fosfato no Ceará, que tem o urânio como subproduto.
Geopolítica mineral e energética
Além da iniciativa de identificar reservas e demandas de minerais críticos para a transição energética, o Brasil pode se reposicionar geopoliticamente, segundo Sartório, da EY. A pandemia de Covid-19 e a guerra da Ucrânia “bagunçaram” as cadeias de suprimento mundial e países como Estados Unidos devem priorizar fornecedores mais próximos.
E esse será o caso de minérios e de produtos de valor agregado dessa cadeia. Lembrando ainda que nosso vizinho ao Norte tem a política de manter suas reservas naturais e importar o que precisa. A dica do especialista é focar no desenvolvimento de indústria local, seja baterias para lítio ou pás para usinas eólicas.
Bruno Pascon, diretor do CBIE Advisory, acrescenta outros componentes sobre a discussão dos minerais nessa transição: o fato de as energias renováveis não suprirem totalmente a demanda de energia no mundo e a complexidade dos projetos minerais. Ele avalia que o Brasil novamente sai na frente pela matriz renovável, incluindo a geração hidrelétrica. Não é o caso de países asiáticos, cuja média de renováveis é de 40% e que têm um crescimento acelerado, demandante de energia.
Para o especialista, a pauta energética não pode ser conduzida somente com o viés dos ambientalistas e é necessário entender que combustíveis fósseis vão ser necessários por um longo tempo, em função de aplicações como a indústria de plástico.
Outro ponto levantado por ele é a complexidade dos projetos de exploração mineral. A opinião é compartilhada por Sartório, da EY, que estima que os trâmites de licenciamento ambiental médio durem, no mínimo, dois anos. Outros especialistas do setor ouvidos nessa reportagem avaliam que essa é uma avaliação otimista.
O projeto de Santa Quitéria, citado acima, altamente estratégico pela produção de fosfato para a agroindústria, e de urânio como subproduto, está passando atualmente pelo licenciamento, tido como demorado pelo mercado de mineração em função da demanda de fertilizantes no mercado interno e da crise de suprimentos. Alvarenga, da CBL, também argumenta que o licenciamento é um gargalo.
Mais pé no chão em relação à demanda de lítio para a transição energética, o executivo da CBL lembra que os preços estão bem acima da média, mas sabe que o setor mineral está acostumado com picos e baixas e aposta num equilíbrio. “Estamos usando parte dos lucros para investimentos em ampliação de área de exploração e em novos desenvolvimentos”, conclui.