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Três perguntas sobre: o início do inverno na Europa e a questão energética
FONTE: Monitor Mercantil
Conversamos com Marcio Balthazar da Silveira, economista e consultor óleo e gás natural, sobre o inverno que se inicia na Europa nesta quarta, 21, e a questão energética.
Considerando a Guerra na Ucrânia e todas as suas consequências, como a Europa chega ao início do inverno em termos energéticos?
Antes de a Rússia invadir a Ucrânia em fevereiro, o que provocou sanções ocidentais, ela fornecia cerca de 40% do gás da Europa. Desse total, cerca de 65% das entregas vinham através do gasoduto Nord Stream para a Alemanha e o restante através de oleodutos via Ucrânia. Por mais que os embarques via Ucrânia tenham sido mantidos, eles estão em risco, já que não existem sinais de que a guerra com a Rússia esteja próxima de um fim. Enquanto isso, as entregas de gás através do Nord Stream pararam desde o final de agosto, quando o gasoduto foi danificado. Existem suspeitas de sabotagem, e ele não deve retornar ao serviço em breve.
A União Europeia (UE) tem o armazenamento de gás para o inverno deste ano assegurado, mas enfrenta um prognóstico difícil para recompor os estoques para o inverno de 2023/24. As contas de energia deverão se manter elevadas, e a implementação de medidas de racionamento, que até agora haviam sido evitadas, não estão descartadas, caso as alternativas de suprimento via GNL esbarrem em questões que envolvam logística de recebimento, transporte e armazenagem, ou em preços e disponibilidades no mercado internacional.
A depender da demanda nessa estação, a UE terá que importar volumes de GNL, num mercado que poderá se apresentar ainda mais competitivo que em 2022, caso os indicadores de atividade econômica na China apresentem melhoras depois das restrições à Covid implantadas neste ano.
Os próximos 12 a 24 meses serão fundamentais para determinar se a Europa poderá evitar uma crise energética a longo prazo. De acordo com estimativas publicadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), as famílias e as empresas europeias já registaram ao longo de 2022 um aumento dos custos totais de energia no valor de € 1 bilhão. Segundo esse estudo, se os governos da UE não fizerem nada além de apoio financeiro ou concessão de subsídios aos preços, o montante poderia representar cerca de 6% do PIB anual do bloco.
Aqui fica a questão: como ficará a competitividade da indústria europeia diante de custos de energia elevados? Em 2022, a UE foi circunstancialmente favorecida pela desaceleração econômica da China em razão do recrudescimento da Covid na região. O clima excepcionalmente ameno ao longo do ano no continente permitiu que se conseguisse inibir um pouco o uso de gás no período. De acordo com a própria UE, o bloco chega ao final do ano tendo reduzido a sua dependência do gás russo de 40% das importações antes da invasão da Ucrânia para menos de 9%.
Contudo, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês), se a oferta de gás russa cair para zero, e a demanda chinesa de GNL atingir os níveis de 2021, a UE terá dificuldades para obter cerca de 30 bilhões de metros cúbicos adicionais (75 MMm³/dia) em 2023, o equivalente a quase 7% da demanda de 2021. Nessas circunstâncias, a expectativa é de que os mercados de gás e GNL permaneçam especialmente voláteis, e, nas condições atuais, não há garantias de que a UE conseguirá substituir o suprimento proveniente da Rússia.
A gigante automotiva alemã Mercedes-Benz, por exemplo, disse que poderia reduzir o uso de gás em até 50% neste ano, usando mais eletricidade proveniente de fontes renováveis. Alguns setores industriais foram forçados a reduzir a produção, inviabilizados pelos altos preços do gás. Quando foi possível, algumas empresas buscaram produzir em outras regiões com energia mais barata.
Os esforços da UE para estabelecer um limite para os preços do gás no bloco podem dificultar ainda mais as tentativas de se proteger as cargas, sendo que a Alemanha se opõe a esse plano. Argumenta-se que, por mais que os preços estivessem elevados, eles ajudaram a região a garantir os estoques para este ano. No final das contas, gás caro é aquele que não está disponível ao preço formado pelo mercado.
Como disse, se confirmados os prognósticos de crescimento da economia chinesa, certamente o impacto sobre o mercado mundial de commodities, em especial de energia, será sensível.
Quais são as consequências dessa situação para a economia mundial?
A sustentação dos preços nos níveis atuais terá o condão de promover uma desaceleração na UE. Da mesma forma, cenários de curto prazo mostram que as pressões inflacionárias e elevação da dívida interna nos Estados Unidos poderão levar a medidas mais restritivas em relação ao crescimento econômico.
A guerra entre Rússia e Ucrânia deverá continuar, e alguns especialistas acreditam que deve haver uma escalada nas tensões já em janeiro, quando os russos aproveitarão o frio para atacar centrais de energia da Ucrânia.
Ao que tudo indica, essa guerra será longa, e o preço do petróleo Brent tem tudo para voltar a subir e ficar mais próximo dos US$ 90/barril. Os preços de petróleo e gás deverão se apresentar especialmente voláteis.
A agenda pela busca de energias alternativas e sustentáveis deverá predominar, mas com uma ambiência especialmente caracterizada por instabilidades econômicas. É razoável supor que capitais busquem refúgio financeiro antes de apostarem em novas tecnologias.
Quais são as consequências desse problema para o Brasil?
No Brasil, os impactos de toda a volatilidade internacional serão, obviamente, sentidos. Teremos que acompanhar esses movimentos de forma mais intensa.
No entanto, o país tem uma matriz energética predominantemente hidráulica, complementada por termeletricidade e energias eólicas ou solares. Se este perfil confere conforto ao suprimento de energia, não elimina a possibilidade de contaminação por parte do mercado internacional de óleo e gás natural (GNL).
Atualmente, cerca de 30% do mercado brasileiro é abastecido por agentes privados. O petróleo processado nas refinarias é precificado com base nessas referências. Além disso, o país ainda exporta e importa volumes de cru que têm que ser precificados de acordo.
Portanto, há que se afastar qualquer tentativa de interferência política sobre o mercado de óleo e gás ou sobre agentes que atuam no mercado brasileiro sob pena de promover um desarranjo de preços como ocorrido anos atrás no mercado de energia elétrica.