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Alternativa verde

Apenas em projetos já outorgados, região receberá R$ 398 bilhões para geração solar e eólica

FONTE: Valor Econômico

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A transição mundial para uma matriz de energia limpa poderá alçar o Nordeste a um novo patamar de desenvolvimento econômico. Considerando apenas os 66 GW em projetos já outorgados, a região mais pobre do Brasil deve receber investimentos de cerca de R$ 250 bilhões em parques eólicos de R$ 148 bilhões em usinas solares. A injeção de recursos poderá dinamizar a atividade industrial, que historicamente se desenvolveu menos na região, estabelecendo uma ponte para a economia de baixo carbono e serviços a ela associados.

Apesar da acirrada política de incentivos fiscais implementada por todos os Estados nas últimas décadas, o Nordeste, com 30% da população do Brasil, só responde por 13% do PIB industrial. “A região tem se preocupado com economia do conhecimento, da tecnologia da informação, mas também tem que continuar o processo de industrialização. É preciso recuperar o passivo do século passado, sem deixar que a agenda desse século fique para trás”, afirma Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco e presidente do Consórcio Nordeste.

Estudo da FGV-IBRE indicou que cada R$ 1 investido em um parque eólico se transforma em R$ 2,9 no PIB após 10 a 14 meses, e a cada 1 MW instalado, 10,7 empregos são criados. Os valores consideram impactos diretos, indiretos e induzidos pelo efeito multiplicador dos empreendimentos.

Mais desenvolvida no Brasil, a cadeia de fornecedores para parques eólicos já é uma realidade. Como resultado de uma política de conteúdo local, mais de 80% das turbinas eólicas instaladas no país são fabricadas internamente, segundo Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).

No segmento solar, há espaço para crescer. Nos parques nacionais, uma fatia residual das placas solares, feitas de silício cristalino, são produzidas no Brasil. “Competir com China hoje é inviável. A dominância é global”, diz Helton Chagas Mendes, superintendente de supervisão de rede de agências do Banco do Nordeste.

Adriana Waltrick, presidente da SPIC Brasil, afirma que o Nordeste tem as condições logísticas para comprar de qualquer lugar do mundo, mas o crescimento da demanda local poderá atrair indústrias de placas solares para a região. Com ambição de rapidamente figurar entre os três maiores produtores de energia renovável do país, a SPIC, que tem capital chinês, está investindo R$ 6,5 bilhões em parques solares e eólicos no Nordeste. Os empreendimentos somarão mais de 1 GW à capacidade instalada atual da empresa no Brasil, de 3 GW.

Segundo Ricardo Barros, vice-presidente de geração centralizada da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltáica (Abslar), a matriz solar é hoje a mais a mais competitiva no Brasil. No momento com apenas 7 GW instalados, o setor deve, no melhor cenário, alcançar 46 GW de potência até 2030. Metade dos 75 GW já outorgados no país estão no Nordeste. “É acelerado, mas não é ‘wishful thinking’”, diz.

O bom momento do setor está ligado à melhora da segurança para os investidores, depois que o gargalo da ausência de linhas de transmissão foi equacionado. Hoje, antes de receber outorga, os projetos eólicos precisam garantir a disponibilidade das linhas. A partir de 2018, o BNB passou a financiar também os projetos de transmissão, além da geração e distribuição, na região.

Os investimentos previstos podem ser muito maiores se forem implementados os parques eólicos no mar, também chamados de eólicas offshore. O modelo, que já se provou financeiramente viável, precisa ser regulado. A expectativa é que o Ministério de Minas e Energia defina as regras em 2023. Se isso ocorrer, as primeiras offshores podem começar a operar no fim da década.

O salto na capacidade instalada de energia limpa é crucial para viabilizar a operação de usinas de hidrogênio verde (H2V) na região. Produzido exclusivamente por fontes renováveis, o combustível é uma das principais apostas para a transição energética e pode permitir ao Nordeste exportar energia para a Europa.

Dezenas de multinacionais já firmaram acordo com governos do Ceará, Pernambuco e Bahia para estudar a viabilidade de plantas de H2V nas proximidades portuárias desses Estados. Somente no Ceará, há 24 projetos sendo analisados tanto por empresas do ramo de energia quanto por companhias tradicionais em setores que precisam limpar sua cadeia de emissões de carbono para cumprir protocolos internacionais.

A multinacional francesa Qair, que tem 500 MW em eólicas já em operação no Brasil e outros projetos em construção, precisará de mais 8 GW de capacidade eólica e solar apenas para abastecer duas plantas de H2V em fase de estudo, em Pecém (CE) e Suape (PE). Seu plano de investimentos é de R$ 97 bilhões até 2035.

Ao deslanchar a atividade industrial e novos serviços associados à transição energética, o Nordeste poderá reduzir a histórica discrepância de renda da sua população em relação ao restante do país. A região tem renda domiciliar per capita equivalente a apenas de 60% da média nacional – e metade da renda per capita do Sul e Sudeste, segundo o IBGE. Como resultado, o Nordeste tem 21% da sua população em situação de insegurança alimentar grave, segundo a Rede Penssan.

A reversão desse quadro passa também pelo crescimento de setores que são vocações naturais da economia regional, como o turismo, que se recupera após os anos mais críticos da pandemia. Com litoral de praias paradisíacas, o Nordeste tem sete das dez cidades mais procuradas pelos turistas no Brasil, segundo sondagem do Ministério do Turismo com agências e operadores de turismo. Além das capitais Salvador, Fortaleza, Recife, Natal e Maceió, a região está no ranking ainda com Porto Seguro (BA) e Ipojuca (PE), que abriga o balneário de Porto de Galinhas.

Outra vertente de crescimento é a produção de grãos no Maranhão, Piauí e Bahia. Considerando também o Tocantins, a região conhecida como Matopiba, se fosse um país, seria o quinto maior produtor de soja do mundo, com 18 milhões de toneladas na safra 2020/2021. Nos últimos 20 anos, a produção de soja no Matopiba cresceu a uma velocidade de 2,5 vezes a média nacional, enquanto cultivo do milho avançou quase o dobro.

Nas proximidades da bacia do Rio São Francisco, o polo agroindustrial de fruticultura tornou-se um oásis de riqueza em pleno semiárido nordestino. No ano passado, as exportações de frutas do Nordeste alcançaram US$ 695 milhões – ou cerca de R$ 3,6 bilhões – segundo dados da Abrafrutas. A pujança do setor colocou a cidade de Petrolina (PE) entre as que mais geram emprego no país.